Capítulo 64
1326palavras
2023-04-07 04:15
Cristina não esperava que aquele período horroroso de sua vida que não tivera nenhum amante – Maurício não contava, evidentemente – fosse se repetir, mas aconteceu. Agora, porém, era diferente. Ela não era mais uma hormonal jovem adulta, mas sim uma mulher beirando aos 40 (por mais que pensar naquilo fosse horripilante). Então, ela não estava subindo pelas paredes, por mais que seu acúmulo de energia sexual fosse subindo de nível a cada dia.
Até que, em agosto, ela chegou a níveis insustentáveis, e Cristina foi obrigada a tomar alguma providência. Decidiu, então, ir falar com Miguel. Até para resolver a situação na qual estavam emperrados há meses. A oportunidade surgiu numa manhã na qual ela estava sem carona para ir trabalhar. Pediu para Miguel e ele concordou. Já estava indo trabalhar de qualquer forma, disse.
Enquanto ele dirigia, ela puxou o assunto.
- Tudo bem para mim – decidiu ele depois de refletir um pouco.
Como ser amante dela fosse difícil, pensou Cristina, convencida. Apesar dos pesares, Yuri tinha razão: ela era uma coroa muito gostosa.
- Mas só até o divórcio – acrescentou ele bem no instante que passava pelo sinal amarelo.
Cristina ergueu as sobrancelhas.
- O quê?
- É questão de tempo. Não aguento mais Olga, e acho que ela só está nessa ainda por Dimitri. E, depois que eu for um homem livre, só vou ficar com uma mulher também livre.
- Ah, então é assim?
Eles pararam em outro sinal. Miguel olhou para ela, sorrindo.
- É. Pode ir pensando em como vai contar para Maurício.
- Miguel, eu já te disse que...
- Ama meu irmão – interrompeu ele, enfado – Eu discordo. Gostar da companhia nunca significou amar ninguém.
Cristina resolveu sair pela tangente.
- Você sempre me falou que amava Olga – desviou - Então porque agora quer se divorciar? Só para ficar com uma mulher pela qual você morre de tesão?
- As coisas mudaram muito desde a época que eu disse isso – justificou-se ele.
- Mudaram?
- É. Percebi que eu estive com Olga todo esse tempo porque era fácil. Ela controla tudo, toma conta de tudo. Eu estava acostumado.
- Se é fácil, por que você não continua com ela? – argumentou Cristina – Nenhum divórcio, portanto.
O sinal abriu. Miguel ficou um tempo em silêncio enquanto enfrentava o trânsito.
- Eu disse acostumado – continuou finalmente - Não feliz.
Ele parou nesse ponto, hesitante. Então, subitamente, Cristina soube o que ele diria a seguir.
E decidiu que não queria ouvir.
- Cristina, eu...
- Não fala.
Miguel a encarou, confuso.
- Por quê?
Ela balançou a cabeça.
- Não quero saber.
Ele ficou evidentemente magoado.
Por sorte, a escola apareceu nesse momento. Cristina, agoniada e afoita por algo que ela não entendia, ficou feliz em saltar e ir aguentar aqueles adolescentes malditos.
-
O ano que se passou depois daquilo foi horrivelmente chato. Sem novidades. Sem nada. 2030 acabou sendo um grande marasmo. Em 2031, tudo continuou na mesma, numa imobilidade aborrecida. Nada acontecia – nem para melhor, nem para pior. Cristina sentia que todos os dias eram iguais. O que sempre mais temera por fim se sucedera.
Ela caíra na rotina. E, dessa vez, era pior do que alguns anos antes. Soube disso no dia que seu encontro com Miguel, que sempre despertava sentimentos e emoções intensas, foi simplesmente... convencional. Ter um amante virara costume.
Naquela noite, ela chorou por sua vida miserável. E assim terminou o ano.
2032, só para compensar a pasmaceira que fora a maior parte da última década, foi como uma montanha-russa.
Começou com um suspiro.
Cristina quase nunca ficava perturbando Isabella quando ela trazia amigos de visita. Gostava de deixá-los em paz. Agora, quando ela só estava com Gregori era totalmente diferente. Com ele, Cristina era empaca mesmo. Não acreditava na amizade de homem e mulher sem certo grau de tensão sexual, e não queria o garoto como seu genro de jeito maneira nenhuma. Primeiro, porque não gostava dele, e muito menos de sua mãe. Segundo, porque não queria um genro. Se sentiria velha.
