Capítulo 51
1742palavras
2023-03-09 09:00
Alguns meses depois de descobrir que poderia ter engravidado de seu cunhado, e, por consequência, agora viver num estado de perpétuo pânico interior, Cristina descobriu que Olga estava novamente grávida. Mas antes do tempo de conseguir falar “De novo, porra”, ela sofreu um aborto espontâneo. Estava de cama por alguns dias. Quando Cristina chegou lá para visitá-la com Teresa, ela estava com Yuri na cama vendo um filme, dando risinhos contrafeitos. Pelo visto não estava deprimida.
- Ah, vocês – disse ela quando viu as duas perto da porta – Yuri, vá ficar com seus irmãos.
Com cara amarrada, o garoto saiu.
- Como está, Olga?
- Estou bem. Não foi tão ruim. Somente um pouco de sangue no chuveiro.
- Vai tentar de novo?
Olga sacudiu a cabeça.
- O mundo já está cheio demais. Vou fazer laqueadura.
Teresa pareceu decepcionada. Seu sonho de muitos e muitos netos acabara. Nesse momento, Yuri gritou em algum lugar do apartamento e ela correu para socorrê-lo.
Então, Olga olhou para Cristina pela primeira vez. Diante dela, que acabara de sofrer um aborto, subitamente sua gravidez se tornou muito viva, muito real, assim como seu pânico por Miguel poder ser o pai.
- Você engordou – observou Olga, distraída com a televisão ainda ligada – Justo você, que sempre se gabou de sua forma e beleza.
- É porque estou grávida – respondeu Cristina.
Olga virou a cabeça num átimo e fitou-a criticamente.
- Ah – fez, e sorriu, maldosa – Dessa vez sabe quem é o pai?
- Sabendo ou não sabendo, ainda tenho 100 % de sucesso – rebateu Cristina – Sabe como é. Engravidei duas vezes e segurei os dois.
Antes de terminar a frase se sentiu culpada pela crueldade. Mas a expressão de Olga não se alterou. Não foi atingida. Foi quando Cristina pensou que ela devia estar aliviada. Não teria mais um quarto filho, afinal. Uma quarta carga.
- Essa foi a primeira vez que perdi um filho – retrucou – E você ainda pode perder seu segundo.
Mas Cristina não ouviu. Seu alarme mental tocara na primeira frase de Olga.
- Não foi a primeira vez – disse lentamente – Seu primeiro. Não se lembra?
A expressão de Olga deixou claro que não.
Talvez porque aquele primeiro bebê, que ela usara para agarrar Miguel, jamais existira.
- Ah, sim – falou ela finalmente, muitos segundos atrasada – Foi há muitos anos.
- Não disfarce, Olga. Eu já entendi. Você mentiu.
O rosto da mulher ficou sensivelmente mais pálido.
- Está alucinando, Cristina.
- Ah, não mesmo. Sabe, sempre achei isso. Foi tudo armadinho demais. Perder o bebê justamente quando devia começar a engordar foi suspeito. Mas Miguel nunca desconfiou, aposto. Mas eu sim.
- Boa história, mas não é verdade.
- E você simplesmente esqueceu uma gravidez? Conte-me outra.
- Acredite no que quiser – murmurou Olga, irritada.
Cristina sorriu.
- Ah, pode ter certeza que eu vou.
-
Em meados de abril, quando Cristina sentiu o primeiro chute do bebê, ela decidiu finalmente contar à Isabella que ela ganharia uma irmãzinha. Embora intrigada por que Papai Noel simplesmente não deixara o bebê em cima da mesa, ao invés de deixá-lo na barriga de sua mamãe, ela ficou numa felicidade comovente.
Mais tarde, no mesmo dia, Cristina foi conversar com Miguel.
- E se for meu?
Os dois estavam sentados em duas cadeiras na varanda do apartamento de Cristina. Não muito longe deles, na sala, mas sem poder ouvir a conversa, Isabella e Gregori aparentemente discutiam no peculiar idiota infantil. Perto deles, Dimitri estava tristemente excluído.
- Não sei se vai importar – ponderou Cristina – Você tem que concordar que é parecido com Maurício. Se fosse seu, ele nunca notaria a diferença.
- Não vou permitir.
Espantada, Cristina olhou para Miguel.
- Não vou deixar outro homem criar o meu filho – disse ele, decidido.
- Filha – consertou Cristina – No último exame, soube que é menina.
Miguel a olhou de forma estranha. Sentimental, talvez.
- De qualquer forma – desviou ela, tentando distraí-lo – Se for sua, e você quiser assumir, vai ser o dia do apocalipse.
Miguel deu de ombros.
- Se é minha, eu a quero como minha filha. Não sobrinha.
Cristina suspirou. Pelo visto, nada o faria mudar de ideia. Teria que arranjar um jeito de fazê-lo mudar de opinião se a menina fosse realmente dele. Ou isso ou deixá-lo assumir e fugir para as Bahamas para escapar da vingança de Maurício.
- A ideia de fazer um teste numa clínica não me deixa feliz – disse.
- Tem outro jeito de saber, por acaso?
Cristina hesitou. Ela se lembrara de um pouco das tão longínquas aulas de Genética.
- Depende. Qual é o seu tipo sanguíneo?
Miguel pareceu intrigado, mas respondeu.
- O+.
- O meu também.
- Sem querer parecer um grosso, mas e daí?
- E daí que um filho nosso com certeza seria tipo O também.
Miguel a olhava atentamente.
- E...
