Capítulo 53
1426palavras
2023-03-13 06:07
Alguns dias mais tarde, Cristina foi cercada.
- O que você fez?
Ela ergueu os olhos para James.
- Nada. Sou inocente.
Ele não riu. Apenas fez um gesto de descarte com a mão.
- Não quero saber de ultimamente. Eu quero é saber o que você fez com “aquele pobre professor de química”, como disse Tânia.
Cristina deu de ombros.
- Faz muito tempo. Quer mesmo saber? A história é longa.
- Ah, com certeza. Pode começar.
Cristina olhou para um lado e para o outro. A alguns metros de distância, Tânia estava absorvida numa conversa com Bruno. Estavam seguros. Suspirou e sentou-se num sofá.
- Relaxa que isso vai demorar – advertiu.
James sentou.
- O nome dele era Daniel – começou ela.
Ele fez um gesto para incentivá-la a continuar.
- Era muito bonito. Muito cavalheiro também – prosseguiu ela – Mas, como ninguém é perfeito, calhou que ele resolveu ser professor de química. Meu professor.
- Acho que já sei como essa história termina – observou ele.
- Então, numa das provas, eu tirei uma nota horrorosa – continuou ela, ignorando James – Simplesmente horrorosa.
Ele permaneceu em silêncio, aguardando que ela continuasse.
- Era tão horrível – insistiu ela – mas tão horrível, que eu não seria aprovada. E eu não queria ficar um ano que fosse a mais estudando.
Nesse ponto, ela parou.
- E?
- Bem – ponderou Cristina, com um sorriso particularmente sonso - todos oferecem o que podem dar, não?
James não falou nada por alguns instantes, seu silêncio mostrando toda a sua censura.
- Então foi isso? – questionou ele – Você o subornou com sexo, e fim? Pensei que você tinha destruído a vida do sujeito.
- Ainda não terminei, James. Então, um dia, minha mãe, que é pedagoga aqui, descobriu que eu andava estando na cama dele, contou para a diretora, que demitiu o cara. Consideraram que ele tinha abusado da autoridade dele – Cristina deu uma risadinha – Veja que absurdo.
- Grande absurdo – repetiu ele azedamente – Mais algo?
- A esposa dele também pediu o divórcio. Acho que ela estava grávida na época.
- Ah – fez James, e foi só.
- Pensando bem agora – começou Cristina, pensativa – acho que ferrei mesmo com a vida do cara.
- Você acha? – perguntou ele meio incrédulo – Então eu acho que escapei do mesmo destino desse coitado.
- Coitado nada. Ele foi é idiota. A culpa não foi minha. Ganhei os pontos que faltavam e pronto, para mim estávamos quites. Mas ele discordou. Foi quando foi descoberto. Por pura, estúpida paixão. E, para sua informação, você ainda é pior do que ele, James.
Ele riu de puro escárnio.
- Nunca estive com uma menor de idade.
- Pelo menos ele foi honesto. Agora você... vamos ser sinceros. Todas essas mulheres que você teve, você nunca quis nenhuma delas. Não de verdade.
- Cristina, mude o disco. Você não vai me convencer que virei gay.
- Ninguém “vira” gay. Talvez você sempre tenha sido assim. Mas é claro que você rejeita isso. Mas um dia você não vai conseguir... talvez não esteja mais, na verdade.
Por um segundo, ele foi atingido, mas rapidamente disfarçou sua perturbação, e, logo depois, usou o sinal tocando como desculpa para ir embora.
-
Numa bela noite em meados de agosto, Cristina, chegando a casa com Alice nos braços e Isabella firme pela mão, deu de cara com Miguel esperando-a na porta do apartamento. Foi quando começou a achar que uma bomba não literal estourara na residência dos Rachmaninoff-Resende.
- Miguel? O que houve?
Ele abriu a boca, mas desistiu quando viu as crianças.
- Lá dentro – disse.
Eles entraram. Isabella correu para o quarto quase imediatamente. Cristina pediu para Miguel esperar e foi lá dentro trocar a roupinha de Alice, sentindo uma nervosa sensação de tragédia iminente. Afinal, Miguel nunca aparecia no seu apartamento daquela forma. Quer dizer, aparecia, mas nunca sem segundas intenções.
Quando terminou de colocar algo mais confortável em Alice, voltou para a sala com a filha caçula, depositando-a no tapete macio, onde ela começou a brincar com um ursinho de pelúcia. Então, se ergueu e encarou Miguel. De cara, teve certeza que o assunto era sério.
Mas não fazia ideia que era tão chocante.
