Capítulo 59
1331palavras
2023-03-27 06:12
Miguel já estava recuperado e em casa quando o resultado do exame chegou no celular de Olga. Logo após ver o resultado, ela foi à cobertura. Cristina já estava lá com as filhas. Fora insistência particular de Isabella almoçar com a avó. Aliás, as duas tinham uma proximidade num nível que não agradava Cristina, provavelmente porque a primogênita herdara a veia católica de Teresa. Adorava ir à igreja. Queria ser coroinha. Do jeito que a coisa ia, em breve declararia seu desejo de ser noviça, e Cristina não estava achando nem um pouco de graça. Porque ser doce como Alice, mas normal, era uma coisa. Ser doce como Isabella, e fundamentalista religiosa, era outra bem distinta.
No momento que Olga chegou, as duas netas e a avó estavam na cozinha, empenhadas em fazer uma torta. Nada havia explodido ainda.
- Onde está Teresa? – perguntou Olga assim que Cristina abriu a porta, e saiu entrando.
- Na cozinha, mas...
Olga foi para a cozinha. Um minuto depois, estava de volta com Teresa.
- Fale logo – mandou Teresa, ansiosa.
Ela ainda se deu ao luxo de fazer um suspense. Teresa começou a ficar impaciente.
- Tipo sanguíneo A – disse ela finalmente – Miguel tem o Fenótipo Bombaim.
Cristina engoliu em seco de forma bem audível. Teresa ergueu as mãos aos céus em gratidão.
- Graças a Deus.
Olga a encarou com espanto.
- Isso não significa nada, você sabe. Só que Miguel pode ser filho de Adriano.
Teresa abaixou as mãos.
- Tenho esperanças – declarou.
- Isso não significa que não devemos nos preparar para o pior.
Teresa assentiu e indicou a mesa. As três se sentaram.
- Qual é a sua ideia? – perguntou Teresa polidamente para Cristina – Na última vez, ela funcionou.
Ela engoliu em seco.
- Dessa vez é mais complicado.
Teresa deu um suspiro decepcionado e virou-se para Olga.
- Creio que antes de pensarmos em como lidar com o exame, precisamos saber em que terreno pisamos – disse ela imediatamente.
- Explique – pediu Teresa.
- Precisamos saber se Miguel é de fato filho de Adriano.
Teresa apoiou a cabeça nas mãos.
- Como?
Foi quando, subitamente, Cristina percebeu que estava sendo posta de lado. Olga dominara os trabalhos.
- Podemos comparar o DNA dele ao de Maurício – atropelou-se em sugerir.
Teresa a olhou criticamente.
- Claro que não. Não quero que mais alguém saiba dessa história.
Olga deu um sorrisinho.
Nesse momento, Isabella e Alice entraram na sala. Cristina sentiu-se subitamente cheia de carinho ao vê-las; se tinha algo que fizera naquela vida que melhoraria seu carma, refletiu, eram aquelas duas meninas. Isabella podia ser muito católica, mas isso não mudava o fato que era uma garota linda e inteligentíssima. E Alice estava seguindo seus passos. Às vezes, parecia incrível que Cristina fosse quem as gerara.
- Vó, a massa está pronta – anunciou Alice, afastando o cabelo castanho da testa e tirando Cristina de seus pensamentos.
- Já vou colocar no forno – respondeu Teresa, dando uma breve olhada para trás – Estou indo.
A garota assentiu e puxou a irmã mais velha para dentro do apartamento. Cristina desviou o olhar delas assim que desapareceram, mas Olga continuou encarando o lugar vazio onde as garotas haviam estado.
- Tive uma ideia – declarou subitamente.
- O que é? – perguntou Teresa, ouriçada.
Olga sentou-se quase na ponta da sua cadeira para encarar ambas mais de perto.
- Vamos comparar o DNA de Alice com o de Miguel para...
O queixo de Cristina caiu. Por alguns segundos, ela ficou exatamente como o quadro O Grito, de Munch.
- Não!
As duas olharam para ela.
- Por que não? – questionou Olga com um sorriso maldoso – Qual o problema?
Cristina engoliu em seco. Sim, havia um problema, mas provavelmente não era nada do que Olga pensava.