- E daí que Maurício é AB – explicou Cristina, impaciente – Um filho dele poderia ter qualquer tipo sanguíneo, menos O. Então, essa seria uma forma de saber com certeza a paternidade do bebê – fez uma pausa e, concluiu, azeda – Para o bem ou para o mal.
Miguel a encarou, magoado.
- Você não quer que ela seja minha filha?
- Nada pessoal, mas não – disse ela, forçando-se a ser determinada – Seria confusão demais. E eu não quero isso.
Os dois ficaram em silêncio por um tempo.
- Acho que enfiar uma agulha num bebê é demais – opinou Miguel.
- Não é invasivo, só uma picadinha no pé. É um exame regular nos recém-nascidos. Não despertaria suspeitas. Se fôssemos a uma clínica com Alice, Maurício iri...
- Alice? – interrompeu Miguel – Já decidiu o nome tão cedo?
Cristina corou levemente.
- O de Isabella foi literalmente no último segundo – justificou-se ela – Vou fazer melhor com esta.
Miguel assentiu. Depois de uma olhada nas crianças, aproximou a cadeira da de Cristina e pôs levemente a mão sobre a barriguinha dela.
- Sabe – começou, com um tom definitivamente sentimental – Sei que vai causar problemas para você, mas eu gostaria que ela fosse minha filha.
- Miguel, você já tem três filhos.
- Meninos – lembrou ele – Eu sempre quis uma menina.
Relutantemente, Cristina sorriu. O pensamento de ter um bebê com Miguel era quase comovente.
Mas também era uma merda.
-
Em 28 de setembro de 2022 nasceu Alice, bem no tempo certo, e Cristina soube pela primeira vez como era entrar em trabalho de parto. Sofreu apenas algumas horas com as contrações, mas foi o suficiente para prometer a si mesma: nunca mais. Aquela era sua última filha com Maurício. Como estava inconsciente no nascimento da última, não tinha ideia que aquela porra doía tanto. Mais tarde, quando Olga soube daquilo, declarou que Cristina era mesmo fresca demais, já que ela própria não sentira nada mais no nascimento dos três filhos do que uma pequena cólica. Ao que Cristina respondeu que ela envergonhava todas as feministas sendo uma parideira profissional.
Depois daquela, ela só não apanhou porque Miguel interviu.
Tirando aquilo, porém, os meses seguintes ao nascimento de sua caçula foram tranquilos. Cristina voltara ao seu estado normal. Como os exames de sangue feitos logo após seu nascimento haviam decretado que ela era tipo sanguíneo A, Alice não poderia ser filha de Miguel. E, mesmo sem saber disso, Maurício nunca parecera tão contente.
Resolvidas todas as complicações, portanto, Cristina levava a vida cuidando de suas filhas e esperando a licença maternidade acabar. Em março seguinte, ela retornou ao Colégio das Irmãs.
Só para dar de cara com James enrolado com Tânia Vasconcelos.
Ela parou no meio da sala dos professores, absolutamente chocada. Antes que pudesse se recuperar, Tânia se aproximou, sorrindo. James, prudente, se afastou.
- Cristina Medeiros. Há quanto tempo.
Cristina ficou alguns segundos sem dizer nada, abismada.
- Oi, Tânia – finalmente disse.
Ela sorriu, exibindo todos os seus dentes brancos.
- Soube que você teve um bebê – falou ela, num tom animado horrivelmente falso – Qual o nome?
- Alice.
Tânia assentiu.
- Belo nome – opinou, e olhou seu relógio – Acho que vou subindo para a reunião – e para James - Tchau, querido.
E saiu.
Cristina passou algum tempo em estado de suspensão. Não conseguia pensar. Estava num choque extenso demais. Quando ela se recuperou, porém, nada pode salvar James de sua fúria. Ela marchou até ele decidida a fazê-lo se arrepender do dia que olhara novamente para Tânia Vasconcelos.
- O que você andou fumando? – questionou ela, ofensiva - Porra, James!
- Ela mudou – justificou-se ele.
- Você é um homem ou um rato? Ela destruiu seu carro, lembra? E te enfiou a porrada.
James se endireitou.
- Ela só fez isso por que você a pressionou – declarou.
- Ah, então a culpa é minha?
- Na verdade – começou ele, meio friamente - é.
Cristina ficou espantada demais para falar por um tempo.
- Quando ela voltou? – perguntou, perturbada.
- No início do ano. Cristina, eu nunca te prometi fidelidade, você sabe disso. Nem faria sentido, já que você é casada.
- Mas a Tânia... você sabe que ela não é aquilo.
- Ela fez tratamento psiquiátrico depois do que aconteceu com ela. Sinceramente, eu acho que está bem melhor.
- Você vai casar com ela?
- Vou – disse ele, decidido – Ela é a mulher certa, e...
- ...você tem 46 anos – completou Cristina – Já sei. Faça o que quiser, não vou me meter.
James deixou entrever por alguns segundos uma expressão de alívio abençoado. Depois, disfarçou. Então, assentiu e se foi. Logo depois, Cristina foi também. Sentia-se derrotada, um caco de mulher.
Mas as surpresas do dia não haviam terminado.
- Oi, Cristina.
A voz viera por trás dela. Ela se virou e deu de cara com nada mais, nada menos do que Bruno, o ex-monitor.
- Oi, Bruno – cumprimentou ela, espantada.
Ele deu um pequeno sorriso e a abraçou.
- Acho que sou seu colega de trabalho – disse ele bem perto do ouvido dela.
Ela retribuiu o abraço dele, sentindo a esperança renascer. Ela ainda não fora derrotada.
Com a volta de Bruno, o monitor, ao jogo, Tânia Vasconcelos teria que lutar muito para derrotá-la.