Capítulo 56
1022palavras
2023-03-20 06:21
Cristina deveria ter percebido que aqueles dois anos tinham sido a calmaria antes da tempestade. 24 meses eram, definitivamente, tempo demais para não se meter em nenhuma confusão. Nem Olga parecera muito ameaçadora. No final, aquele pequeno susto no elevador tinha sido só aquilo – um pequeno susto. Olga rosnara, mas não mordera. Embora Cristina achasse que ela estava muito vigilante, desde então, para se sentir realmente tranquila. Até por isso, cessara suas beligerâncias. E, consequentemente, começara a se sentir entediada.
Em agosto de 2026, finalmente, algo aconteceu. Numa tarde, ela foi chamada à cobertura por Teresa. Sozinha, sem Maurício ou as filhas. Chegando, percebeu com surpresa que Olga também estava lá. Foi quando sua intuição foi ativada, principalmente quando as três mulheres se sentaram à mesa, como faziam na época que se aliaram contra Bárbara. Agora, porém, só estavam as três. Nenhum dos homens, nenhuma das crianças. Aparentemente, ninguém poderia saber além delas o que seria discutido ali.
O que não era de jeito nenhum um bom prognóstico.
Quando percebeu aquilo, Cristina não deixou de ficar animada.
- Adriano quer o divórcio – declarou Teresa.
- De novo? O que foi dessa vez?
Teresa olhou para Cristina.
- Outra mulher.
- Jovem e bonita?
Teresa fez um gesto despreocupado de descarte.
- Não jovem. Deve ter dez anos a menos do que eu, talvez menos. Mas ele quer se casar com ela.
- Nada pessoal – disse Olga pela primeira vez – mas o que eu tenho a ver com isso?
Teresa lhe lançou um olhar ressentido.
- Com isso, nada, realmente. Se ele quer se casar, que se case. Para mim chega.
- Então, o que é?
- Acabamos discutindo – explicou ela - Foi feio. Tão que ele levantou novamente a acusação de traição. E pediu um teste de paternidade.
Olga se endireitou na cadeira.
- De quem? – perguntou, mas sua expressão deixava claro que já sabia.
- Dos meus dois filhos.
Cristina engasgou com sua própria saliva.
- E você tem algo a temer? – perguntou ela.
- Um pouco.
- Como assim um pouco? – grasnou Cristina.
Teresa ergueu as sobrancelhas para ela e retornou sua atenção para Olga.
- É possível que gêmeos tenham pais diferentes?
Cristina bateu a mão na testa de desgosto e pânico.
- Tecnicamente, sim – respondeu Olga, a que estudara decentemente biologia para entrar em enfermagem – Mas teria que ser um azar fantástico.
- Mas você o traiu? – insistiu Cristina.
- Sim. Mas Adriano não tem 100 % de certeza.
- Com quem?
- Mário, o motorista.
Cristina ficou calada enquanto pensava sobre aquilo. Mário, o motorista. Ele não chegava a ser bonitão, mas, apesar de não ser o gosto de Cristina, estava muito longe de ser desprezível. E Teresa era... megera, não baranga.
- Você me perguntou se gêmeos poderiam ter pais diferentes – continuou Olga – Você tem certeza... acha... que apenas um deles é filho do motorista?
Teresa encostou-se à cadeira.
- Eles herdaram muitas características de mim. São parecidos. Mas Miguel... não sei. Adriano nunca o tratou como Maurício, que se parece bastante com ele. Quase como se soubesse.
- Ah, ótimo – ironizou Olga – Meu marido é um bastardo.
- Não tenho certeza disso.
- Terá, se o teste de DNA voltar negativo.
- Eu não posso admitir esse resultado. Em nenhuma hipótese.
Cristina levantou os olhos para Teresa.
- Ah, então é isso – comentou ela.
- Vai ser fácil – disse Olga – A Cristina aqui parece especialista em falsificar testes de DNA.
Cristina ergueu o dedo médio para ela.
- Ei, ei – alertou-se Teresa, empurrando a mão de Cristina para baixo, enquanto Olga ria – Que história é essa?
- Piadinha interna – desconversou Cristina – Ruim, como sempre, porque feministas como Olga simplesmente não conseguem ser engraçadas.
Olga fechou a cara.
- Não diga nada – advertiu Teresa antes que ela abrisse a boca – Não discutam. O meu problema também é problema de vocês, lembrem-se.
Olga respirou fundo.
- Mas por que você desconfia de Miguel? Algo na aparência? Por que ele não se parece com Adriano?
Teresa balançou a cabeça.
- Não, não. A questão é que Miguel tem tipo sanguíneo O.
Cristina ergueu as sobrancelhas, sem entender.
- Certo. Mas por...
- Sou AB – interrompeu Teresa – Adriano é A. Tenho alguns conhecimentos de genética, e não me parece possível que um de nossos filhos seja O.
Cristina e Olga se encaram por um segundo.
- Então – começou Cristina – está terminado. Miguel é filho do motorista. Lamento, Teresa.
- Não necessariamente – disse Olga.
- Como não necessariamente? Você ouviu o que ela disse. É impossível que...
- Não se Miguel for um falso O.
Cristina a olhou com se Olga estivesse falando grego.
- O quê? – indagou depois de algum tempo.
- Falso O, ou Fenótipo Bombaim, faz com que pessoas que tem genótipo referente aos tipos sanguíneos A, B ou AB não o expressem. Em seus exames de sangue, aparecem como O.
- Ah – fez Cristina, começando a ficar nervosa – Então quer dizer que, por exemplo, Miguel poderia ter um filho de tipo sanguíneo A?
Olga a encarou estranhamente.
- Sim, poderia, se seu tipo sanguíneo verdadeiro fosse A ou AB. Mas nunca aconteceu. Yuri e Dimitri são tipo O e Gregori é tipo B, e eu também sou B. Por que?
- Nada – respondeu Cristina, o coração batendo forte pelo terror – Apenas curiosidade.
Olga assentiu e desviou a atenção dela.
- Como poderíamos saber disso? – questionou Teresa.
- Um exame de sangue mais específico.
- Então teríamos que contar a Miguel.
- E esperar que ele não espalhe – observou Olga, azeda, olhando para Cristina.
Mas ela estava pensando em algo muito, muito mais grave.
Se Miguel fosse um Falso O, significava que, além de poder ser filho de Adriano, podia muito bem ser o pai de Alice. Cristina descartara essa hipótese quando descobrira que a filha era tipo sanguíneo A, mas agora...
Agora as portas do inferno poderiam se abrir novamente.