Capítulo 6
1791palavras
2023-01-04 22:10
Um sentimento novo
1
Eu ouvi a voz suave de Charlote o resto do dia. Não entendo como aquilo podia acontecer, mas estava acontecendo. Mas nós éramos apenas amigos, ou talvez fôssemos até aquele dia.

O meu celular não parava de tocar, mas nenhuma ligação era dela (de novo). Emília, Fábio, Carla, Mateus, Paulinha e Antonieta, todos eles procuravam por mim, menos a GG, a Charlote Lauren, a boyzinha que cresceu comigo em Fernando de Noronha tão absurdamente bonita, mas que agora estava sem vida, sem graça e sem sentido algum. Mas por que será que eu estou dizendo isto?
Não, não pode ser, eu não devo pensar uma coisa dessas. Somos apenas amigos. Isto mesmo, e ponto final diacho!
Painho sairá do emprego, mais um problema a menos. Só assim, quando nos mudássemos não teríamos vínculo algum com esse lugar. Ele não precisaria esbarrar ocasionalmente com Charlote em algum dia desses e trocar notícias com ela sobre mim ou vice-versa. Ela estava livre para fazer o que bem entendesse sem precisar dar satisfação alguma para mim. E eu… bem, eu também.
Mas mudando de assunto…
Naquela tarde eu ganhei um presente de Emília, na verdade foram dois. O primeiro tratava-se de um livro. Ele tinha capa azul, o nome do título era gigante e bem sugestivo ''APENAS AMIGOS''. Eu não entendi o motivo da boyzinha ao me dá-lo de presente, e além do mais, estava bem embrulhado. Não, não era meu aniversário e nem outra ocasião tão especial que sugerisse algum presente.
— O que devo fazer com isso, hein Emília? – Já tinha o jogado embaixo do sovaco sem muito interesse.

— Se não quiser ler não tem problema – ela disse com aquela voz fina e irritante, num tom exagerado de deboche –, só não o coloque embaixo dos braços Allan, pelo amor de Deus né? – Ela o arrancou num puxão só. Depois o colocou na altura do meu peitoral e aproximou o seu corpo ao meu.
— Mas acho que deveria ler – ela sussurrou ao pé do meu ouvido.
Nossa, eu me arrepiei todo.
Ela me beijou, na boca. Eu não esperava, mas também não quis evitar. Eu gostei. Véi, na boa, uma hora dessas a gente nem lembra da patricinha metida que ela é. Mas sei lá, eu não era baitola, mas não senti nada quando a beijei, sério, ela era mais fria do que um cubo de gelo. O beijo era bom, a química fluiu, mas com outras garotas eu ficava animadinho, ou, sim… animadão. Ah cara, eu fiquei excitado. Mas não com o dela, a coisa nem esquentou.

