Capítulo 55
1577palavras
2023-03-17 05:37
Enquanto aguardava em suspense ansioso a resolução do casamento (ou não) de James, Cristina ficou sabendo por Miguel que sua situação conjugal chegara a tal ponto que Olga estava considerando seriamente o divórcio.
Pouco tempo depois, Teresa também ficou sabendo. E não aceitou a coisa pacificamente.
- Então você quer se separar do meu filho? – perguntou ela para Olga um dia.
Cristina abaixou levemente sua revista para observar a movimentação. Olga, sentada bem reta, encarava Teresa corajosamente. Alheios a tudo, Yuri e Dimitri viam televisão, enquanto Isabella e Gregori conspiravam aos sussurros perto do corredor. Na varanda, Maurício adormecera em meio a uma tentativa de ninar a espevitada Alice, que continuava acordada, bem quietinha, em seu colo. Miguel desaparecera depois do almoço.
Provavelmente para fugir da presente discussão.
- Estamos considerando essa solução – respondeu Olga.
- Estamos?
- Nenhum divórcio é feito sem participação de ambas as...
- Sim, é feito – interrompeu Teresa acaloradamente.
Era óbvio que pensava na sua própria separação litigiosa, que, aliás, tivera seu processo interrompido não muito depois dos eventos envolvendo Bárbara. Adriano provavelmente chegara à conclusão que tanta dor de cabeça não valia mais a pena.
-... partes em acordo – prosseguiu Olga sem se perturbar – Principalmente com três filhos envolvidos.
- Dimitri e Gregori não entenderão isso. São pequenos demais.
- Tenho certeza que entenderão – contestou Olga calmamente – Se a decisão for o divórcio, esclarecer tudo é o melhor caminho.
Teresa não respondeu nada a princípio.
- Sabe quantos casamentos foram desfeitos na minha família, Olga?
Prevendo uma tempestade, Cristina abaixou mais um pouco sua revista.
- Imagino – sussurrou Olga.
- Nenhum – prosseguiu Teresa, aparentemente ignorando a nora – Me orgulho disso. Portanto, nenhum de meus filhos será um divorciado. Apenas um viúvo.
Foi com satisfação que Cristina percebeu que Olga estava começando a ficar assustada. Como que para potencializar o efeito da frase, Teresa se levantou e pôs-se com postura autoritária na frente da mulher. Uma vez general, sempre general.
- Não quero escândalos – disse – Divórcio é o primeiro caminho para escândalos piores. Como o que aconteceu com os Rehbein. O filho acabou de se divorciar e a nora já se assumiu lésbica. Dizem que tem uma amante há anos.
Cristina quis rir, mas se segurou.
- Que coisa – comentou, se metendo no assunto pela primeira vez, fazendo as duas olharem para ela – Sabem quem é?
Teresa negou com a cabeça.
- Não. Mas é questão de tempo.
Cristina assentiu, tomando o cuidado para não tirar os olhos de Olga.
- Pois é. Uma questão de tempo.
Teresa, como sempre, não absorveu a piada interna.
-
A novela de James e Tânia durou mais alguns meses. Quando terminou, porém, seu fim foi abrupto.
- Tânia está grávida – anunciou ele um dia, sem o menor aviso prévio.
Cristina engasgou com a comida. Os dois estavam almoçando num restaurante felizmente não muito frequentado, então quase ninguém viu Cristina avermelhar e quase morrer sufocada com um pedaço de batata antes que James se dignasse a se levantar e bater nas costas dela.
Depois de um tempo, Cristina já parara de tossir e estava razoavelmente recuperada. Então, pôde falar.
- E você? – perguntou, ainda um pouco sem ar – O que vai fazer?
Ele deu de ombros.
- Nada. Ela disse que não sou o pai. Nem mais o noivo dela.
Cristina ficou espantada. Tânia era realmente outra pessoa depois do tratamento.
- Como que... mas quem é, então?
- Cristina, você me decepciona. Quem poderia ser?
Ela pensou. Um instante depois, veio o estalo.
- Ah, sério?
- Depende de quem você está falando.
- Bruno?
James assentiu, sério. Cristina bateu as mãos na mesa em incredulidade, atraindo a atenção de alguns garçons próximos.
- Meu Deus, essa mulher sofreu uma lavagem cerebral – comentou.
- Creio que foi influência sua.
- Minha?
- Acho que você já percebeu que ela está parecida com você.
- Claro. Mas não tenho culpa se sou a inspiração dela para o novo visual.
- Não estou falando só da aparência.
- Como?
- A Tânia que conheci não faria isso. Você faria.
Cristina deu de ombros.
- Você fala como se eu fosse a pior pessoa do mundo – acusou, rancorosa.
- Comigo, foi algo assim.
Cristina o encarou, incrédula, e não conseguiu dizer nada.
- Compreenda, Cristina – prosseguiu ele – Você destruiu a minha vida.
- Do que está falando?
- Nesses anos que conheço você, foi como se minha vida tivesse parado. Não casei, não tive filhos, nada.
- E a culpa é minha? – indagou ela, ofendida.
