Capítulo 54
1120palavras
2023-03-15 05:39
Não muito tempo depois, Cristina teve a chance de tirar aquela história a limpo. Era manhã cedo ela saiu com Maurício para trabalhar e, na garagem, deram de cara com Olga. Ela deu um tchauzinho rápido e tentou sair de fininho, mas Cristina não poderia perder aquela chance. Pediu para Maurício esperar e correu até Olga, parando-a no exato momento que ela entraria no carro.
- O que foi? – questionou a outra, irritada, antes mesmo que Cristina tivesse chance de dizer qualquer coisa.
Cristina ergueu as sobrancelhas.
- Olha, sabendo agora de tudo o que sei, essa sua animosidade toda pode muito ter outra explicação.
- Essa animosidade toda? Poupe-me, Cristina. Sabemos muito bem quem tem algo contra alguém aqui. Eu só me defendo.
- Ter um problema pessoal é uma coisa. Uma paixão não correspondida é outra.
Olga olhou-a de cima a baixo com ar duvidoso.
- Nem se você quisesse, vaca. Não gosto de ruivas pintadas.
- Ah, então você é lésbica mesmo?
- Então, Miguel contou para você.
- Evidente. Ele estava em estado de choque.
- Não devia. Eu não sou lésbica.
- Então porque você enfiou a língua na boca de Leila Rehbein?
Olga abriu a boca para responder, depois pensou melhor e fechou-a.
- Não vou fazer confidências a você.
Cristina fez um muxoxo de pura contrariedade. Mas, secretamente, admirou a inteligência da mulher.
- Claro que não vai. Alguém que conhece o inimigo e a si mesmo vence todas as batalhas.
- Como?
- Sun Tzu – esclareceu Cristina – Voltei a ler.
- A Arte da Guerra?
- Sim.
- De novo? Achei que tinha terminado com isso.
Cristina a encarou e sorriu.
- Jamais. Bem, tenho que ir. Só vim para você saber que eu sei.
- Bem – começou Olga – E agora eu digo que não me importo.
Cristina piscou.
- Como?
- Se quiser, faça uma faixa e ponha na sua janela para o mundo inteiro ler. Não me importo.
Ela ficou francamente espantada.
- Quer destruir seu casamento?
- Não é uma mentira que irá fazê-lo – comentou Olga, piscando para ela e entrando no carro – Tchau, Cristina.
- Mas...
O carro disparou a menos de dois metros dela. Cristina fechou a cara e foi andando para Maurício.
Como chantagear alguém que não tem o que temer?
Assim não era possível.
-
Desde o início, Cristina soubera que as naturezas de seus diversos confrontos eram muito distintas. Olga era como a União Soviética; parecia forte, resistente, autossuficiente, sem fraquezas que não conseguisse manejar. Em suma, parecia invencível, exatamente como seu país relacionado poucos anos antes de sua derrota na Guerra Fria. Bárbara era como o sul dos Estados Unidos antes da Guerra Civil; outrora aliado, se virara contra seu gêmeo e, após uma campanha inicialmente bem-sucedida, fora esmigalhado em batalha.
Já Tânia parecia ser seu Vietnã.
Após alguns meses de guerrilha com a desgraçada, Cristina começava a acreditar que não seria capaz de vencer. Não porque Tânia tivesse as melhores armas, mas simplesmente porque fizera os movimentos corretos na hora certa. Fizera James acreditar que ele era absolutamente indispensável para sua felicidade – e, para alguém que evidentemente se achava o melhor produto da Inglaterra desde o chá das cinco, aquilo fora irresistível. Isso, junto com seu novo look diva, o amarrara direitinho. Eles já planejavam se casar no ano seguinte. Até já haviam decidido o nome do filho. Seria Edward, pelo finado pai de James.
Quando soube daquilo, Cristina foi vomitar no banheiro. Quando saiu, já recuperada, foi direto para o casal e perguntou se o filho deles também brilharia ao sol. Eles saíram andando e não se dignaram a responder.
Porém, mesmo com pequenas sabotagens bem-sucedidas, ela não conseguia provocar discórdia entre o casal. James e Tânia pareciam ter-se acertado de vez. Agora, ele nem estava mais ligando para a ligação dela e Bruno, e parecia sinceramente desejar que Cristina fosse para o inferno se divertir, se assim quisesse. Depois de tantos anos sendo amante de uma mulher casada, o homem parecia genuinamente satisfeito em se casar, sossegar – mesmo que, por baixo de todo o glamour, Tânia ainda fosse uma mulher bem mediana -, ter filhos e continuar cuidando de sua gata. Em suma, era a aceitação de quem estava à beira dos 50 anos.
Foi quando Cristina percebeu que tinha perdido. Primeiro, a ideia a fez se revoltar, depois se deprimir, e então, finalmente, tentar desencanar. Ela não precisava de James, não realmente. Afinal, ela tinha um marido. E outro amante.
Assim pensando, ela partiu para as férias de verão com suas filhas e seu marido, voltando no início de 2024 com um belo bronzeado, um guarda-roupa renovado, cabelos mais sedosos do que de costume e pensamentos insistentes sobre o gostosíssimo garçom do hotel, só para descobrir em menos de 15 minutos que agora o vento soprava em outra direção.
Para começar, James estava sozinho. Tânia não estava sequer em nenhum lugar próximo. Cristina foi instintivamente quase saltitando para perto dele no sofá.
- Olá – cumprimentou - Cadê o polvo grudento?
James lhe lançou um olhar mal-humorado antes de responder.
- Como eu vou saber?
Cristina estranhou.
- Por que é sua noiva?
- Não sei até quando – retrucou ele – Ela pediu um tempo.
Foi quando ela se sentou ao lado dele no sofá.
- Como isso aconteceu? – questionou com interesse.
- Ela disse que está confusa. Precisa de um tempo para pensar mais se é mesmo isso que quer.
Cristina franziu a testa.
- Engraçado, eu achei que casar com você fosse a razão da vida dela.
- Pelo visto não – disse ele, brincando com seus óculos.
- E ela parou de falar com você? Totalmente?
- Não. Ela ainda me cumprimenta quando nos encontramos.
Cristina sentiu pena. O sonho do homem estava sendo despedaçado por uma versão piorada dela mesma.
- Mas obviamente isso não aconteceu com Bruno – acrescentou ele com um azedo peculiar na voz.
Cristina olhou na mesma direção da dele. Bruno e Tânia entravam na sala dos professores conversando animadamente. Quando viram os dois sentados no sofá, acenaram. Tânia, porém, não veio na direção de Cristina como se fosse matá-la.
Foi quando ela percebeu que a coisa era mesma séria.
Virou-se para James, subitamente inspirada a consolá-lo.
- Quer beber? – perguntou, querendo ajudar.
Ele a olhou com estranheza.
- Cristina, ainda não são oito horas da manhã.
- O bar já está aberto.
- Para os bêbados – sublinhou ele.
- Certo – concordou ela de má vontade - Depois do trabalho, então?
Ele a encarou por longos segundos. Então, cansado, cedeu.
- Tudo bem. Acho que estou precisando.