Capítulo 61
1717palavras
2023-03-31 05:19
Em 2028, Isabella e Gregori foram para o Colégio das Irmãs. Pura influência de Teresa, que queria que Cristina os vigiasse. Numa manobra estratégica, esta fez com que os primos fossem separados, ficando em diferentes turmas. Dizia que temia que sua filha não fizesse amigos. Na verdade, queria que o garoto ficasse longe de sua primogênita.
Esse ano também foi aquele que ela deu aulas para seu sobrinho Yuri Alexei, agora um rapaz já quase saindo da adolescência. Embora não fosse propriamente bonito, ele superara sua semelhança gritante com Olga e revelara alguns traços bem marcantes de Miguel, resultando num garoto surpreendentemente gostoso.
Assim que começou a dar aulas ao garoto, Cristina se preparou para não beneficiá-lo só por ser seu afilhado gato. Conseguiu, mas não por esforço próprio. Yuri era absolutamente convincente em qualquer assunto quando a encarava com aqueles olhos negros profundos, ou então quando dobrava as mangas da camisa e destacava todos aqueles músculos, que, apesar de discretos, eram absurdamente deliciosos. Nessas horas, ela bem pensava em ser menos rigorosa na terceira questão da prova. Para sua sorte, porém, Yuri era, para se dizer o mínimo, preguiçoso nos seus estudos, assim como Miguel. Então ela só tinha que aguentar os olhares do ex-bebê-que-mijara-na-sua-blusa-de-grife e fingir que ele não vivia tarando os peitos dela.
Se isso fosse a pior coisa que ele tinha feito, Cristina teria tido um ano mais tranquilo.
- Oi, tia.
Cristina levantou os olhos de seu minicomputador. Era o sobrinho gostoso.
- Yuri. O que quer?
- Podemos conversar?
Cristina estranhou. As aulas já haviam acabado. Ela, em sua sala de aula terminando um relatório atrasado, estava sozinha no prédio. Assim pensando, estremeceu. Algo lhe dizia que Yuri Alexei não queria conselhos.
- Fale.
Yuri respirou fundo.
- Eu sei que você é amante do meu pai.
Cristina se levantou lentamente, sem acreditar.
- O que disse? – falou, atordoada.
- Eu sei que você é amante do meu pai, tia. Vi vocês se beijando. Não negue.
- E como você saberia disso? – desafiou Cristina.
- Foi muitos anos atrás. Na época que vocês me levavam para a casa do meu avô para distraí-lo.
Cristina estremeceu de horror.
- Um dia você me mandou para a cozinha para falar sozinha com meu pai. Quando fiquei meio cansado dos passarinhos, eu...
- Não precisa dizer.
Yuri sorriu, vitorioso.
- Sabia que não estava enganado.
- Se sempre soube disso, por que só agora?
- Porque só agora eu percebi que minha tia é uma coroa muito gostosa.
Cristina não registrou as implicações da frase. Só percebeu uma palavra.
- Coroa? – repetiu, indignada, saindo de trás da mesa para confrontar Yuri – Tenho só 36 anos!
- O dobro da minha idade – observou ele, se aproximando – Mas isso não me importa, para ser sincero. Já ouviu aquele ditado da panela velha?
- Ora, seu...
Foi quando ela parou. Subitamente, compreendera tudo.
- Você está me chantageando, seu projeto de gente? – perguntou ela em voz baixa e letal.
Yuri não recuou.
- Chantagear é uma palavra muito pesada. Só estou dando um incentivo. Sei como você olha para mim.
- É que, bem, sabe – atrapalhou-se Cristina – Você é um garoto bem-formado.
- Eu sei – concordou ele sem o menor traço de modéstia – Tanto quanto meu pai na mesma idade.
Cristina não teve o que responder. Porque era verdade. Inclusive, um dos motivos pelo qual ela às vezes simplesmente não conseguira tirar os olhos do garoto. Yuri era a essência de Miguel quando jovem, assim como Isabella era a cópia fiel dela mesma com 11 anos de idade. A semelhança era perturbadora, principalmente se considerado que o pai de Yuri era amante de Cristina.
- O que você quer, garoto?
- Ah, tia, você sabe. Não me obrigue a dizer em voz alta.
Cristina sacudiu a cabeça.
- Não vou fazer isso. Você é meu sobrinho, meu afilhado. Além do que eu odeio sua mãe.
Yuri riu.
- Não somos parentes de sangue. E eu acho que você já fez pior quando começou a transar com seu cunhado. Com o sobrinho é um passo natural.
Cristina ficou calada. Ainda não acreditava na ousadia daquele moleque.
Yuri se aproximou o suficiente para ela sentir sua respiração. Agora, poderia beijá-la facilmente.
- Vamos, Cristina. Eu sei que você quer. Prometo que meu pai não vai saber.
Então, justamente quando ela achou que fosse ceder, sua salvação chegou.
- Cristina, você não...
James interrompeu-se quando a viu juntinha a Yuri. Este se separou dela como se Cristina estivesse pegando fogo.
- Algum problema? – perguntou James, cruzando os braços.
- Nada – apressou-se a dizer Yuri, recolhendo sua mochila de sobre uma carteira – Estou indo já. Tchau, tia – e, quando passou pela porta – Boa tarde, professor James.
- Boa tarde – respondeu ele em voz baixa.
Então, olhou para Cristina.
- Agora você também ataca seus alunos?
A cara dela quase explodiu de rubor.
- Não foi bem assim! Ele veio atrás de mim.