- Foi você que fez, não?
Nesse ponto, Cristina quase escalou a mesa e atacou o babaca com um garfo.
- Eu não fui a culpada se você não gosta da vida que construiu – disparou.
Ele pareceu desnorteado por um momento antes de retrucar.
- Adão também comeu o fruto proibido, mas não foi lá buscá-lo como Eva.
Cristina se levantou, deixando seu prato comido pela metade. Num rompante brusco, agarrou sua bolsa.
- Eu fiz catecismo, e não me lembro de nenhuma parte de Eva ter enfiado a maçã pela goela abaixo do infeliz!
E, sob o olhar espantado dos garçons e poucos clientes presentes, foi embora.
-
Durante algum tempo, os dois ficaram estremecidos, e alguns passas-foras foram disparados de ambos os lados, principalmente do de Cristina.
Então, um dia, James resolveu se reaproximar.
- Olá – cumprimentou ele.
Cristina, calada.
Ele esperou um tempo até desistir de esperar uma resposta.
- Vai continuar com essa infantilidade?
Cristina pegou sua bolsa e catou seu celular. Digitou rapidamente uma mensagem e passou o aparelho para James.
- “Não falo nada até que você peça desculpas” – leu James, incrédulo – Quantos anos você tem, Cristina, oito?
Ela, nada.
- Não vou pedir desculpas. Não disse nenhuma mentira. A culpa não foi minha.
Cristina pegou o celular e escreveu outra mensagem.
- “Aposto que Adão disse a mesma coisa para Eva depois daquele papo com Deus” – recitou James – Ele também não estava mentindo, estava?
Cristina pegou o celular de novo.
- “Ele comeu a maçã porque quis. Você também só me fud...” – James parou, subitamente avermelhado nas bochechas – Não vou ler isso em voz alta.
Cristina segurou uma risadinha.
James terminou de ler a frase e, então, pela primeira vez, pareceu pôr a mão na consciência.
- Certo, pode ser que eu tenha colocado mais alguns pontos de culpa nas suas costas.
Cristina fez um gesto com a mão para que ele continuasse.
- Peço desculpas – prosseguiu ele, evidentemente com dificuldade – Mas você não é totalmente inocente, e sabe disso.
- Ninguém no mundo é totalmente inocente – disse Cristina finalmente, sorrindo de leve.
James não respondeu nada enquanto seguia os recém-chegados Bruno e Tânia com os olhos. Virou-se para Cristina, inconformado.
- Como ela pôde? – questionou.
- Te trair e te deixar?
- Sim.
- Acho que tem algo a ver com Bruno ser um homem bonito, sabe.
- Eu também sou – declarou ele indignado, sem a menor indicação de modéstia.
- Sim, é, mas você deve compreender que parece um tipo meio frágil, enquanto Bruno é mais...
- Macho, moreno, alto e sensual? – completou ele, aborrecido.
Cristina mordeu os lábios para não rir.
- Sim – e, ignorando uma observação mordaz, prosseguiu - De qualquer forma, o que você vai fazer agora?
James a encarou.
- Você quis dizer se eu quero você de novo?
Cristina engoliu em seco. Como quem cala, consente, ele continuou.
- E onde fica a sua opinião que sou gay?
- Acho que está tudo bem até você se assumir – respondeu Cristina, já impaciente.
James sorriu.
- Hipocrisia, teu nome é Cristina. Venha, vamos almoçar.
-
Cristina dificilmente se encontrava com Olga no elevador. Às vezes, até topava com ela quando saía com Maurício de manhã, mas nunca haviam ficado novamente a sós desde aquele elevador, tanto tempo antes.
Mas ela sabia que aquilo fatalmente ocorreria de novo e, de acordo com a lei das probabilidades, em breve.
Acabou acontecendo no meio de agosto.
- Olá – cumprimentou ela, carrancuda. Não por Olga estar no elevador, mas sim por ter dormido menos de cinco horas naquela noite.
Olga acenou com a cabeça enquanto Cristina entrava no elevador. Logo em seguida, as portas se fecharam e ele começou a descer.
- Onde está Maurício?
Cristina encarou a mulher de cima a baixo.
- Foi para o trabalho mais cedo – respondeu, estranhando. Aquilo seria o início de uma conversa civilizada? Não, não era possível. Ela ainda não estava em Marte.
- Vai de táxi?
- Não, pedi o motorista para a Teresa.
- Hum – fez Olga – Estou surpresa. Teresa é muito possessiva.
- É, eu sei. Ela me fez prometer antes que eu não fugiria com o Mário.
Olga pareceu pensar sobre aquilo por um bom tempo. Faltavam alguns andares para o de Cristina chegar quando:
- Comecei a ler A Arte da Guerra.
Cristina olhou espantada para ela.
- Não parece. Você está tão pacífica.
Olga sorriu no instante em que o elevador parava no seu andar.
- “Deixe seus planos ficarem secretos e impenetráveis como a noite e, quando atacar, caia como um relâmpago.” Bom dia, Cristina.
E empurrou a porta, saindo e deixando uma Cristina intrigada dentro do elevador.