Capítulo 72
743palavras
2023-04-25 18:14
No final, Miguel estava tremendamente certo - seus divórcios iriam demorar. Claro que o fato de ambos não serem litigiosos acelerou o processo, principalmente no caso de Cristina; Maurício, doido que estava para se livrar dela, concordaria com quase qualquer coisa, inclusive uma pensão que comesse mais de um terço do seu salário. Já com as filhas foi diferente. Isabella, que já tinha idade suficiente para ter sua opinião considerada no processo, decidiu ficar com seu pai, para o desgosto (mas não surpresa) de sua mãe. Já Alice ficou na guarda compartilhada, com feriados a serem negociados pelo ex-casal. Miguel e Olga também decidiram tudo de forma quase civilizada; todos os filhos para ela (exceto nos finais de semana) e uma pensão muito da razoável.
Eventualmente chegou o ano de 2033. Bastavam apenas algumas assinaturas e, pronto, liberdade, fim do processo. Cristina só precisou se lembrar da sua assinatura. Fazia tempo que não escrevia nada. Feito isso, o divórcio foi concluído. Ninguém precisava mais olhar na cara de ninguém, exceto nos dias de trocar Alice de mãos.
Mas Cristina não estava satisfeita com aquilo. Ela e Maurício tinham uma história longa demais para acabar daquela forma tão deprimente.
- Hum, Maurício?
Ele olhou para ela. Tinham acabado de sair do escritório do advogado.
- Sim, Cristina? – perguntou, formal.
- Eu queria... – começou ela, prosseguindo com dificuldade – pedir desculpas.
- Eis algo difícil de ouvir de você – comentou ele com expressão indecifrável – E por que?
- Naquela sexta-feira, eu falei coisas não muito legais. E fiz coisas não muito legais também nos últimos vinte anos. Então, eu... bem, acho principalmente que se tivermos uma boa relação tudo vai ser mais fácil. Você me desculpa?
Maurício pensou seriamente no assunto, ponderando os prós e os contras.
- James ficou a minutos de morrer.
- Eu sei.
- E você também quase me acertou.
- Eu sei.
- Acho que isso é meio difícil de perdoar – concluiu ele.
- Mas tudo isso só aconteceu porque você não abriu o jogo – retrucou Cristina – Se tivesse me falado desde o início, seria muito diferente.
- Seria mesmo?
Cristina imaginou Maurício chegando nela e anunciando: Oi, querida, quero o divórcio porque me apaixonei pelo seu ex-amante.
- É, não seria diferente – concedeu ela – Não, pensando bem, seria. Eu teria te matado com uma faca de cozinha.
Maurício deu uma risadinha.
- Consigo imaginar a cena.
Os dois ficaram em silêncio por um tempinho. Apenas alguns passos distantes no corredor de mármore podiam ser ouvidos.
- Cristina?
- Sim.
Maurício engoliu em seco algo que parecia ser particularmente amargo.
- O que você sente exatamente pelo meu irmão?
Cristina conteve a resposta automática que já estava na ponta da língua. Respirou fundo e encarou seu ex-marido, tendo consciência que aquela era a resposta mais difícil que jamais tivera que dar a alguém, até mesmo para si mesma, já que passara quase a vida inteira pensando naquilo antes de chegar a alguma conclusão.
- Eu o amo – respondeu ela, e imediatamente sentiu um alívio quase indecente – Ah, Maurício, eu o amo há muito tempo. Me desculpe.
Ele a encarou com muito cuidado. Para não deixar transparecer a decepção, imaginou ela.
- Pelo menos isso tudo não foi à toa – comentou.
- Acho que não. Mas, Maurício, isso não significa que nunca tenha gostado de você. Eu gostei – na verdade, gosto, apesar de tudo. Só que não era o tipo de sentimento que faz uma pessoa se casar.
- Entendo.
- Você sentia a mesma coisa?
Ele pensou por alguns instantes.
- Eu quis acreditar que amava você – respondeu ele por fim – Era mais fácil.
Cristina assentiu. Ela entendia perfeitamente.
- Pensando bem, acho que posso te perdoar – acrescentou ele com um sorriso fraco.
Ela sorriu e o abraçou, satisfeita. Ele, surpreso, demorou alguns segundos para envolvê-la com os braços. E foi ali, bem ali, que ela teve certeza que aquela etapa de sua vida com Maurício estava mesmo terminada.
Foi quando eles ouviram os ruídos de discussão no fim do corredor. Então, um barulho nítido de duas pessoas se engalfinhando. Maurício e Cristina se separaram.
- Miguel veio com você? – perguntou ele depois de alguns instantes.
- Veio, ele tinha que terminar de...
- Então já entendi – disse ele, indo na direção dos ruídos.
Cristina sacudiu a cabeça, exasperada, e foi atrás.