O telefone dela tocou e ela descolou a sua boca da minha. Que chato, apesar de tudo, era um beijo, não é? E eu estava com a mais desejada das garotas do Litoral! A grande maioria dos boys jamais teriam uma chance daquelas. Eu já sabia que ela estava caidinha por mim. Das outras vezes (com outros casos antigos) eu dei o primeiro passo, já era comum. Com Emília não foi assim, eu não gostava dela, talvez sentisse algum tipo de atração por achá-la gostosa. Mas na hora do beijo a sua frieza fez eu perder até mesmo a vontade de arrochar um pouquinho mais. Numa hora dessas eu lembrei do mundo. A minha mudança estava próxima e eu não teria mais contato frequente nem com ela e nem com os outros amostrados de Noronha e sentiria saudades.
— Está pegando a Emília, cara? – O Fernandinho era muito informado, a impressão que dava era que ele vivia vigiando Noronha inteira. O caboclinho sabia de tudo.
— Deixe de conversa torta parceiro, quem te contou isso?
— Ninguém mano, mas já estou sabendo. Conta aí.
— A gente só se beijou – sentei na calçada de casa e tentei mudar de assunto. – Ei cara, vamos curtir hoje à noite?
— Ah pára com isso Allan, me conta tudo, tu és um pegador mesmo visse, pegando duas ao mesmo tempo.
— Como assim duas?
— A pitelzinho da Emília e a gorda da Charlote. Mas é claro que a Lauren vai perder essa! – Ele gargalhou.
— Pare Fernando! – Levantei as sobrancelhas. – Tu és um asno, hein. Oxê, fica aí falando o que não sabes! Para começo de conversa, eu e Charlote rompemos.
— E já era um relacionamento tão sério assim para ter rompimento? – Ele fez biquinho, coisa de afrescalhado, foi um jeitinho debochado de querer me provocar.
— Não cara, rompemos a nossa amizade. Ela não quer mais ser minha amiga, entendeu? – Gesticulei. – E eu não a impedi de sair rolando rua abaixo. Se é isso que ela quer, problema!
— Mas para quem diz que não está nem aí tu estás nervosinho demais visse. Não parece nem um pouco que está falando a verdade – ele percebeu que eu estava de cabeça baixa e colocou o pescoço na diagonal tentando olhar para minha cara de besta.
— E você parece muito interessado na Charlote, né Fernandinho – questionei. Ele pigarreou, disfarçou, ficou sem graça – fala mais dela do que Noronha inteira.
—Está maluco, vei? – Levantou-se ligeiro – não tenho interesse em disputar essa parada contigo, visse. Confesse você, que é amarradão na dela e está aí todo preocupadinho.
É, ele tinha razão, eu estava me preocupando. Eu acho que tô gostando da Charlote, vei. Meu Deus, uma gordinha tamanho GG. O que os outros vão dizer, o que vão pensar de mim? O cara apaixonado por um barril!
2
A notícia mais triste da sua vida
O dia não passava mais para mim. Olhava no relógio quase o tempo todo, mas os ponteiros pareciam congelados junto com o meu coração.
Eu ainda não entendia porque diacho eu havia de passar o meu dia chorando, abilolada, por um boy que nem se importava comigo. Isso mesmo, Allan dizia gostar de mim, dizia também que a nossa amizade era importante, mas de palavras eu estava cheia, visse. Se ele gostasse de mim nem que fosse um pouquinho, que me procurasse e deixasse toda essa leseira que o impedia de ver o que o mundo inteiro já sabia, mas só ele não queria perceber.
Eu não tinha vontade de nada, passei o meu dia aqui nesse quarto chorando e comendo chocolate. Eu sei que disse que mudaria, emagreceria, seria inesquecível, mas isso eu posso deixar para amanhã.
Foi quando veio aquela baixinha espetaculosa entrar no meu quarto, falando pelos cotovelos, sem ser chamada. Betânia sempre tinha esse jeito “cheguei sem avisar”, mas eu não me importei, fiquei até feliz por ela estar aqui agora.
— Eita, mas que seu Chico fez um café muito do aguado – eu rir do seu jeito – e a pois que eu não gostei?
— Sinta-se importante para tomar o café do painho, visse. Outro assim, você não toma novamente.
— Vixe Maria – ela soltou uma gaitada – ele é o tampa nisso é?
— Melhor que mainha e até melhor do que eu.
—Apois, Charlote – ela brincou – trate de aprender a fazer um bom café, senão como vai conquistar o Allan?
O sorriso desapareceu dos meus lábios quando ouvi o nome dele.
— O Allan não gosta de café – eu abaixei o olhar, triste – e mesmo que gostasse, não importa, isso é passado.
— Oxente! – Betânia se aproximou de mim sabendo logo que algo ruim andava a acontecer comigo – Por que anda aperreada desse jeito?
— Por nada, Oxê – eu não queria falar sobre isso, sobre Allan, porque no final as lembranças viriam e eu choraria novamente – Aquela sua conversa besta de dar um gelo nele, não funcionou, visse sua menina.
— E tu queria que funcionasse assim, na primeira tentativa? – Ela pôs as mãos na cintura com uma cara de brava para mim que eu até rir dela – Deixa de leseira Charlote, essas coisas não funcionam assim, precisa de tempo para o cabra sentir a frieza do gelo.
— Não importa mais – meu coração se acochou – eu e o Allan não somos mais amigos.
Ficamos em silêncio por alguns poucos segundos. Betânia parecia azuretada, tentando entender como tudo aquilo aconteceu sem que ela percebesse.
— Como foi isso? Por que Charlote?
— E tu não sabe? – Eu não queria explicar, mas talvez falar do Allan me fizesse senti-lo mais perto de mim – Brigamos hoje por causa daquele gelo que dei nele e como eu já estava decidida resolvi romper logo com isso. E avalie só, que aquele metido nem se importou com o fim da nossa amizade?
— Eita! E é isso mesmo que tu queres?
— Sim – quase chorei – não posso continuar sendo amiga do boy que eu tanto amo.
Betânia se calou de vez e apenas ficou sentada ao meu lado sendo solidaria com os meus sentimentos. Talvez ela não concordasse, mas ela me entendia e sabia como eu estava sofrendo. Não demorou muito e ela se foi, me deixando só novamente. Resolvi então sair do quarto para jantar com painho, mainha e os pirralhos, mas antes que eu chegasse na cozinha, ouvi uma conversa muito estranha deles sobre Allan e sua família.
— E apois muié – painho disse como um pantel – O Natalino me explicou a situação dele e parece não ter jeito mesmo.
— Mas assim de repente hômi – Mainha estava triste – Uma notícia dessa assim?
— Não foi de repente Lúcia. Você sabe que a mudança já estava nos planos deles há um tempo, e nós não poderemos fazer nada a não ser sentir saudades.
Meu coração paralisou. Mudança? De que, de quem? Não poderia ser o que eu estava pensando.
— Oxente hômi – Mainha pareceu chorar – tantos anos sendo vizinho, amigos e eles vão embora de Noronha para sempre. Quando será isso?
— Por esses dias muié, por esses dias.
Não podia ser. Meu coração quase pulou do peito de tanta aflição. Allan iria embora de Noronha para sempre, não podia acontecer coisa pior na minha vida. Corri de volta para o meu quarto com um choro entalado na garganta. Peguei o celular, procurei o número dele e pensei em ligar. Minhas mãos tremiam só de imaginar os meus dias sem Allan por perto. Eu queria ele longe, mas não tão longe assim. Por que ele não me contou? Será que eu não era mais importante? Será que ele pouco se importava? Parecia que sim e se eu não falasse com ele sobre aquilo enlouqueceria. Escrevi uma mensagem:
Por que você não me contou? Por que não me disse que iria se mudar?
Enviei e chorei que nem uma criança.