Capítulo 70
889palavras
2023-04-21 05:29
Aquele foi o primeiro e último beijo de Cristina em que o momento parecia, em seu silêncio, prolongar-se para sempre e mais além. Miguel, apesar de seu susto, a envolveu em seus braços e absolutamente não se fez de rogado ao retribuir e enfiar a língua na boca dela. Quando os dois se separaram (muitos segundos depois), Cristina foi tomada por uma sensação de insatisfação.
Seguiram-se alguns segundos de silêncio incrédulo.
- Mas o que é isso? – perguntou Maurício com a voz mais histérica que Cristina já o vira usar na vida.
Ela desviou o olhar de Miguel e o encarou.
- Maurício, sabe aquela dor na testa que você vive sentindo? Não é enxaqueca. São seus chifres crescendo há quase 16 anos.
Maurício olhou então para James, ainda sangrando no chão. A mancha, a essa altura, já estava perto do sofá. Olga, perto da porta, ainda estava chocada demais para se exprimir. Quando a encarou, Cristina soube que ela nem desconfiara antes.
- Eu perguntei a você se Cristina tinha outro amante – disse Maurício em voz rancorosa para James.
- E eu disse que achava que sim – retrucou ele.
- Mas não disse que era o meu irmão! – exclamou Maurício, praticamente espumando de raiva.
- Como eu ia ter certeza? – devolveu ele, e foi quando Cristina percebeu que ele estava realmente pálido - Ou você acha que Cristina ia admitir alegremente para alguém, qualquer pessoa, que tinha um caso com seu cunhado?
Maurício foi obrigado a admitir a validade do raciocínio. Virou-se novamente para Cristina.
- Miguel é o pai de Isabella e Alice?
Antes que ela pudesse responder, Miguel assumiu por ela.
- Não sou o pai de Isabella. Tenho certeza. Não tínhamos ficado naquela época.
- E Alice?
- Hum... acho que você ganhou essa. Mas foi por pouco.
Maurício olhou para Cristina com cara de quem iria sufocá-la.
- Sua... Queria salvar o casamento e transava com o meu irmão?
Cristina deu de ombros.
- Foi um acidente.
Maurício estalou os dedos.
- Sei que tipo de acidente foi – murmurou, olhando para Miguel com fúria assassina.
- Cristina – chamou Olga, finalmente recuperada do choque.
Ela olhou.
- Lembra quando eu disse que só uma arma tinha sido salva de Teresa?
- Sim, mas...
Olga enfiou a mão na bolsa e tirou uma arma. Cristina arregalou os olhos. Era a mesma que, quase 16 anos antes, ela usara para tentar acabar com aquela japa maldita.
- Eu menti.
E atirou.
O primeiro tiro acertou em cheio um quadro logo à direita de Cristina, que sentiu seus cabelos voarem pelo ar deslocado pelo disparo. Ela ergueu a arma e atirou de volta, mas errou, acertando no lugar de Olga a caixinha onde ficavam as cinzas do falecido Edward Colbert. Olga disparou outro tiro, errando feio e estraçalhando a janela, e Cristina aproveitou sua óbvia confusão para avançar sobre ela e acertar-lhe um tabefe na cara. As duas se embolaram no chão entre tapas e socos, e as duas armas deslizaram pelo chão de madeira envernizada até debaixo do sofá. Enquanto isso acontecia, do outro lado da sala, Miguel e Maurício se esbofeteavam.
O que deu à Cristina uma pequena ideia.
- Ele está brigando por mim! – berrou ela para o que imaginava ser um James atônito por ver seu apartamento virando um ringue de luta livre – Maurício ainda me ama, seu babaca traidor!
Então, quando conseguiu se pôr em cima de Olga, depois de bater até deixá-la tonta, ergueu a cabeça para lançar a ele o seu olhar triunfante. E talvez alguns xingamentos vitoriosos. James teria o que merecia, já que usara o mesmo discurso para dispensá-la tantos anos antes.
O problema que aquele plano imaginava um James consciente.
- James? – chamou ela, nervosa, ao ver a cabeça dele caída sobre o sofá e seu peito imóvel – James!
- O que foi? – fez Maurício do outro lado da sala, distraindo-se da briga com o irmão por um instante, e caiu inconsciente no chão no momento seguinte. Miguel aproveitara a oportunidade para estourar um vaso na cabeça dele.
- Ganhei! – quase urrou ele, triunfante, mas Cristina não notou. Estava se levantando, abandonando Olga, e indo até James, não acreditando que realmente conseguira cumprir o seu objetivo ali. Não querendo acreditar. Após a onda de choque, fúria e horror passar, não queria realmente que James morresse.
Ele ainda respirava. Muito leve, mas ainda respirava. Cristina colocou o ouvido onde o coração dele devia estar batendo, e o pânico começou, porque não ouviu nada.
Precisava de alguma ajuda profissional. Sorte que tinha uma enfermeira na sala. Meio tonta, mas ainda uma enfermeira.
- Olga! – gritou a plenos pulmões – Ele vai morrer!
Fiel ao juramento de sua profissão, Olga se levantou e foi até ela. Ajoelhou-se ao lado de James e tomou seu pulso.
- Está muito fraco – declarou ela.
Miguel parou com a sua dança de vitória e foi até elas.
- Ele morreu? – perguntou esperançoso.
Enquanto Cristina entrava em pânico, Olga se concentrava em tentar checar os sinais vitais de James.
- Ainda não – respondeu sua provável ex-esposa – Mas, se você não quiser que a sua piranha passe os próximos 30 anos na cadeia, aconselho você a chamar uma ambulância.