Capítulo 73
1575palavras
2023-04-26 06:00
Era mesmo impressionante como James tinha um imã para desentendimentos. Quando Cristina chegou ao fim do corredor e viu Miguel se esforçando para acertar uns socos na cara dele, pensou em por que não tinha previsto aquela hipótese, realmente. A apenas alguns metros, Olga observava tudo, e evidentemente se divertia.
Maurício foi até eles e, calmamente, empurrou o irmão e puxou James para longe. Eles continuaram se ameaçando por alguns instantes, mas então James viu Cristina e sua atenção foi desviada.
- Olá, vagabunda.
Cristina o olhou com incredulidade enquanto Maurício olhava para o outro lado.
- Do que você me chamou? – perguntou para confirmar.
- Vagabunda. Você atirou em mim, não pode esperar que eu te chame de outra forma. Se não vou te processar, pelo menos tenho alguma satisfação.
Miguel ficou vermelho e começou a ensaiar alguns dos xingamentos homofóbicos que sabia, mas Cristina o conteve. Ao fundo, Olga ria.
- Isso é... – começou ela, exasperada.
- Se quiser, posso te chamar de piranha – ofereceu ele.
- Não, obrigada.
- Então será vagabunda.
- E no colégio, vai ficar me chamando assim?
- Não, porque eu pedi demissão ontem.
Cristina não acreditou por um segundo, mas depois entendeu. Se James, pela primeira vez em seus 56 anos, se juntasse, ou até se casasse com Maurício, a renda combinada de seus empregos na universidade poderia tranquilamente sustentar seu padrão de vida. Ele não precisava mais do Colégio das Irmãs Beneditinas.
- James, por favor – pediu Maurício, que claramente queria ir embora.
- Um instante, Maurício – pediu ele, e se virando novamente para Cristina – Sabe aquele anel que eu te dei?
- Sei. O anel de Anne Boleyn.
- Não. Ele é mais falso do que o seu cabelo ruivo. Espero há anos para dizer isso. Tchau, vagabunda.
E deu as costas, feliz. Cristina ficou fumegando de raiva por algum tempo, observando os dois, seu ex-marido e seu ex-amante, indo em direção à porta que levava a mais um dia quentíssimo de um janeiro carioca. Bem, pensou ela, tentando se acalmar, eles até que combinavam. Se Maurício conseguisse não matar James no primeiro ano, talvez aquela confusão toda valesse a pena para eles... embora fosse claro que ela ainda tinha alguns assuntos inacabados a resolver com eles.
- Cristina – chamou Miguel, claramente ainda fervendo de raiva, tirando-a de seu devaneio – Vamos?
- Um momento – pediu Olga, que se aproximara sem se notada – Gostaria de falar com Cristina.
Cristina a olhou com espanto.
- O quê?
Olga sorriu.
- Apenas um momento. Miguel, por favor.
Ele olhou as duas mulheres com evidente medo. Claro. Deveria mesmo.
- Por favor – pediu Olga novamente, com uma doçura que ficava esquisita na sua voz.
Miguel se afastou com relutância. Olga então se virou para Cristina.
- O que quer?
- Pensei que, agora que nossas hostilidades não têm mais motivo para existir, poderia exprimir alguns pensamentos que sempre tive sobre você.
- Pensou errado. E eu não quero saber se você é apaixonada por mim ou qualquer porra dessas.
Olga sorriu, pacífica.
- Como poderia? Não sou lésbica.
- Impossível – declarou Cristina com convicção.
- Não vejo por quê.
-Talvez porque você tenha sempre tenho sido uma frígida com Miguel. A não ser, é claro, para engravidar.
Olga balançou a cabeça.
- É verdade. Toda vez que fazíamos sexo, a única coisa que sentia eram os meus ossos doendo.
Cristina olhou para ela sem acreditar. Estava comprovado, Olga Rachmaninoff era louca.
- Então, você é lésbica.
- Não.
- E Leila Rehbein?
- Apenas um teste que me convenceu que não sou atraída por mulheres.
- Então você é o quê? – questionou Cristina, tão confusa que até já parara de pensar em quão estranho era ela e Olga falando sobre sexo.
- Creio que assexuada.
- Espera, você não liga para sexo?
- Existem coisas melhores a se fazer.
Cristina quase sentiu seu cérebro dando nó. Coisas melhores a se fazer do que sexo? Ela não podia acreditar que existia uma pessoa que pensava assim. Principalmente uma pessoa com (supostas) cinco gestações. Não, ela não acreditava. Não podia acreditar.
- Não acredito nisso – disse ela em voz alta.
- Se quiser – concedeu Olga, sem se importar – Não era isso que eu queria dizer, de qualquer forma.
- Então, o que era?
Olga deu-se alguns segundos de pausa antes de falar.
- Você sabe dirigir, Cristina?
Ela ficou confusa pela pergunta.
- Não, mas e daí?
- Esperava isso.