- Olga é lésbica – disparou ele.
Cristina sentou-se lentamente no sofá enquanto absorvia a informação.
- O quê? – conseguiu dizer depois de alguns segundos.
- Olga é lésbica – repetiu ele, sentando-se do lado dela – Ou um tipo estranho de bissexual, já que não gosta muito de fazer sexo comigo, sei lá. Só sei que ela gosta de mulher.
- Como você sabe disso?
- Da forma mais fácil que se poderia saber.
Cristina só olhou para ele enquanto sua mente processava a revelação.
- Você... você a pegou na cama com uma mulher?
- Na verdade, não. Elas só estavam se beijando.
- Quem era a outra?
- Uma amiga dela, Leila. Acho que o sobrenome é Rehbein.
Cristina tentou se segurar, mas não conseguiu. Caiu na gargalhada. A justiça tardava, mas não falhava. Era mesmo um ditado muito correto.
- Você a conhece? – perguntou Miguel, intrigado pelo riso repentino.
- Sim... quer dizer, mais ou menos. Longa história, nem pergunte.
Miguel assentiu, mas continuou com a expressão intrigada.
- Mas como foi? – continuou ela, querendo mais detalhes sobre a cena – Digo, o flagra.
- Eu cheguei do trabalho e entrei sem fazer barulho. Elas estavam no sofá, se beijando. Então...
- E as crianças? –interrompeu Cristina.
- Na casa de mamãe. De qualquer forma, na hora, eu fiquei meio... você sabe.
Foi a vez de Cristina ficar intrigada.
- Não, não sei.
- Ver duas mulheres ficando é a maior fantasia de qualquer homem. E, se uma delas é a sua esposa, fica melhor ainda.
- Deixa eu ver se entendi – começou Cristina, conformada – Antes de qualquer coisa, você ficou excitado com a cena.
- É, fiquei – admitiu ele, e teve a decência de parecer constrangido – Tive a esperança de...
- Já sei, não precisa entrar em detalhes.
- Certo.
- E o que aconteceu depois?
- Depois eu notei que... elas não precisavam de mim. Não sei explicar direito. Só sei que elas pareciam muito bem sozinhas. Não precisavam de um homem. Principalmente Olga. Enquanto eu pensava nisso, pisei num piso de madeira frouxo que estalou, e elas me viram.
- O que elas falaram?
- Não sei. Elas falaram ao mesmo tempo, e não entendi... nem quis entender. Sabe, perceber que a sua esposa é lésbica é meio traumatizante. Então, desci e vi direto pra cá. Sabia que você devia estar chegando. Esperei uns 15 minutos e... aqui estamos.
Nenhum deles falou nada por algum tempo.
- E agora? – perguntou Cristina finalmente, tentando acalmar sua esperança pulsante - Você vai fazer o quê?
- Não faço ideia. É esquisito continuar dormindo com uma mulher que não gosta de quando vocês transam.
Aquela frase, dita de forma tão simples, bateu fundo nela, e doeu mais do que deveria. Muito mais.
- Você não sabe disso – respondeu ela com esforço, mal acreditando que defenderia Olga – De repente há outra explicação. Talvez ela esteja insatisfeita.
- Insatisfeita? Sexualmente, você diz?
De novo, a pontada dolorida.
- Talvez. Mas também pode ser pelo casamento em geral. Vocês têm problemas.
- Sim, temos.
- Isso não foi uma pergunta, Miguel. Eu ouço as brigas de vocês.
Não teve como ele contestar.
- Ela é um pouco... mandona – justificou-se - Quase como se eu fosse filho dela. Me irrita muito. Ela...
Foi quando Cristina decidiu interromper aquilo.
- Miguel – interrompeu ela – Eu quero você feliz. Se estiver separado daquela vaca, melhor pra mim, mas é você quem tem que decidir.
- É, eu sei. Mas meu casamento sempre foi uma complicação. Só de pensar em tentar resolver, já me cansa. Ficar com você é muito mais fácil.
E sorriu pra ela. Cristina sorriu também e o enroscou nos seus braços. Era bom, muito bom, ficar daquela forma, quase como se fossem só namorados. O que era um mal sinal.
Pouco tempo mais tarde, ele foi embora, deixando uma Cristina pensativa no apartamento. Chamou Isabella para lanchar e colocou Alice na cadeirinha para dar a papinha, tudo sem conseguir parar de pensar em como poderia tirar vantagem da recém-descoberta sexualidade oculta de Olga.
Afinal, tinha que ter alguma vantagem em saber disso.