Capítulo 67
889palavras
2023-04-14 05:01
Na semana seguinte, Cristina ficou tão preocupada com Isabella que até se esqueceu de seus problemas com Maurício. Nesse contexto, ela sequer se alarmou quando o marido se sentou à mesa com ela num dia nublado de agosto com aquela expressão séria tão temida. Estava em outro mundo.
- Cristina, precisamos conversar.
Ela assentiu, distraída, ainda pensando em Isabella.
- Quero o divórcio.
Cristina acordou e olhou para ele.
- O quê? – perguntou, desnorteada - Por quê?
Ele desviou o olhar, subitamente envergonhado.
- Conheci alguém – disse em voz baixa – Não quero continuar enganando você.
Cristina ficou abismada. Era o dia do apocalipse.
- Você... você me traiu.
- Você fala como se nunca tivesse feito – acusou ele friamente.
- Pode até ser – respondeu ela cuidadosamente – Mas eu não esperava algo assim de você.
Maurício deu de ombros.
- Eu não planejei. Apenas aconteceu.
Cristina se endireitou na cadeira.
- Maurício, somos casados há quase vinte anos. Vai jogar isso fora por alguém que acabou de conhecer?
Ele sacudiu a cabeça.
- Eu não acabei de conhecer. E não faria isso se soubesse que é algo à toa.
Foi quando ela decidiu usar sua última arma.
- E as meninas? – perguntou sentimentalmente – Elas não vão entender.
- Claro que vão. Isabella me apoia.
- Então você já contou a ela?
- Sim.
Cristina foi tomada pelo ressentimento. Isabella apoiava a destruição de seu casamento. Traidora. Ela sempre soubera que a primogênita era mais próxima de Maurício, mas aquilo já era demais. Teriam uma conversa séria depois.
Maurício estendeu a mão para ela por cima da mesa. Foi quando ela percebeu que não se importava. Não estava sentindo nada, só a perspectiva do fim de seu conforto financeiro. Aquele casamento realmente já dera o que tinha que dar. Ela devia ter percebido quando não conseguiu lembrar a última vez que haviam feito sexo. Se ele ainda seu amigo, era muito.
- Então, tudo bem para você?
Cristina suspirou.
- Arrastar o processo para quê?
Maurício ficou visivelmente aliviado.
- Bom. Não vou sair de casa ainda. Quero conversar direito com Alice.
- Se quiser eu faço isso – ofereceu Cristina, formal.
- Pode fazer, mas eu também quero falar com ela. Bem, preciso ir trabalhar. Depois conversamos melhor.
Ela assentiu e relaxou na cadeira. Estava mesmo feito. Agora era esperar.
-
Maurício não mudou de ideia nos dias seguintes, então Cristina teve que comunicar a situação para sua caçula. Alice, quando entendeu, chorou, mas melhorou rápido. Afinal, como disse, era a última de sua turma que tinha os pais casados. Se sentia um pouco excluída por isso.
Já com Isabella foi um pouco diferente.
- Sabia que isso ia acontecer – declarou.
- Claro que sabia – disse Cristina, azeda – Você deu força a ele!
Isabella fechou a porta do armário. Era sábado novamente, e ela iria sair “sozinha”. Alice estava na casa da avó, ajudando esta com a arrumação de malas para mais uma viagem. Maurício saíra sem dar explicações.
- Não dei. Ele já estava decidido. Só deixei claro que amar outra pessoa não o faria um monstro.
Cristina sentou-se e a encarou.
- Amar? Já está tão sério assim?
Isabella assentiu.
- Nunca vi meu pai assim.
Essa era a forma bonitinha de dizer Meu pai nunca te amou, otária.
- Estou indo – anunciou ela.
Cristina se levantou da cama e se pôs de pé diante dela, decidida. Precisava encerrar aquilo antes que fosse longe demais.
- Não.
Isabella a olhou, espantada. Desde que se entendia por gente, sua mãe nunca a proibira de ir a lugar nenhum.
- Como? – perguntou, educada.
- Não. Eu sei o que você vai fazer, e não aprovo de jeito nenhum. Você não pode.
Isabella não disse nada por um longo tempo. Apenas a encarou com rancor evidente em seus olhos escuros.
- De tantas pessoas, achei que você iria entender.
Cristina ficou estupefata.
- Entender? – repetiu com espanto – Como eu vou entender uma coisa dessas! É um absurdo!
Isabella a olhou com incompreensão e deu as costas para ela, batendo os pés com força no chão enquanto ia para a sala. Cristina a seguiu.
- Como você pôde achar que eu ia entender?
Isabella parou de andar e se virou para ela.
- Porque eu achei que você sabia como era quando se ama alguém.
Cristina congelou. O tempo parou e o seu coração estourou.
- Mas o quê? – conseguiu balbuciar, chocada.
Isabella já estava à beira das lágrimas.
- Eu o amo – declarou – E ele me ama. Você não pode fazer nada.
Isabella pegou a bolsa em cima e saiu com estrépito, deixando Cristina sozinha e chocada até o âmago. Eu o amo e ele me ama. Era verdade mesmo. Deus, quando aquilo acontecera, e tão súbito, bem sob seus olhos?
Subitamente, ela soube. Fora tudo um jogo de cena para tentar despistá-la.
Mas agora ela sabia. E não podia deixar passar. Ainda tinha forças para impedir.
Com aquele pensamento, o choque começou a se amenizar. Do lado de fora, uma chuva pesada começara a cair, como se refletisse os próprios pensamentos atordoados dela.
Foi quando, subitamente, ela soube o que teria que fazer.
Afinal, muitas vezes a justiça era feita com sangue.