Capítulo 66
1216palavras
2023-04-12 05:45
Quando descobriu que Isabella estava namorando, Cristina ficou feliz. Não só porque a filha enfim desencalhava. Nem apenas porque isso a fazia ficar consideravelmente mais distante de Gregori. Não. Cristina ficou feliz principalmente porque isso agora tornava sua primogênita mais inacessível a qualquer coisa que James poderia estar pensando em tentar com ela.
Mas a felicidade completa durou só até Cristina ler o nome completo do garoto.
Era César Nascimento Scherer.
Nascimento.
Depois do choque, ela balançou a cabeça em autocensura. Aquele era um sobrenome comum no país, talvez não tanto quanto Silva e Souza, mas, mesmo assim, razoavelmente encontrado. Muitas pessoas com ele poderiam ter matriculado seus filhos naquela escola. Milhares, aliás. Não havia nenhum motivo para...
Uma semana depois, ela encontrou Bárbara.
- Olá – cumprimentou a vaca – Faz o que aqui?
Cristina a olhou de cima a baixo com ressentimento. Além de estar com roupas elegantes, cabelo liso e brilhante e um penduricalho na pulseira que parecia muito com um rubi, Bárbara falava com naturalidade, como se ela fosse apenas uma colega reencontrada após longo tempo, e não uma adversária que, da última vez, a escorraçara. De lingerie.
- Trabalho aqui – respondeu ela.
- Trabalha? – repetiu Bárbara com certo nojo – Nossa, Cristina, que queda.
Cristina apertou seus livros com mais força.
- Melhor do que ficar de pernas pro ar o dia todo – respondeu.
- Discordo – falou Bárbara delicadamente – Mulheres de nossa posição têm outros fazeres na sociedade.
- Ah, você diz manicure, pedicure e escova permanente? Vejo que você é cliente fiel de todas.
Bárbara sorriu e não respondeu.
- Mas o que você está fazendo aqui? – questionou Cristina.
- Estive com o coordenador pedagógico. Meu filho Augusto está tendo alguns... problemas. E vi conhecer a namorada do meu primogênito, César.
Cristina teve um arrepio e rezou para que Isabella sumisse naquele momento.
- Eles estão lá – disse Bárbara, e acenou.
Cristina suspirou enquanto o casal se aproximava, e viu o sorriso de Isabella ir se desmanchando por puro espanto.
- Mãe?
Bárbara se virou para Cristina, surpresa.
- É sua filha? A pequena Isabella?
Cristina assentiu, conformada.
- Vocês se conhecem? – perguntou a garota, espantada.
Bárbara se virou novamente para Isabella.
- Ah, sim. Mas a última vez que te vi você ainda era um bebê.
- Nossa – fez César, e foi a única coisa que falou.
- Que coincidência – concordou Isabella – Então, vocês duas são amigas?
Cristina e Bárbara se entreolharam por um segundo.
- Colegas – esclareceu Cristina, formal - Mas já faz muito tempo.
- Mas o destino é uma coisa, não? – comentou Bárbara, dando uma olhada maldosa para Cristina pelo canto do olho – Agora nos reencontramos. E seremos comadres!
Foi quando Cristina quis que Deus parasse com aquilo. Comadre de Bárbara.
Já estava ficando sem graça.
-
Felizmente, o namoro de sua primogênita com o filho de Bárbara provou-se ser só mais uma sacanagem de Deus. Menos de dois meses depois daquele encontro terrível, eles haviam terminado, e Cristina ficou livre do risco de ter sua genética misturada com a da víbora. E Isabella não se reaproximou de Gregori, o que a deixou mais feliz ainda. Queria mais que a amizade de ambos continuasse estremecida. Antes isso do que criar uma aberração Medeiros-Rachmaninoff. Cristina tremia só de pensar.
E a vida seguiu. Cristina e Maurício continuavam afastados, e ela a cada dia entendia menos a situação. Aquele desgaste não devia estar ocorrendo. Eles não brigavam ou tinham diferenças de opinião fundamentais. Ele apenas não ficava com ela. Parecia que a amizade que os unira por tanto tempo perdera o encanto.
