Capítulo 68
1464palavras
2023-04-17 03:42
Poucos minutos depois, Cristina estava quase arrebentando a campainha do apartamento de Miguel. Ele abriu a porta após alguns segundos.
- O que aconteceu? – perguntou ele, espantado, ao ver o rosto pálido e nervoso dela.
- Preciso de você.
Ele riu, tenso.
- Agora, Cristina? – perguntou, obviamente com maus pensamentos – Olga está aqui.
Ela fez um gesto impaciente de descarte.
- Não isso. Eu quero a sua Beretta.
Miguel ficou absolutamente branco.
- Minha arma? Cristina, o que você vai fazer?
- Tiro ao alvo humano.
Ele arregalou os olhos e saiu, fechando a porta.
- Cristina, me explica isso.
Ela respirou fundo, enojada.
- Isabella e James estão apaixonados – disse aos trancos e barrancos - Não posso permitir isso, Miguel. Por Deus, não posso e não vou.
Miguel ficou um tempo processando a informação.
- Você quer dizer que esse babaca está transando com a minha sobrinha adolescente? Ele deve ter, o quê, uns...
- 40 anos a mais.
Ele a encarou absolutamente chocado.
- E você vai matá-lo?
- Vou – confirmou Cristina, agora tão enraivecida quanto estivera chocada antes.
- Eu vou com você.
- Não precisa. Só me dê a arma.
Miguel sacudiu a cabeça.
- Não. Você sequer sabe atirar direito. Além do mais, eu mesmo quero matar esse desgraçado.
Dizendo isso, ele voltou a entrar no apartamento. Cristina o seguiu e esperou enquanto ele ia lá dentro pegar a arma.
Miguel voltou em menos de um minuto. Olga vinha logo atrás.
- Quem vão matar? – perguntou ela, divertida, sem fazer nenhuma oposição ao fato.
- Um porco – respondeu Cristina, engatilhando uma arma imaginária – Um porco muito, muito nojento.
-
Eles já estavam quase chegando quando Miguel pareceu realmente compreender que em breve seria cúmplice de um assassinato real.
- Hum, Cristina – começou ele – Não era mais fácil só processar o cara?
Cristina girou lentamente a cabeça para encará-lo.
- Processar – repetiu como se nunca tivesse ouvido tal palavra.
O carro parara no sinal vermelho. À frente deles, a chuva que caía embaçava a visão da rua.
- Dependendo da idade dela quando começou, ele vai ter sérios problemas.
Cristina engoliu em seco.
- Você está falando de pedofilia ou algo assim?
- Não. Sem querer abaixar a gravidade do seu problema, mas pedofilia é um crime mais grave, quando a idade é tão baixa que o estupro é presumido. No caso dele, seria mais corrupção de menores.
O sinal ficou verde e eles prosseguiram seu caminho.
- Bem - ponderou Cristina –, vou matá-lo de qualquer maneira.
- Só a perspectiva já me assusta, pra ser sincero.
- Você não acha que eu devia acertar as contas depois do que ele fez? – questionou Cristina, irritada – Ele não tinha o direito!
- Eu sei, mas você não precisava carregar uma arma.
Cristina amarrou a cara.
- Não estou carregando a maldita arma. Você não deixou.
- Claro que não. E se você acabasse atir...
- Olha, é ali – interrompeu Cristina.
Miguel engoliu em seco e, achando uma vaga, estacionou. Cristina saltou do carro e, quando ele também saiu, se preparou para agir. Ela queria aquela arma e iria consegui-la, quisesse Miguel ou não.
- Miguel – chamou ela, se aproximando, enquanto avaliava a escuridão conveniente da rua – Queria falar uma coisa.
Ele a olhou intrigado enquanto Cristina ficava a meio metro dele.
- Antes de subirmos – começou ela, o abraçando – queria que você soubesse que, independente de qualquer coisa que aconteça...
Foi quando ela pegou a Beretta do bolso do casaco dele e recuou alguns passos. Miguel engasgou com a própria saliva, tamanho o susto.
-..., você vai fazer o que eu quiser.
- Cristina! – exclamou ele, horrorizado, tossindo – O que você está fazendo?
- Você não me deu a arma de boa vontade. Desculpa, Miguel, mas foi preciso.
Ele a encarou num misto de incredulidade e mágoa.
- Agora, vamos indo. Você na frente.
- E se eu não quiser, você vai atirar em mim? – desafiou ele.
Cristina ergueu a arma.
- Tudo bem, estou indo.
-
Já estavam quase chegando quando Cristina teve a ideia que se provaria infelicíssima.
- Espera, Miguel.
Ele se virou.
