Capítulo 62
810palavras
2023-04-03 05:03
- Como você reagiu na hora?
- Na hora de quê?
- Quando Yuri te paquerou.
Cristina riu, encostada numa das paredes das escadas. Miguel, sentado num dos degraus a alguns metros de distância e envolto numa nuvem de fumaça, franziu a testa.
- Qual é a graça? – indagou.
- É que, pensando agora, ele foi tão atrevido.
- Você quis?
Cristina parou de rir.
- Como?
Miguel apagou o cigarro num dos degraus de pedra e atirou a nicotina inútil escada abaixo.
- Você quis ficar com ele?
Cristina engoliu em seco.
- Não sei.
Ele se levantou.
- Como assim “Não sei”?
- Ele é um belo rapaz. Me deixa confusa.
- Cristina, ele é meu filho! – exclamou ele, revoltado - Você o viu nascer. Não pode fazer algo assim.
- Quem é você para mandar em mim, hein? – questionou ela, aborrecida – Meu marido, por acaso?
- Quero ser.
- E para sua informação, nunca Maurí... O quê?
Ele se aproximou dela, mas ficou calado.
- Miguel, o que você disse?
- Quero ficar com você – disse ele depois de respirar fundo – E já tem um tempo, você sabe. Mas não assim, escondido.
- Mas, Miguel...
- Estou disposto a me separar para ficar com você.
Cristina piscou com força, sem crer – ou não querendo crer. Não que ela não tivesse previsto aquilo. Sabia que a relação deles, também, havia mudado naqueles anos. Mas o relacionamento não estava esfriando, como acontecia com James. Longe disso. Estava, ao contrário se aprofundando de uma forma perigosa... talvez perigosa demais para que Cristina quisesse pensar demais a respeito.
- O quê?
- Eu não quero mais esconder você.
- Então você se divorciaria de Olga para isso – recitou ela sem crer – Não consigo acreditar nisso.
- E por que não?
- Você é dependente patogênico dela. Não sei se você saberia viver separado.
- Claro que conseguiria – rebateu ele, mas não soou totalmente seguro.
- Sei não. Além disso, Miguel, eu não quero me separar do seu irmão.
- Por que, você o ama?
Cristina titubeou.
- Eu... claro que sim! Gosto da companhia dele.
Miguel deu um risinho debochado.
- Na boa, Cristina, amor é diferente. Vou subir agora. Tchau.
E ela ficou lá, sozinha e com frio, atordoada com tudo que andava acontecendo.
-
Numa noite chuvosa de outubro, Maurício chegou do trabalho e cumprimentou as crianças, como de costume. Deu um oi e um beijo na bochecha de Cristina, como de costume. Tomou banho antes de ir jantar, como de costume.
Durante a refeição, porém, não disse uma palavra. E isso não era nem um pouco costumeiro. Sempre perguntava sobre como tinha sido o dia dela, contava sobre o dele. Enfim, essas manobras sociais que impedem um casamento de 15 anos de simplesmente pifar.
Mas, naquele dia, ele não dissera nem uma palavra. Nada. Portanto, havia algo errado, e Cristina, logo após pegar o sorvete da geladeira, começou a interrogá-lo.
- Como foi o dia no trabalho? – começou sondando.
- Normal – respondeu ele. Enquanto isso, no sofá, Isabella e Alice devoravam suas taças como pequenos animalzinhos.
- Mesmo? Você está tão silencioso.
- É que não ocorreu nada de demais hoje.
Cristina continuou olhando para ele.
- Talvez algo diferente – cedeu ele.
- Diga.
- Fiquei preso com ele no elevador.
Cristina ficou horrorizada, mas se controlou.
- Por quanto tempo? – perguntou.
- Vinte minutos. Meia hora, talvez.
O queixo dela quase caiu.
- Como passaram o tempo?
- No início, tentei ignorá-lo. Agir como se estivesse sozinho ali. Depois um tempo, porém, eu...
Parou. Evidentemente a próxima parte era a mais difícil para ele.
- Você...? – incentivou ela.
Maurício levantou os olhos do seu sorvete.
- Conversei com ele – disse aos solavancos, parecendo incrédulo.
- Ah – fez Cristina – Só isso?
Ele agiu como se não a tivesse ouvindo por alguns segundos. Então:
- Ele é normal, sabe.
- Mas como você achava que ele fosse?
- Arrogante, intratável e metido a galã.
- Bem, eu acho que...
- Mas ele não é. Tão ruim, pelo menos. Deve até ser uma pessoa agradável.
Cristina olhou-o com espanto.
- Quem é você e o que fez com Maurício? – perguntou lentamente, assustada.
- O que foi?
- Você o está elogiando!
- Não estou. Só estou aceitando que ele não é uma caricatura de demônio. James ainda está na minha lista de dez pessoas que eu não levaria para uma ilha deserta sob nenhuma circunstância.
Cristina engoliu em seco. James. Maurício nunca dissera o nome dele antes daquela forma. Era apenas “ele”, “aquele tal” ou então nem um pronome, mas uma pessoa meramente implícita na frase.
- Se você diz – concordou ela, sentindo um grande mal-estar na boca do estômago.