Capítulo 58
932palavras
2023-03-24 05:37
- Você não me disse que seu lugar de trabalho ia mudar.
Maurício parou de fechar seu computador e olhou para Cristina, espantado. Era início de noite de uma quinta-feira.
- Como você sabe disso? Acabou de ser anun...
- Digamos que tenho contatos.
Maurício terminou de fechar seu computador e ficou em silêncio pensativo por algum tempo.
- Ah, sim – fez finalmente, em tom algo perturbado - Devia ter imaginado.
Os dois ficaram em silêncio por mais algum tempo. Cristina sabia o que ele devia estar pensando. Para não mentir, decidiu não esclarecer nada.
- Por que não me disse? – perguntou ela de repente.
- Cristina, é só uma mudança.
- Não é apenas isso. Não para você.
Maurício suspirou.
- Não vou procurar confusão com ele, se é isso que te preocupa.
- Acho que ninguém procura confusão, ela acha as pessoas.
- Não vai me achar, garanto.
- Como pode ter tanta certeza?
- Sequer trabalharemos no mesmo andar. Se nos encontrarmos, será azar.
- Se algo pode dar errado, vai dar – recitou Cristina, pessimista.
Maurício riu.
- Lei de Murphy? Não acredito nisso.
Nesse instante, a campainha tocou. Antes que Maurício alcançasse a porta, tocou de novo. E de novo. Enquanto ele destrancava a porta, Cristina se levantou, sentindo um súbito mal-estar.
Mal a porta se abrira e Teresa entrou desembalada.
- Miguel está no hospital – declarou desembalada. Era óbvio que saíra correndo de sua cobertura.
- O que aconteceu?
- Ataque cardíaco.
Cristina perdeu toda a cor do rosto.
- Como? – indagou, se aproximando dos dois – Ele ainda não tem 40 anos.
- Não me surpreende – declarou Maurício nem um pouco chocado – Ele bebe e fuma tanto que... Cristina, você está pálida. Está bem?
- Estou bem – disse ela, fazendo um gesto rápido de dispensa e agarrando a bolsa sobre a cadeira – Vamos ao hospital.
- Cristina, e as meninas?
- Maristela está com os meninos – intercedeu Teresa – Elas podem ficar com eles.
Maurício oscilou o olhar entre as duas, indeciso. Era óbvio que não planejava sair de casa naquela noite. Nem Cristina, mas agora tudo havia mudado. Nervosa, enfiou uns sapatos quaisquer nos pés e ficou esperando, impaciente, alguma decisão de Maurício.
- Certo, eu vou – decidiu ele exatamente quando Cristina havia decidido ir embora sozinha mesmo – Só vou trocar de roupa.
-
- Eu estou bem – insistiu Miguel – Estou pronto para ir para casa, aliás.
- Você teve um ataque cardíaco! – esganiçou-se sua mãe.
- Apenas um princípio – corrigiu Miguel – Pode perguntar para a Olga. Aliás, olhe como estou bem: ela foi trabalhar.
- É porque ela trabalha nesse mesmo hospital – observou Maurício com impaciência, olhando seu relógio – Se acontecer algo, ela vêm ver você.
- Mas por que você teve um ataque cardíaco? – perguntou Cristina – Digo, você tem uma má-formação cardíaca ou algo assim?
Miguel se esticou na cama do hospital.
- Não – disse simplesmente – Eles acham que foi só o resultado do meu estilo de vida.
- Estilo de vida nocivo – comentou Teresa de cara feia – Espero que agora você pare de fumar!
- E beber – acrescentou Cristina.
Miguel fez uma careta.
- Mais fácil parar de respirar – disse, desgostoso, no momento em que a porta do quarto era aberta e Olga entrava.
- Acho que o médico disse algo sobre uma dieta mais saudável também – comentou, parando bem ao lado de Cristina.
Mas Cristina não estava ouvindo. Estava olhando para Olga. Mais especificamente, para a roupa dela.
- Eu achava que o uniforme de enfermeira devia ser mais sexy – comentou em voz baixa.
Olga olhou para ela.
- Como? Não ouvi.
Cristina deu uma olhadela para ver se Teresa continuava perto de Miguel e repetiu.
- Eu achava que o uniforme de enfermeira devia ser mais sexy.
Olga olhou para sua roupa. Nada de mais: uma blusa branca com o emblema do hospital do lado esquerdo e uma calça azul-clara. Sapatos pretos fechavam o conjunto.
- Não devia e não é. E isso te interessa por?
- Nada – respondeu ela – É que em você a roupa não destaca os atributos. Na verdade, a falta de atributos. Sério, Olga, isso me dá vergonha alheia. Coloca uma solução salina aí nessa tábua.
Olga olhou para ela mais alguns segundos antes de decidir que Cristina não merecia sua atenção.
- Eu pedi um exame de sangue para você – anunciou ela para Miguel.
Miguel pareceu ficar subitamente menos relaxado. Óbvio que não apreciava muito agulhas.
- O quê?
- O exame do Fenótipo Bombaim.
- Fenótipo Bombaim? – perguntou Maurício do sofá, parecendo acordado pela primeira vez em um bom tempo.
- Sim. Acho que Miguel pode não ter o tipo sanguíneo O.
- E por que não teria?
Houve uma pausa minúscula, mas suficientemente tensa. Cristina viu Teresa e Olga trocarem um leve olhar significativo.
- Porque você é AB – explicou Olga concisamente por fim – Mesmo não sendo gêmeos idênticos, vocês teriam que ter uma carga genética semelhante nesse aspecto.
- Desculpe a pergunta, mas por que isso importa?
- No caso de ter Fenótipo Bombaim, Miguel só poderia receber transfusão de sangue de uma pessoa com o mesmo genótipo. Portanto, é bom saber.
- Entendo – concordou Maurício.
Cristina suspirou baixinho. Ela não sabia se alguma daquelas coisas que Olga falara era verdade, mas dera certo. Ele não desconfiara de nada. Menos uma pessoa para saber daquela confusão.