Capítulo 5
2477palavras
2023-01-04 22:05
Eu decidi mudar
1
Os conflitos internos de uma gordinha

O dia foi difícil, nunca me senti tão aperreada em toda a minha vida por não falar com Allan, e mesmo que ele não tenha se importado eu também não ligo.
No caminho de volta para casa eu avistei a Emília e a sua turma toda metida a cavalo do cão, me olhando e rindo. Eita! Elas vão encarnar comigo, eu tinha certeza.
O meu dia já não estava legal, esse desentendimento com o Allan que só existia na minha cabeça me deixou com a gota serena e agora eu teria que encara a Emília. Eu não estava preparada para isso. Apressei o passo e tentei passar por elas na toda, mas não teve jeito, elas me cercaram fazendo uma rodinha maldosa ao meu redor. No começo foram só risos, mas depois vieram aqueles apelidos que eu fingia que não me importava, mas, no fundo, só eu sabia o quanto doía.
— A balofa está com pressa? – Emília e a sua língua trelosa.
Eu permaneci calada.
— Em vez de Charlote – a Paulinha sempre entrava nas ondas da Emília –, sua mãe deveria ter colocado seu nome de Jabulani.

Todas riram de mim e eu mais uma vez engoli o choro junto com toda a zoação. Eu abaixei a cabeça, nunca tinha coragem de revidar, de dizer que eu preferia ser gorda do que infeliz da costa oca que nem elas. No meio da raiva passei por elas quase derrubando a Emília em um empurrão. Eu não era obrigada a ouvir aquilo.
— Eu acho é pouco – ela gritou –, vai lá merenda de alimentar o planeta, mas esse empurrão vai ter volta visse, cintura de ovo.
E cada vez que eu me distanciava mais delas eu acabei por botar para fora o que tanto acochava o meu coração. Eu chorei até não aguentar mais. Caminhei por minutos até a praia do leão, um dos meus lugares preferidos em Noronha, porque era aqui que eu e Allan brincávamos quando crianças. Que saudade daquele tempo, saudades das conversas que tinha com ele, mas agora ele andava diferente e abestalhado que eu nem sei como pude me chamegar para o lado daquele boy desajuizado. Como eu queria que ele estivesse comigo agora. Tentei afastar esses pensamentos quando me lembrei que o foco agora era esquecê-lo, mesmo porque, Allan não pareceu se importar com o gelo que eu dei nele. Também não me importava, que aquele boy era orgulhoso eu já sabia, mas eu sou teimosa e não vou arredar o pé até conseguir esquecê-lo.
Minha vida era um nó-cego que eu não sabia desatar. O que eu tinha em meu coração não podia ser entendido. Estava na bronca com o meu peso, porque era ele o culpado de todos os apuros que eu passei na vida. Respirei fundo e me engasguei no meu próprio soluço enquanto observava o mar. Queria me afogar nele. Queria que ele me levasse embora para sempre porque aqui ninguém sentiria falta de mais uma gorda no planeta. Nunca pensei nessas coisas de morte, mas agora morrer era o que eu mais queria.

Enquanto o vento quente da tarde bagunçava os fios do meu cabelo eu decidi deixar de bobeira e voltar para casa.
Mainha deve estar aperreada com o meu sumiço e como eu conheço bem a dona Lúcia, ela é capaz de me dar uma coça daquelas se eu me demorar mais um pouco.
Estava avexada pra chegar logo e fui na toda pra não dá um cu de boi com a mainha. Cheguei um pouco peguenta e logo Jacob foi falando:
— Que inhaca é essa Charlote? – Tampou logo o nariz – a leitoa estava no chiqueiro?
Eu até abri minha boca para responder, mas mainha me interrompeu:
— Onde tu estava? – Estava com a gota serena – Já faz mais de uma hora que as aulas acabaram e eu não te vi na saída do colégio.
— Eu… – gaguejei.
— Responda leseira – mainha colocou as mãos na cintura e me olhou duvidosa, meio tendo certeza do que ia dizer – não me diga que tu arrumaste um cabra e anda de chamego com ele por aí, Charlote.
Eu fiquei meio abilolada com as ideias de Mainha.
— E quem vai querer ficar de chamego com a Charlote? – Jacob me provocou novamente – Ninguém cria baleia de estimação.
— Fique quieto, menino – ela pregou o olho em mim – Sua professora veio se queixar comigo hoje – lá se vai eu comer brocha. O que diabo aquela professora tinha que ir falar de mim pra mainha meu Deus – Me disse que tu anda avoada nas aulas e que suas notas do ano anterior não foram muito boas.
Automaticamente eu abaixei a cabeça, envergonhada, cheia de dor com esses problemas que nunca acabavam.
