Capítulo 69
1704palavras
2023-04-19 05:50
Eles subiram sem maiores complicações, já que Ramirez, o porteiro, já se cansara de vê-la. Menos de 5 minutos depois da chocante descoberta, lá estava Cristina na frente da porta de James. Checou a pistola com silenciador e ergueu a mão esquerda para a campainha.
Miguel segurou seu braço. Ela olhou para ele, contrafeita pela interrupção.
- O que foi?
Ele respirou fundo.
- Queria que você soubesse de uma coisa se algo acontecer.
- O quê?
- Eu te amo.
Cristina paralisou. Tentou articular algo, qualquer coisa, mas não conseguiu dizer nada.
Até porque ele deu um pequeno toque displicente na campainha. Lá dentro, ruídos de movimentação. Então, o toque eletrônico. E James abriu a porta.
Ele nem teve tempo de parecer espantado antes que Cristina erguesse a arma na direção do peito dele.
- Mas o quê... – começou ele, empalidecendo.
- Miguel, por favor, segura ele.
Miguel o agarrou por um braço e puxou-o para dentro do apartamento. Cristina os seguiu e bateu a porta. A nova gatinha de James recuou para perto da mesa.
- Maurícioooo – chamou ela ao ver que ele não estava ali – Maurício, é sua amada esposa Cristina. Apareça!
Silêncio como resposta.
- Maurício! – repetiu Cristina mais exaltada – Aqui, agora!
Nada.
Ela, então, se virou para James, contido pelos dois braços por Miguel. Mesmo pálido, ele sustentou seu olhar com desafio. Ela ergueu a pistola, apontando para o peito dele.
- Maurício, se você não aparecer, eu vou atirar no seu namoradinho – anunciou.
James ficou absolutamente branco, para a satisfação dela.
- Você enlouqueceu?
Cristina o ignorou e consultou seu relógio.
- São 8:21. Se você não aparecer, vou atirar na perna nele às 8:22. Se ainda não aparecer no próximo minuto, vai ser a outra perna. E assim sucessivamente. Se você não aparecer, vou chegar na cabeça daqui a cinco minutos.
Ninguém. Só barulho do vento lá fora.
- Você não me deixa escolha – gritou Cristina, e pôs o dedo indicador no gatilho.
- Cristina, não...
Quando o relógio mudou para 8:22, ela atirou. A Anne ressuscitada deu um pulo de susto e desapareceu.
Por um segundo, o estampido surdo da pistola pareceu ecoar pela sala. Então, Miguel largou James como se ele tivesse sido tomado pela peste, fazendo-o cair no chão. O sangue começou a colorir o tapete de vermelho quase imediatamente.
Foi mais ou menos nesse momento que Maurício chegou derrapando na sala, vindo de um dos quartos.
- O que você fez? – exclamou ele sem acreditar muito, dando alguns passos em direção a James.
Cristina se adiantou e encostou o cano da arma na testa dele, o obrigando a recuar até a parede. Nunca vira Maurício com os olhos tão arregalados.
- Você vai ficar bem aí. Vamos ter uma conversa.
Maurício ficou. Cristina recuou, a arma sempre erguida, até estar entre ele e James, que se arrastara até ficar mais ou menos sentado. Como Miguel estava agora do lado oposto ao dela, os quatro agora formavam um quadrado. Adequado. Ironicamente adequado.
- Você – decidiu Cristina, mantendo Maurício na sua mira – Desde quando?
Maurício a encarou por um tempo antes de entender.
- Cristina, isso é uma paródia horrorosa.
Ela atirou nele. Maurício se encolheu e o disparo atingiu a parede a cerca de 15 centímetros da sua perna esquerda.
- Errei – resmungou ela – Enfim, continuando. Quanto tempo, Maurício? E se falar outra gracinha eu acerto sua cabeça.
Maurício se endireitou, agora evidentemente bem mais amedrontado.
- Uns três anos.
- Três e meio – corrigiu James atrás dela – Digo, regularmente.
Cristina deu uma breve olhadela irritada nele. O sangue começara a formar uma poça bem razoável no tapete. Então, subitamente, começou a rir.
- Meu marido e meu amante! Se tivessem me contado, eu nunca ia acreditar... se bem que até faz sentido – fez uma pausa e olhou novamente para Maurício, que se mantinha junto à parede – Olha, de santo você só tem mesmo a cara. Me enganou por todo esse tempo.
- Você não é ninguém para falar de mim – retrucou ele, subitamente retomando sua coragem - Eu sei de tudo, Cristina. De todas as suas mentiras e jogos comigo.
- Quem te disse isso, James?
- Quem mais poderia ter sido?
- Então, você não deveria confiar.
Maurício riu.
- E por quê?
Cristina o encarou e, então, jogou sua carta. Falsa, agora ela sabia com alívio, mas útil de qualquer forma.
- Você confiaria no amante de sua filha de 15 anos?
Maurício empalideceu e olhou para James, que estava corado e sacudindo a cabeça com agitação.
- Isso é um absurdo! – grasnou ele, tentando se endireitar melhor no chão e falhando com um gemido de dor – Nunca tocaria em Isabella!
- Mentira! – gritou Cristina - Maurício, você tem que acreditar em mim. James é o único homem da história a ser amante de mãe, pai e filha.
James sacudiu a cabeça com mais ênfase.