- Sei – fez James, duvidoso.
- É verdade! Porque eu atacaria meu sobrinho?
- Ele é um garoto bonito.
Cristina parou tudo e se concentrou naquela frase.
- Um garoto bonito? Engraçado. Homens que se dizem héteros não assumem nem que seus próprios filhos são bonitos.
James suspirou.
- Você nunca vai parar com essa ideia que sou gay?
- Não – respondeu ela simplesmente – E nunca depois que você fez aquele comentário besta da Clara Medeiros. Que somos parentes e tal.
- E daí?
- E daí que ela é personagem de uma novela! Você se lembra de uma vilã de uma novela de quase vinte anos atrás e ainda sabe o sobrenome dela! Sinal de um grande noveleiro. Isso não é coisa que homem hétero faz.
Ele rolou os olhos.
- Pense o que quiser. Podemos almoçar agora?
Cristina assentiu e recolheu suas coisas de cima da mesa.
- Se quer minha opinião, ela ainda é pior do que você – acrescentou ele quando ela passou pela porta, num divertido sussurro conspiratório – Ela era uma assassina. Mesmo que seja apenas ficção, ela...
- Eu já atirei na minha concunhada – observou Cristina levianamente – E foi na vida real.
- Certo, retiro o que disse. Você também é uma mulher bastante perigosa.
-
Quando Miguel soube o que Yuri tinha feito, ficou simplesmente furioso.
- Aquele babaquinha! Quem ele pensa que é?
Cristina deu de ombros, cansada, e se sentou no sofá. Os dois estavam sozinhos no apartamento dele.
- Um projeto de conquistador, pelo visto – respondeu.
Miguel estalou os dedos.
- Ele vai ver quando chegar aqui – declarou, irritado.
Cristina se assustou.
- Miguel, o que você vai fazer?
- Espinafrar aquele abusado.
- Miguel, não fa...
- Não vou bater nele. Você vai ver.
Foi quando eles ouviram o estalo eletrônico da porta. Entraram Yuri, Dimitri e Olga.
- Cristina – estranhou Olga - O que está fazendo aqui?
Cristina a encarou. Em qualquer outro dia, ela não teria uma resposta aceitável. Em qualquer outro dia, ela estaria no apartamento dela fazendo besteirinha com seu marido e ficaria absolutamente em pânico naquela situação. Mas aquele dia era diferente.
- Vim resolver um assunto.
- Que seria...?
- Yuri Alexei.
Olga se virou imediatamente. Yuri, que tentara escapar sorrateiramente, parou no meio da sala. Estava pálido.
- O que ele fez?
Cristina pigarreou, sem saber muito bem como apresentar a situação.
- Dimitri – chamou Miguel –, vá ficar com seu irmão Gregori. Ele está na casa do seu tio.
Ele olhou para sua mãe em busca de permissão.
- Pode ir – deixou Olga – Deixe a mochila aqui.
Dimitri tirou as alças dos ombros, colocou a mochila na cadeira e saiu. O apartamento silencioso ouviu plenamente seus passos enquanto descia as escadas.
- E então? – perguntou Olga – O que aconteceu?
Cristina trocou um breve olhar com o amedrontado Yuri.
- Seu filho me assediou – declarou ela.
Olga arregalou os olhos.
- Mas o quê?
- Não foi bem assim – apressou-se a negar o garoto.
- Claro que foi! – trovejou Miguel. Até mesmo a intrépida Olga se encolheu – Você ameaçou sua tia!
- Ameaçou?
Miguel olhou para a esposa, momentaneamente sem palavras.
- Sim – salvou-o Cristina – Se eu não fizesse o que ele queria, Yuri contaria mentiras sobre mim.
- Como, por exemplo?
- Ele deu a entender que contaria a todos que eu tinha um caso com meu cunhado. Seu marido.
Olga a encarou criticamente.
- E se você não tinha nada a temer, por que está se queixando?
- Porque, apesar de tudo que você possa achar, sou madrinha de Yuri e devo zelar pela educação dele – devolveu Cristina friamente - E acho que deveria contar o que aconteceu para seus pais.
Olga se virou para Yuri.
- Você tem algo a dizer?
- Sim. Tudo é verdade, mãe.
- Então você realmente assediou sua tia?
- Isso também, mas eles tiveram um caso. Ou têm, sei lá.
Olga voltou o olhar para os traidores do outro lado da sala.
- Olha, Yuri, eu nunca pensei seriamente em bater em você, mas estou repensando isso – disse Miguel de forma letal.
- Então ele está mentindo?
- Claro que sim, Olga!
- Não seria a primeira vez que você faria isso – observou ela acidamente.
- Mas... ela é esposa do meu irmão. Eu nunca transaria com a minha cunhada.
- E as namoradas de Maurício?
- Era diferente. Ele não casou com nenhuma delas.
Olga continuou a encarar ambos em dúvida.
- Eu juro, Olga! – insistiu Miguel, e concluiu – Juro por Deus.
Foi nessa hora que Cristina quase caiu na gargalhada. Miguel teria acabado de jurar em vão se já não tivesse dito a ela que era ateu.
- Certo – concordou ela de evidente má vontade – Vou aceitar a sua palavra. Yuri, vamos ter uma conversa agora. Nos deixem sozinhos, por favor.
- Vou fumar nas escadas – informou Miguel, já perto da porta.
- Miguel, você não...
- Por favor, Olga, hoje não.
E saiu com Cristina em seus calcanhares, deixando Olga e o encurralado Yuri.