Às vezes, achava que estava se preocupando demais. Isabella e Gregori eram primos próximos, apenas isso. E, mesmo se sentissem atraídos um pelo outro, Isabella ainda era muito afeiçoada à Teresa, e sabia muito bem a opinião dela sobre relacionamentos entre familiares.
Mesmo assim, por precaução, ela sempre decidia ver um filme justo na hora que eles decidiam estudar na sala. E então, no momento que Gregori estava reclamando na inutilidade que era estudar a maior parte das ciências humanas, inclusive (e principalmente) História, ela ouviu o suspiro de Isabella. E não era um suspiro enfado.
- O que foi? – perguntou Gregori, ao mesmo tempo em que Cristina olhava para eles.
Isabella baixou os olhos sonhadores de um ponto no infinito para seu primo.
- Só estava pensando que você só tem essa opinião de História porque é homem, Gregori – respondeu ela.
Ele estremeceu.
- Greg, por favor. Você sabe que eu odeio esse nome.
- Digo – prosseguiu ela, sem dar o menor sinal de tê-lo ouvido – se você fosse mulher e tivesse aulas com o meu professor... acho que acharia a Revolução Francesa muito mais interessante.
Cristina teve um arrepio que definitivamente não era de frio. Sabia muito bem quem era o professor de sua primogênita. Resolveu redobrar a atenção na conversa.
- O ruivo de óculos? – perguntou Gregori, incrédulo, e talvez um pouco aborrecido – Você acha esse cara bonito, sério? Achei que tinha bom gosto, Bella.
- Eu tenho. E todas as meninas da minha classe também. Na verdade, acho que ele é um dos homens mais bonitos que eu conheço. Você só está com inveja, Greg.
O lápis que estava na mão de Gregori quebrou subitamente. Cristina nem precisava estar encarando o garoto para ter certeza que os olhos escuros dele estavam chispando de raiva.
- Sério? – perguntou, sarcástico, livrando-se dos restos mortais do pobre lápis.
Isabella assentiu, ocupada ao pegar seu computador portátil de dentro da mochila.
- Não sei como nunca vi – prosseguiu ele, agora com uma irritação evidente - Já sei: deve ser porque ele não é muito bonito. Na verdade, é mais uma...
- Claro que nunca viu – interrompeu-o Isabella – Garotos não notam essas coisas. Heterossexuais, ao menos. E como você está namorando a Olívia, suponho que o seja.
- Pelo menos eu posso elogiar a Olívia com base em dotes existentes.
- E por acaso eu estou imaginando algo?
- Sinceramente? Acho que você precisa de um oculista.
Isabella balançou a cabeça com exasperação, puxou seu livro mais para perto e voltou a ler, ignorando Gregori. Depois de um tempo, este desistiu e foi embora. Ela não disse nem um tchau.
Depois de alguns calculados segundos, Cristina desligou a televisão.
- Não sabia que você gostava dele – sondou.
Isabella levantou os olhos do livro e hesitou. Cristina fez uma oração silenciosa. Oh, Deus, não, por favor, que ela diga que não, por favor não.
- Bem, ele é realmente bonito – respondeu ela com cuidado.
Foi quando o pânico bateu nela, bem lá no fundo, e Cristina começou a ter os pensamentos sobre destino e punição divina.
- Mas eu estou mais irritando o Greg – continuou Isabella, descontraída, voltando a atenção para o livro que apanhara – Não é tudo isso. Digo, ele é bonito e tal, mas é meu professor.
- E daí? – sugeriu Cristina, um pouco mais aliviada, mas ainda sondando terreno – Algumas garotas não ligam para isso.
Isabella ergueu os olhos e a encarou por uns segundos, nos quais Cristina podia ouvir as batidas aflitas de seu próprio coração, enquanto rezava para que sua filha repudiasse totalmente aquela ideia. Por fim, sua primogênita deu uma levantada displicente das sobrancelhas e deu de ombros.
- Bom para elas, acho – disse, descartando o assunto, talvez cuidadosamente neutra demais.