— Sabe o que é mainha – eu não ia contar a verdade para ela – é porque as aulas voltaram agora e eu tô me acostumando com as matérias novas. Não tem cabra, nenhum na história, visse. Fica tranquila.
— Apois, espero mesmo visse. Espero também que suas notas melhorem, não quero ouvir mais queixas de você com ninguém, senão você vai levar uma coça daquelas.
Ela se calou e eu corri para o meu quarto antes que o painho também chegasse e me enchesse com essas ideias descabidas de que eu ando de chamego com alguém. Quem me dera se o meu problema fosse esse, mas não era. Tomei o meu banho para tirar a inhaca que Jacob disse que eu estava e me arrumei pensando no tanto que o meu dia ia ser chato sem aquele boy.
Parei em frente ao espelho e me analisei por longos minutos. Eu não sou bonita, os meus olhos são claros, azul como a imensidão do mar; meus cabelos são loiros e lisos, mas a minha gordura esconde tudo isso. Sempre fui uma criança normal – ao menos no meu peso corporal – mais aí eu comecei a ganhar peso. Começaram as piadas no colégio, em casa e os conflitos emocionais me fizeram ganhar mais peso ainda. Eu comia a boléu e de tudo pra esquecer o que eles diziam sobre mim e me tornei quem eu sou hoje. A balofa, pudim de banha, barril destampado, bolo fofo, rolha de poço, chupeta de baleia, como se baleia já não bastasse. A minha lista de piadinhas era imensas e podia até ser engraçado para quem fazia, mas para mim não era.
Eu me lembrei de tudo isso e chorei em frente ao espelho. Nunca ouvi ninguém dizer o quanto eu era linda e especial mesmo com todo aquele peso. Eu precisava mudar, deixar de leseira, esquecer a bronca e mudar. Como? Eu ainda não sabia, mas queria deixar de ser piada e me tornar especial para o Allan e para o resto do mundo.
2
Esperando uma ligação dela
— Allan, meu querido, acorde… seu telefone estava tocando!
Eu apaguei no sofá e nem me dei conta da hora. Nossa, mainha me deixou preocupado agora. Será que a Charlote estava me ligando finalmente?
2 chamadas perdidas: Fábio
Era só o Fábio.
Mas o que ele queria? Os parceiros e eu acabamos de sair de lá, bem dizer!
Eu pensei que fosse a Charlote, já estava ficando muito agoniado com o silêncio dela. Pensei, por vários momentos, em ir até a casa dela novamente, mas tive medo de não ser bem recebido lá, afinal, eu ainda não entendia os seus motivos repentinos em se afastar de mim.
Talvez fosse leseira da minha cabeça, talvez ela estivesse apenas mal-humorada ou com algum problema em casa, visto que os irmãos vivem atormentando-a.
Sabe de uma coisa, vou parar de pensar e agir!
— Mainha… – Gritei da sala – Estou saindo… vou na casa da Charlote e de lá vou passar no Mateus.
Acho que ela ouviu apesar de não me gritar depois.
No caminho, pensei em contá-la logo sobre a mudança de cidade que eu teria que fazer com a minha família, seria uma boa oportunidade para explicar tudo e mesmo que a gordinha desse um tango no mango seria mais fácil contornar a situação, ela gostava das minhas brincadeiras, se eu me fizesse de palhaço ela aceitaria numa boa, seria massa!
O que será que Charlote faria a essas horas? Bem que ela podia estar de bom humor.
3
Estava eu, aperreada em casa pensando nas mil formas que existiam para uma adolescente igual a mim ter o corpo que toda garota sonha. Academia, uma boa dieta, correr na praia. Nossa, isso me dava uma leseira só de pensar, era cansativo demais. Eu poderia começar com uma simples caminhada pelas ruas de Noronha. Me levantei, e fui, mas o que eu queria mesmo era poder encontrar Allan por aí. Por que aquele boy tinha que ser tão orgulhoso, por que não me ligava?
Mas, eu também, abilolada como sou, criei na minha cabeça que havíamos brigado, me esquecendo que eu inventei junto com as ideias doidas da Betânia dá um gelo nele. Isso não ia funcionar.
4
— Charlote! – Gritei do portão.
Achei estranho quando a porta se abriu e Jacob veio dizendo que “a balofa não estava em casa”. Eu não quis questionar, mas bem que tive vontade.
Agradeci e não dei muita atenção ao maloqueiro, sim, isto mesmo, Jacob estava crescendo e cada dia que passava se parecia mais com um maloqueiro. Eu deveria dizer à sua mãe o que andavam falando dele lá para as minhas bandas, mas aquele não era o momento oportuno para tamanho cabuete.
O jeito mesmo era voltar para casa, eu não queria ir na casa de Mateus algum como tinha dito a mainha, eu queria encontrar com Charlote, foi para isto que eu havia vindo.