- E por quê?
- Sabe, Cristina – começou Olga – Todas as coisas que fiz, foi porque quis. Eu quis. Todas as vezes que engravidei foi a minha vontade, pura e simples. Fiz faculdade de Enfermagem pela minha vocação. Trabalho num hospital porque me sinto bem ali.
- E isso tem a ver comigo por...?
- Não vê, Cristina? O que você fez na sua vida foi para agradar outras pessoas. Nunca fez nada para você mesma, somente para si mesma. Como aprender a dirigir.
Ela a olhou como se Olga estivesse delirando.
- Claro que não!
- Não? Então, diga-me: você gostou da sua faculdade? Gosta da sua carreira? Do seu emprego?
- Claro que...
-...não. Por que você não fez pelo seu próprio desejo. Fez para agarrar um homem.
Cristina a encarou em silêncio, sem ter o que dizer. Fazia tantos anos que ela tomara a decisão de mudar de Ciências Sociais para História que sequer se lembrava direito de seus pensamentos na época. Mas se recordava distintamente da participação de James em sua decisão.
- Seu silêncio confirma minha tese – comentou Olga.
- Como eu poderia ter terminado a faculdade sem gostar dela?
- Você está subestimando o poder de uma obsessão. Aliás, acho que obsessão é a palavra que melhor define sua relação com esse homem.
- Discordo.
Olga olhou para ela com curiosidade.
- Discordo? – repetiu.
- Sim. Não acho que exista alguma palavra em português para explicar minha relação com James Colbert.
Olga riu.
- Se você diz.
- Só por isso você fala que tudo o que fiz na vida foi para agradar outros?
- Não, claro que não. Pense no seu casamento. Você acha que é uma golpista, mas essa não é toda a verdade. Sim, você gosta de dinheiro, do conforto, mas não foi só por isso que se casou com Maurício. O fato que ele era seu amigo ajudou, mas... acho que seu principal motivo para casar foi o fato que assim ficaria mais perto de Miguel.
Cristina a encarou, atônita. Jamais pensara as coisas por aquele ângulo.
- Não foi assim – argumentou – Naquela época, nós só tínhamos nos beijado algumas vezes.
Agora que Olga já se divorciara de Miguel, ela não tinha mais nada a perder sendo honesta. Já tinha tido o suficiente com respostas capciosas.
- Mas já havia plantado a semente – respondeu Olga – Aposto como ele despertou algo em você desde o primeiro momento.
Cristina não podia realmente negar isso.
- Infelizmente para você, essa linda história de amor vai acabar.
- E por que acabaria?
- Teresa.
Cristina não conseguiu não estremecer.
- Você está com medo do que ela vai achar disso, e dando graças a Deus que ela esteja na Europa numa longa viagem com o amante enquanto tudo isso acontece.
- Vou ter que enfrentá-la em alguma hora – conformou-se Cristina.
- Sim, terá. E vai perder.
- Por que perderia?
- Você sempre temeu e odiou essa mulher. Mais do que eu. Quando ela mandar você se afastar, porque é um pecado e uma abominação aos olhos de Deus você se relacionar com seu cunhado, você vai fazer. Por que sempre faz o que os outros querem. E, talvez, internamente, concorda com ela.
Cristina queria achar que Olga estava errada. Mas sabia que poderia não estar. Ela estava realmente com medo do que aconteceria quando Teresa chegasse de sua viagem. E se perguntando se conseguiria se manter firme quando chegasse a hora.
- O que é uma pena – concluiu Olga – Você e Miguel até que formam um bonito casal.
Eis algo que Cristina não esperava ouvir nunca de Olga, nem em seus sonhos mais loucos. Aliás, ela nunca esperara que, um dia, conversaria com ela naquele tom tão... pacífico.
- Por que você está fazendo isso? – perguntou, querendo entender – Por que está me ajudando?
- Por dois motivos. Primeiro, porque você agora é a madrasta dos meus filhos, e não quero que uma problemática cuide deles. Principalmente com essa situação de Gregori e Isabella.
Cristina fez uma careta. Aquele namoro recém-assumido. Não queria nem pensar.
- E o segundo? – questionou.
Olga sorriu.
- Ora, Cristina, você nunca leu a fundo a Arte da Guerra? A verdadeira razão última de qualquer confronto é a paz. Chegamos a ela.
E se preparou para ir embora. Foi quando Cristina teve uma ideia. Afinal, o costume tinha que ser mantido.
- Olga – chamou.
Ela virou-se.
- Sim, Cristina?
- Ganhei.
Olga piscou.
- Como?
- Ganhei – repetiu Cristina, feliz, abrindo um grande sorriso – Roubei o seu marido e te expulsei da família. Quer definição mais bonita de vitória?
Olga a encarou por alguns instantes.
- Seria, realmente – concedeu ela com leve desdém – se você tivesse feito isso de propósito. Tchau, Cristina.
E foi embora.