- Claro que não! Ela tem 15 anos. Quando eu quiser ser preso, vou roubar um banco, não assediar uma menor.
- Ele está mentindo – insistiu Cristina – Isabella me contou sobre ele.
- Duvido. Isabella não me parece uma mentirosa costumaz como sua mãe.
- Ela me disse!
- Disse o quê? Que era amante do seu professor de história?
Cristina abriu a boca, mas não conseguiu dizer nada. Subitamente, se esgotara. Abaixou a arma lentamente, mantendo o dedo no gatilho. Seu coração pulsava de dor e culpa.
- Ela não disse nada, não é? – prosseguiu James, com um sorriso vitorioso um pouco vacilante – Cristina, sua vaca mentirosa. Você realmente enlouqueceu.
Foi então que a campainha tocou e todos se sobressaltaram. Cristina, que comandava a todos com sua pistola, fez um sinal para Miguel e ele foi ver quem era. Quando voltou a olhar para ela, estava com um olhar espantado.
- Cristina...
- Quem é?
- Olga.
Ela suspirou. Era mesmo tudo o que faltava.
- Pode abrir.
Miguel assentiu e, com um estalido, a porta foi destrancada. Um segundo depois, os longos e lisos cabelos escuros de Olga surgiram.
- O porteiro me perguntou se aqui estava tendo uma festa – comentou ela assim que passou pelo portal da porta. Então, viu James sangrando no chão e finalizou – Acho que não.
- O que veio fazer aqui, Olga? – questionou Cristina, irritada.
Ela a encarou bem.
- Vencer – respondeu, sintética, e, antes que Cristina falasse qualquer coisa, prosseguiu - Porque você nunca prestou atenção em Maurício, não é?
Cristina esperou um tempo, meio estupefata, para ver se Olga ia se explicar. Isso não aconteceu.
- O quê?
Olga sorriu.
- Nunca prestou atenção nele. Não percebeu o que está acontecendo há muitos, muitos anos. Nem sabia onde seu marido estava, sabia?
Cristina ficou processando a frase por algum tempo. Então, entendeu.
- Foi você! – acusou.
- Foi – admitiu ela sem hesitação – Você estava demorando demais.
- Quem fez o quê? – perguntou Miguel, confuso.
- Olga mandou um bilhete anônimo para mim – respondeu Cristina, raivosa – Perguntava se eu sabia onde meu marido estava.
- Apenas uma mera pergunta retórica – disse Olga, sorrindo.
- E por que você fez isso? – perguntou Maurício, irritado – Já é a segunda vez que faz esse tipo de coisa.
- Entenda, Maurício – começou Olga com franqueza - Não é nada pessoal. Você é só o ponto fraco de algo maior do que você.
- E como você soube? – questionou ele.
Olga o encarou.
- Seu celular – esclareceu – Você praticamente pediu para ser flagrado.
- Ah – fez Cristina, subitamente iluminada – Agora tudo faz sentido.
- Tudo o quê? – questionou Miguel.
- Não importa.
- Você tem sorte, Maurício – comentou Olga -, que Cristina seja uma estúpida.
- Eu teria sabido mais cedo – gritou Cristina para ela – se tivesse ficado espionando meu marido, como você fez!
- Você me espionou, Olga? – questionou Maurício, estupefato.
- Não. Só usei a lógica. Seu casamento sempre foi um fracasso. Em algum momento você acharia alguém melhor, mais adequado... e, depois daquele dia, eu soube quem era. Mas sempre soube que Cristina seria a última a saber disso.
- Não – discordou Miguel – Eu fui.
Pela primeira vez desde o início do drama, todos olharam para ele.
– O que você está fazendo aqui? – perguntou Olga.
- Sou refém – respondeu Miguel de imediato.
- Agora. E porque quis. Poderia ter simplesmente dado à arma para Cristina.
- Ela não sabe atirar.
- E você se importa com isso?
- Claro que sim! E, quando eu vim, ainda achava que Isabella estava aqui.
- Isabella? – repetiu Olga com uma risadinha de desprezo – Cristina, você realmente não entende nada.
Ela ficou confusa.
- Entender mais o quê?
- Isabella está com Gregori. Não deve ter contado por que certamente você não ia reagir bem.
Houve aquele silêncio de ouvir bem a chuva do lado de fora enquanto Cristina assimilava a informação.
- Eles estão namorando! – esgoelou-se, e por fim vomitou no tapete.
- Como eu disse – observou Olga, divertindo-se ante o pânico dela – Eles se amam desde o berçário, Cristina. Conforme-se.
– Quer dizer – começou Miguel - que esse tempo todo ele não tinha uma amiguinha, mas sim um projeto de namorada?
- Pergunte para ele - disse ela, indiferente – Mas você não me respondeu. Por que simplesmente não deu à arma para Cristina? Por que se importou tanto?
Miguel não teve o que responder.
Cristina sentia o coração começar a bater mais depressa. Ela podia não acreditar em destino, mas estava quase vendo o dedo divino em ação ao olhar as outras quatro pessoas presentes ali. Quase como se tudo tivesse acontecido para terminar daquela forma.
Quase como se fosse mesmo a hora.
Foi quando Cristina decidiu. Respirou fundo e olhou para Olga.
- Se quer mesmo saber – murmurou ela, e deu alguns passos até chocar-se com Miguel e, na frente de dois olhares chocados e um nem tanto assim, beijá-lo.