Fiquei parado na esquina por uns minutos como um cangalha de cambitos esticados sem saber o que fazer. Foi aí que o pequeno Bentinho me viu e gritou do portão:
— Está procurando a Charlote? Ela foi para lá – Aí ele apontou para o outro lado – Vai lá, corre logo se não alguém pode namorar ela primeiro, mainha vai brigar – Aí eu me zanguei. Até o boyzinho queria que eu namorasse a GG, aquilo já estava cabuloso demais.
Dona Lúcia passou dentro do quintal de um lado ao outro e me olhou estranho, parecia o olhar da filha na entrada da escola. Nossa, não era atoa que Charlote era sua filha, agora eu já estava torando um aço de tanto medo. Desviei o olhar antes que ela me desse alguma bronca sem eu nem ao menos saber o motivo.
Por incrível que pareça, corri pela rua à procura da Lauren. Acho que ela estava fugindo de mim, talvez estivesse lendo os meus pensamentos.
Que saliência! Como pode? Fazer-me procurar por ela rua por rua num sol desses. Essas garotas hein, vou te contar!
Eita, olha ela lá! Avistei de longe. Também, quem não avistaria, não é?
Antes que eu me aproximasse dela, ela se virou e me viu, parecia que pressentia quando eu estava por perto. Depois, virou-se novamente para a frente e não fez aquele sorriso de sempre, gigante que nem ela.
Quando cheguei ao seu lado, nem ao menos ela parou para falar comigo, apenas tentou ignorar a minha presença, mas eu insisti.
— Ei, espere aí, o que está acontecendo Charlote? Desde cedo tu fazes esta cara quando me vê. O que eu fiz, afinal? Diga logo!
5
Será esse o fim de uma amizade?
Eu levei um baita susto quando vi o Allan de longe, se aproximando de mim. Veio logo perguntando porque andava com aquela cara. Ah, ele não ia gostar de ouvir o que eu tinha para dizer
— Oxê – eu não o olhei – Não está acontecendo nada, deixe de leseira Allan. Por que isso agora?
— Mas, como assim Charlote? – Ele pareceu confuso – Não nos falamos de manhã e agora tu viraste a cara para mim, estás ficando louca?
— Talvez esteja – eu fiquei séria – Talvez eu tenha me cansado dessa amizade ou vai negar que tu vieste todo diferente dessa viagem aí?
— Agora eu entendo, então é por causa da viagem? – Olhou bem firme nos meus olhos. Ele certamente pensou que eu não teria coragem de o encarar, mas fui audaciosa, respondi olhando bem fincada nele e sem piscar ao menos uma única vez.
— É – se ele era orgulhoso eu também aprenderia a ser – Apois, pela viajem, pelo seu jeito aí avoado. Nossa amizade não é mais como antes, visse.
— E o que tu queres dizer com isto? Agora só falta dizer que não quer mais ser minha amiga – Aí ele riu. Achou muita graça daquilo. Deve ter pensado: eu, logo eu, tão querido por tantos, tão desejado por várias garotas, sendo praticamente desdenhado por uma gordinha. Tudo bem, eu era a sua melhor amiga, mas aquele charminho ridículo o deixou arretado.
— Eu não quero mais ser sua amiga – meu coração se acochou quando disse isso. Mas eu estava decidida a ir até o fim – Era amiga de um cara legal, não de um metido a cavalo do cão que nem tu, visse.
— Metido? – Ele engoliu a seco. Sua expressão mudou – Apois, se você está decidida… – Virou-se e me deixou lá, do jeito que eu queria, sozinha e sem ninguém. – O cara metido a cavalo do cão tem mais o que fazer, então.
— Estou sim visse – Só eu sabia o quanto meu coração doeu ao dizer aquilo para ele. Eu não queria que ele fosse embora e que tudo se acabasse assim, mas eu engoli o meu orgulho e falei – se você, pelo menos, me contasse o que anda acontecendo Allan Gesser.
6
Eu escutei ela dizer alguma coisa sobre ''o que está acontecendo Allan Gesser'' mas não quis olhar para trás. Se era aquilo que ela queria, então eu não faria esforços opostos. Eu não havia feito nada, mas Charlote me conhecia muito bem. Mais uma vez eu não falei para ela sobre a minha mudança; senti-me com a consciência pesada por causa disso.
Ah, essa gordinha vai me fazer falta, já estou sentindo falta dos seus cheiros.
7
Eu vi o Allan ir embora sem me responder e não pude evitar algumas lágrimas. Eu queria correr atrás dele e dizer que eu estava errada, mas não fiz. Tomei o rumo de volta para casa numa tristeza de dar dó. Se Allan gostava de mim, nem que fosse um pouquinho ele iria me procurar de novo, visse – eu pensei – mas se não, eu terei que aprender a conviver com sua ausência.