- O que foi? – perguntou de maneira muito informal para quem estava sendo mantido refém.
- Vou subir naquela árvore.
Miguel a olhou como se ela fosse retardada.
- E você faria isso por...
- Dali dá para ver o apartamento dele. Podemos tentar um flagra, e ele não poderá negar nada.
- Ah – fez ele, e claramente achava que ela perdera qualquer raciocínio. Cristina, porém, não ligou. Parecia a melhor coisa a fazer. Então, enfiou a arma no bolso do casaco, rumou para a árvore e começou a escalar.
Cinco segundos depois, ela caiu pela primeira vez, desabando sentada no asfalto. Escalar uma árvore não era tão fácil quanto parecia.
- Cristina, você está bem? – perguntou Miguel, que se aproximara.
- Estou – respondeu ela, emburrada, e tentou de novo. Dessa vez, ela estava quase no alto quando pisou num falso apoio e escorregou dolorosamente pela árvore antes de desabar no chão.
- Cristina, você es...
- Estou! – exclamou ela, irritada, se levantando e limpando os gravetos de sua blusa antes de tentar subir de novo. Dessa vez, teve êxito. Depois de se instalar e se ajeitar entre os galhos, observou a janela da sala do apartamento de James, que ficava bem à frente.
Estava tudo escuro e vazio.
- E aí? – perguntou Miguel lá de baixo – Viu alguma coisa?
- Uma sala escura – respondeu ela no preciso momento em que a porta do apartamento se abria. Ela apertou os olhos para ver melhor, já que a figura que entrara não acionara as luzes, e rapidamente chegou a uma conclusão: ou James crescera do dia para a noite ou Isabella estava com sapatos de salto alto. No segundo caso (que era bem mais provável), queria dizer que ele dera uma chave para sua filha. Estranho, porque isso parecia bem pouco típico dele.
A figura dentro do apartamento segurava uma caixa, que, após certa hesitação, depôs no chão, e tentou começou a fazer algo nela, aparentemente sem sucesso. Então, a porta se abriu pela segunda vez e, com as luzes do corredor agora acesas, Cristina viu claramente James com um bocado de coisas na mão.
O que significava que a primeira pessoa era Isabella. Mas, puxando pela memória, a primeira pessoa não tinha peitos. Estranho. Isabella herdara muitas coisas dela, e isso era uma delas.
Foi então que James ligou a luz. E Cristina, equilibrando-se na árvore, finalmente viu. Ajoelhado no chão, lutando para abrir uma caixinha de transporte felino e falhando miseravelmente, estava Maurício.
Com o cérebro chocado, Cristina viu quando ele conseguiu finalmente abrir a caixinha. De dentro saiu uma gatinha filhote, de quatro meses talvez, que era quase uma reprodução perfeita da falecida Anne, aquela vira-lata vagabunda.
Então, aconteceu o evento mais chocante de todos. Com o gata cheirando o tapete em torno deles, James jogou as coisas que carregava no sofá, foi até Maurício, o ajudou a se levantar e...
- Cristina? – chamou Miguel de muito, muito longe – Cristina, você está bem? Você está se dese... Cristina, você vai cair!
Ela só não quebrou a cabeça na queda porque Miguel conseguiu apará-la. Mesmo assim, ambos desabaram no chão.
- Acho que você quebrou uma costela minha – comentou Miguel em um murmúrio dolorido.
Cristina rolou de cima dele. Uma gota de chuva caiu em sua testa enquanto ela encarava o céu negro entre os galhos da árvore da qual caíra.
- Eles se beijaram – sussurrou ela, ainda horrorizada.
- O quê?
Cristina se sentou e o encarou. O alívio indecente que pulsava com força dentro de seu peito desde que descobrira que Isabella nada tinha a ver com isso estava dando lugar aos galopes a um novo tipo de cólera à medida em que ela, pouco a pouco, percebia as implicações da situação.
- Maurício. Não Isabella. Sempre foi Maurício.
Miguel esqueceu sua dor e também se sentou.
- Como?
- É Maurício – repetiu Cristina, perturbada – Maurício.
- Você quer dizer que eles são amantes? - fez uma pausa e, então, com um tom enjoado - Acho que vou vomitar.
Cristina o ignorou. Apenas se levantou, tomada por uma repentina dor de cabeça e um desejo homicida que enevoava sua mente.
Conheci alguém. Não quero continuar enganando você.
Eu não acabei de conhecer. E não faria isso se soubesse que é algo à toa.
- Vou matar aqueles escrotos agora – decidiu de súbito e fazendo Miguel erguer o olhar, temeroso - Espero ter balas o suficiente.