- Nenhum – respondeu Cristina finalmente, suando frio frente ao olhar inflexível de Teresa – Só acho que isso chamaria demais a atenção. Deve haver outra forma de saber se Miguel é filho de Adriano.
Olga deu de ombros.
- Romances assim acontecem em famílias – observou.
Teresa assentiu.
- Para mim é uma ótima ideia. Analisando os resultados, poderíamos saber.
- Teríamos que dizer a Maurício – observou Cristina, atordoada, tentando se salvar – Achei que não quisesse isso, Teresa.
- Não, não teríamos – declarou Olga, vitoriosa – Alice não teve anemia há pouco tempo?
- Sim, porque ela não gosta de feijão, mas...
- Então. Para todos, seria apenas um exame de rotina. Para Miguel também. O exame de DNA é sigiloso, de qualquer forma. E, se Adriano descobrir, você pode dizer que ambos escorregaram. Apenas isso. Melhor ele achar que você é uma traidora do que o filho um bastardo.
Pela expressão de Teresa, ela aprovava. Cristina começou a entrar em desespero.
- Você devia ficar tranquila, Cristina – falou Olga, talvez um pouquinho sarcástica – Afinal, não pode dar positivo.
O problema era que podia.
-
Teresa queria realizar o exame o mais rapidamente possível, então Cristina teve que ir bem depressa trocar uma ideia com Miguel – ou talvez dividir seu pânico.
Quando contou, ele ficou visivelmente ansioso.
- Exame de DNA? – repetiu ele sem acreditar.
- Sim. O nível de parentesco entre você e Alice vai determinar se você e Maurício são irmãos ou meios-irmãos.
- Ou que sou o pai dela.
- Eu sei.
Os dois ficaram em silêncio por um tempo.
- E se ela for minha? – perguntou ele. Era óbvio que não esperava essa revelação tão cedo, assim como Cristina.
- Você queria tanto saber, achei que sabia como agir.
Ele sacudiu a cabeça.
- Olga vai ficar furiosa.
Cristina suspirou, impaciente. A dependência de Miguel de Olga era notável e muito, muito irritante.
- Você já a traiu nas fuças dela – observou – Ela está acostumada.
- Não com você. Acho que ela poderia aguentar qualquer uma, mas não Cristina Medeiros.
- Bem, se você sobreviver a Maurício, vai conseguir lidar com ela.
Miguel deu uma risadinha.
- Ele vai fazer o quê, me matar?
- Com certeza. E a mim. Ele me disse isso.
Miguel não pareceu preocupado.
- Ele falhou na primeira vez – disse, passando a mão distraidamente na cicatriz.
- Talvez não quisesse realmente matar você, só quisesse te machucar – analisou Cristina.
- Ah, não. Eu lembro bem. Ele queria, só não conseguiu.
- Então melhor você se preparar para o caso de Alice ser sua filha – recomendou Cristina, com dificuldade de assumir aquilo em voz alta.
- Você também, sabe.
Cristina ergueu os olhos, surpresa.
- Não tenho medo de Olga.
- Se você diz. Mas estou falando de Maurício. Se Alice for minha filha e ele souber...
- Eu sei – interrompeu Cristina, amarga – Certamente vamos nos separar.
- Olga também deve pedir o divórcio.
De novo, o silêncio. Dessa vez, porém, havia algo a mais no ar. Uma certa expectativa, talvez.
- Cristina, você acha que poderíamos...
- Não – declarou ela, firme.
Miguel a encarou, magoado.
- Nem terminei a frase.
- Eu sei o que você ia falar. Mas não dá. Juntos, temos cinco filhos. Seria um caos. E, além disso, sei que você não me ama.
- Gosto de você, Cristina – argumentou ele.
- Pode ser, mas você só quer transar comigo. Amor é diferente.
Assim que disse aquilo, ponderou se sabia realmente do que falava.
Miguel se levantou do sofá e foi até ela.
- Já disse para você que não quero só transar.
- Ah, aquilo – suspirou ela, lembrando-se do seu casamento – Olha, Miguel, até pode ser que você seja apaixonado por mim, mas Olga te controla totalmente. Não posso ficar com alguém assim.
Ele a encarou por um bom tempo.
- Se é assim que você acha.
E Cristina achava que aquele tom de voz definitivamente não deveria ter a machucado tanto.