Quase como se ele tivesse achado algo melhor.
Assim que teve esse pensamento, Cristina o descartou. Absurdo. Ele não fazia o tipo que arranjaria amantes. Provavelmente era só uma fase de maior dedicação ao trabalho.
Já tinha ficado satisfeita com sua conclusão quando outra ideia, essa mais perturbadora e coerente, se instalou na sua mente como um vírus: e se não fosse simplesmente uma amante? E se ele tivesse se apaixonado de fato por outra pessoa?
Este pensamento ela não conseguiu rejeitar imediatamente, porque fazia sentido. Ela já aceitara com relutância, vários anos antes, que Maurício não a amava: era seu amigo, gostava de sua companhia, mas tudo – namoro, noivado, casamento, descendência - apenas acontecera porque fora conveniente; porque ela calhara de estar lá na hora certa. Maurício não era um homem de paixões físicas. Tanto que perdera todas as suas namoradas em sequência para Miguel, seu irmão muito mais afoito à coisa. Aos 40 anos, poderia aquilo mudar?
Ela resolveu pensar que não. Mesmo assim, fez uma pequena investigação. Quando ele se distraía trabalhando em seus projetos, vistoriou sua carteira. Nada. Olhou seu celular. Nenhuma mensagem ou ligação comprometedora. Então, encerrou o assunto e foi fazer o jantar, ainda com uma sensação ruim. Afinal, se livrar de ligações e mensagens comprometedoras era facílimo.
Duas semanas depois, chegou o bilhete. Cristina viu quando ele foi enfiado debaixo de sua porta. Apanhou o pedaço de papel e tentou ver quem o tinha posto, mas a pessoa já batera o portão das escadas.
Você sabe onde seu marido está?, alguém escrevera numa letra diminuta que Cristina não reconheceu. Ela leu e releu as cinco palavras com apreensão. Porque ela não sabia. Maurício apenas dera uma desculpa vaga quando saíra três horas antes, naquele sábado chuvoso de julho. No quarto, Isabella se arrumava para sair. Alice estava com ela.
Só para se acalmar, Cristina resolveu que ia arrumar os armários do quarto da primogênita. Já fizera tudo o que pudera para tentar achar alguma pista sobre Maurício, e, de qualquer forma, sequer sabia se algo estava acontecendo.
Estava na terceira porta, a menos usada, quando a espada caiu na sua cabeça. Ela cambaleou e caiu de bunda no chão, atordoada.
- Mãe! – exclamou Alice, e correu para ela.
Enquanto ela se levantava, Isabella recolhia a espada.
- Isso tem cara de ser do meu pai mesmo.
Cristina se equilibrou e olhou para ela, subitamente alerta.
- Sim – respondeu lentamente – Como você sabia?
Ela deu de ombros, descontraída. Talvez descontraída demais.
- Deduzi.
Cristina se aproximou e pegou a espada. Sem dúvida, era a espada de Maurício. Cristina a vira pela última vez há mais de 15 anos, mas nunca se esquecera. Era linda. Devia valer uma boa grana.
E devia estar com James. Por que não estava?
Isabella fechou seu armário e calçou seus sapatos.
- Estou indo – anunciou.
- Vai aonde?
- Cinema.
- Com quem?
Isabella a encarou.
- Sozinha – respondeu um tanto defensivamente.
- No meu tempo, ninguém ia ao cinema sozinha – comentou Cristina, a desconfiança crescendo nela aos galopes – Escuta, Isabella, você não sabia dessa espada?
- Não.
- Mas ela estava no seu armário.
- Não sabia, mãe! – exclamou Isabella, nervosa, e deu as costas. Ao longe, Cristina ouviu a porta bater.
- Vamos lanchar? – propôs Alice após alguns segundos, mas ela não a ouviu.
James poderia ter devolvido a espada para Isabella? Porque Cristina não imaginava ele devolver de bom grado para Maurício, mas para uma jovem mocinha linda que se procurava agradar...
Subitamente, ela teve vontade de vomitar.