Capítulo 60
1091palavras
2023-03-29 05:43
Na noite anterior à realização do exame, Cristina rezou pela primeira vez em muito tempo. Foi Deus, por favor, que Alice não seja filha de Miguel ou variantes por uma meia hora, deitada na sua cama sem conseguir dormir enquanto Maurício, exausto, já ressonava ao seu lado.
Na manhã seguinte, ela foi com Miguel e Alice à clínica. A caçula encarou a agulha com facilidade, e também aceitou docemente a presença do tio ali (É que a mamãe não sabe dirigir, querida). Miguel, por sua vez, não encarou a coisa nada bem. Além de não gostar de agulhas, não sabia lidar com sua sobrinha-talvez-filha. Era óbvio que a situação o deixava confuso.
Realizado o exame sem complicações, o que os restava agora era aguardar até que o resultado chegasse ao celular de Olga. Cristina chegou a pensar em pedir a Miguel para roubar o troço, mas percebeu que não era uma boa. Tornaria ainda mais claro que ela tinha algo a temer naquele exame, e isso tornaria tudo pior. Naquele momento, ela ainda tinha salvação, por mais que o apocalipse parecesse perigosamente próximo.
O dia do resultado, uma sexta, passou devagar. Horrivelmente devagar. Cristina passou horas fingindo para si mesma que via televisão, aguardando o toque do interfone que nunca vinha. Quando o sol se pôs, ela começou a se desesperar de ansiedade. Não era possível, pensava, Olga já devia ter recebido o maldito resultado. Talvez estivesse ainda no trabalho e, sabendo que Miguel era um bastardo, quisesse dizer notícia de tal magnitude ao vivo. Talvez soubesse que Alice era filha de Miguel e quisesse matar Cristina ao vivo.
A indefinição daquilo estava arruinando seus nervos.
Quando, às 19:30, ela ouviu o bendito toque, levantou tão rápido que acabou tropeçando nos próprios pés. Quando se levantou, disparou para a cozinha. Em menos de um minuto, batia a porta do apartamento e corria para a cobertura.
Quando chegou lá, porém, foi tomada pela decepção. Nada de Olga.
- Mas eles estão subindo - acrescentou Teresa, apreensiva.
Cristina então se sentou no sofá, aborrecida.
A campainha tocou sete minutos depois. Teresa abriu a porta aos tropeções.
E a maldita estava calma. Principalmente comparada às duas mulheres estressadas que estavam lá antes. Em contraste, seu marido estava pálido de nervoso.
- E então? – perguntou Teresa assim que Olga entrou no apartamento – Qual é o resultado?
- Ainda não vi – respondeu Olga sem pressa, olhando para Cristina.
- Como não viu? – questionou a sogra, indignada – Isso é vital!
- Meu trabalho também. Principalmente se Miguel for... você sabe.
Miguel engoliu em seco. Ele sabia que as coisas podiam ser um pouco piores do que apenas ser filho do motorista.
Olga desgrudou os olhos de Cristina e pegou o celular. Acessou a mensagem que continha o arquivo. Digitou a senha. Começou a ler o texto do resultado.
- E então? – repetiu Teresa, ansiosa, assim que terminou de rezar sua terceira Ave Maria.
Olga só ergueu a mão pedindo tempo e prosseguiu a leitura. Cristina resolveu se levantar do sofá. Se não fizesse isso, ia explodir de tanto nervosismo.
Quatro minutos completos se escorreram antes que Olga finalmente abaixasse o celular.
- Deu negativo...
Teresa ficou perigosamente pálida.
- ...para a paternidade de Alice. Mas ainda temos uma considerável semelhança genética. Ele é sem dúvida tio dela. Irmão inteiro de Maurício.
Teresa caiu de joelhos e começou a chorar, enquanto Cristina era invadida por uma gratidão quase indecente. Ela olhou para Miguel, que evidentemente lutava contra uma confusão de sentimentos, entre eles alívio e decepção, e se sentiu tremendamente envergonhada por ter desejado que Alice não fosse filha dele. Embora com certeza tivesse sido o melhor.
- E então, Cristina? – perguntou Olga, tirando-a de seu devaneio – Aliviada?
Cristina a encarou. Evidente que Olga achava que Alice podia ser filha de James. Evidente também que não poderia estar mais errada.
- Você nem imagina – respondeu ela, e congratulou-se pela resposta capciosa.
-
Depois do bendito resultado, todo o resto do ano correu bem, sem sobressaltos. O exame de paternidade de Adriano em relação aos filhos foi realizado e, como deu indiscutivelmente positivo (100%, sequer 99,9!, bradava Teresa, vitoriosa), ele foi obrigado a recolher suas armas e ser mais maleável na hora de negociar as condições do divórcio. Em fevereiro de 2027, ele já era um homem livre para um novo matrimônio. Teresa manteve sua pensão, sua cobertura e até seu amado motorista. Até mesmo conseguiu a reabilitação de Miguel na herança. Daquele ponto em diante e até o fim da vida do homem, Cristina raramente o viu.
O problema agora era Maurício. James também, mas principalmente Maurício.
Todos os dias que ela sabia que ambos poderiam se encontrar, Cristina ficava nervosa. Ela sempre esperava chegar em casa e dar de cara com Maurício com um olho roxo. Ou talvez chegar no trabalho e ver James com o nariz um pouco mais torto. Assim, ela questionava ambos, com frequência um tanto neurótica, para saber se haviam se encontrado. A resposta era sempre negativa.
Num belo dia de abril, não foi.
- Sim, eu o encontrei – respondeu James, enfado.
Cristina arregalou os olhos, e imediatamente começou a procurar ferimentos no rosto dele.
- Você não parece machucado – observou, nervosa.
- É porque não brigamos, Cristina.
- Nem um pouquinho?
- Pelo visto seu sonho de consumo é ter dois homens brigando por você.
Cristina corou.
- Eu sei que você nunca brigaria por mim.
- E aquele dia no...
- Você não brigou por mim, brigou pela sua vida.
James não respondeu nada.
- Enfim – prosseguiu Cristina, com uma felicidade azeda por ter provado seu ponto – Como foi?
- Normal – respondeu, neutro - Ele ainda não vai com a minha cara, mas não ocorreu nada de espetacular.
Cristina assentiu, mas não ficou satisfeita. Resolveu perguntar a Maurício quando estivessem juntos.
- Sim, eu o encontrei – confirmou Maurício naquela noite, aborrecido.
- Como foi?
Maurício demorou um pouco a responder, evidentemente perturbado. Estava cortando sua carne com excessiva força.
- Ele é um babaca – disse finalmente – Fica se pavoneando pelo prédio, se achando o príncipe da faculdade. Ele poderia desabar da escada que eu...
- Maurício!
Ele deu de ombros.
- Estou sendo sincero.
- Não faça nenhuma besteira, por favor.
- Não farei nada. Não quero ser demitido por justa causa.
- Se você o derrubasse da escada, seria justíssima causa – retrucou ela, irritada.
Depois daquela, o jantar se tornou muito silencioso.