Capítulo 50
1346palavras
2023-03-06 04:03
No início, tudo parecia muito bom. Tudo deveria ser muito bom. Maurício dera a benção para a traição da própria esposa e, embora Cristina não entendesse bem esse desapego, para ela deveria ser ótimo. Ela agora não precisava mentir. Tanto, pelo menos. Miguel continuava no jogo, e nem se Jesus Cristo em pessoa o defendesse impediria Maurício de despedaçá-lo se um dia ele sequer desconfiasse que a relação de ambos não era apenas de cunhado/cunhada. Mas com James estava tudo bem. Desde que ele não aparecesse perto de seu marido, continuaria vivo e bem, enquanto ainda esperava uma hipotética esposa e mãe de seu filho. Estaria tudo ótimo. Ela deveria estar feliz, não deveria?
Mas, à medida que o ano foi passando, ficou claro que aquilo não era o suficiente. Não era o que ela queria.
Porque ela começou a odiar o silêncio daquele apartamento.
Tecnicamente, a vida conjugal continuava a mesma. Ela e Maurício dormiam na mesma cama, e eventualmente cumpriam seus deveres conjugais. Mas não havia mais a emoção, nem carinho, nem amizade, nem amor. Eram quase estranhos.
Estavam em maio quando ela pensou em pedir o divórcio. Passou algumas semanas pensando nisso antes de perceber que era positivamente incapaz de tal coisa. Pelo menos, por enquanto. Apesar de tudo, gostava de Maurício e queria permanecer casada com ele. Queria um pai para Isabella.
Permanecer casada com ele.
Tinha certeza que seu eu de apenas alguns anos antes não compreenderia aquilo. Por que permanecer casada? Ela com certeza ganharia uma pensão após o divórcio. Isso, junto com seu emprego, seria bem suficiente para seus gastos.
Mas não era realmente isso que ela queria agora. Soubera quando tivera o tão longínquo ímpeto de arranjar alguma atividade, qualquer uma, quando Isabella ainda era pequena e ela estava entediada. Dar o golpe e nadar na grana não era realmente mais o único objetivo da sua vida. Cristina não sabia bem quais eram os outros, mas tinha certeza que um deles não incluía se divorciar.
Mas também não queria continuar casada com um estranho que mal conversava com ela.
No dia 5 de dezembro a situação, finalmente, se definiu. Por volta das sete da noite, Cristina encontrou Maurício sentado no sofá trabalhando no seu laptop. No momento, lia algo com muita atenção.
- Fazendo o quê? – perguntou ela, tentando soar amável.
Maurício levantou a cabeça e olhou para ela.
- O e-mail de Isabella para o Papai Noel – respondeu ele, mantendo a mesma expressão séria – Ela me pediu para enviar.
- No nosso tempo, eram cartas – comentou Cristina, se aproximando.
Maurício assentiu e voltou o olhar para a tela.
- O que ela pediu?
Ele olhou para ela de novo.
- Uma irmã.
O coração de Cristina pulou. Ela se sentou no sofá ao lado de Maurício e leu o e-mail.
Querido Papai Noel
Eu gostaria nesse Natal de ganhar uma irmãzinha. Não bonecas de novo.
Grata, Isabella.
Cristina ficou olhando para tela por um bom tempo, pensando se era normal uma criança de quatro anos usar a palavra “Grata”. Apostava que Gregori não usava.
- Estou pensando em substituir a irmãzinha por um cachorro – disse Maurício, pensativo – Ou um gato.
Cristina o olhou e, subitamente, tomou sua decisão. Sem dúvidas ou hesitações. Estendeu uma das mãos para tocar o braço de seu marido. Maurício se sobressaltou com tal toque tão incomum.
- Podemos ter um bebê – disse ela em voz baixa – Talvez não uma irmãzinha, mas um bebê de qualquer forma.
Maurício a olhou por alguns segundos sem falar nada. Então, afastou a mão dela.
- Não acho que seja o melhor momento para um bebê.
- Quando tivemos Isabella, foi longe de ser um bom momento – argumentou Cristina.
- Amo Isabella, mas ela foi um acidente. Essa criança não seria. Não, Cristina.
Cristina abaixou os olhos brevemente enquanto entrelaçava os seus dedos com os de Maurício. Quando terminou de fazê-lo, ergueu o olhar novamente.
- Quero salvar nosso casamento, Maurício.
- E outro filho faria isso?
- Nos deixaria juntos novamente. Como éramos antes.
- Antes não existia um terceiro no nosso casamento – comentou ele, e era óbvio a quem se referia.
- Me afastarei dele – prometeu Cristina, e reforçou – Se você me der essa chance, juro que vou. Meu Deus, Maurício, confie em mim. Eu quero salvar esse casamento.
Maurício hesitou por alguns segundos.
- Faria mesmo isso? - perguntou como quem hesitava em ficar esperançoso.
- Faria – respondeu ela, e era verdade – Quero que as coisas voltem ao normal entre nós.
Maurício sorriu. Era a primeira vez que Cristina via aquilo em muito tempo.
- Então está tudo bem – cedeu – Suspenda seu anticoncepcional e o que tiver que ser, será.
-
Isabella, concebida com tantos métodos anticoncepcionais no meio, acostumara Cristina mal, mas a verdade era que engravidar não costumava ser tão fácil assim.
Ela tomou todos os cuidados e precauções. Logo na semana seguinte, marcou uma consulta com sua médica para checar se estava tudo certo. Como estava, ela suspendeu suas injeções e mandou brasa.
Infelizmente, ela só podia mandar brasa com Maurício. E teve que deixar isso logo muito claro.
Com James, não foi complexo. Ela simplesmente parou de aparecer no apartamento dele. Quando, três semanas depois, ele a questionou sobre aquilo, ela disse que queria ter outro bebê e, para isso, suspendera o anticoncepcional. Foi o suficiente para que ele começasse a evitá-la como se Cristina estivesse com Ebola, ou então pudesse engravidar apenas com a respiração dele. Era evidente que Isabella o traumatizara.
Com Miguel, porém, foi mais difícil.
- Mas por que você quer ter outro filho? – perguntou ele assim que ela contou.
- Por que você teve três? – devolveu Cristina, mordaz, e justificou-se – Porque acho que um bebê melhoraria as coisas entre eu e Maurício.
Miguel a encarou com a expressão enciumada.
- E por que temos que parar de transar?
Cristina só olhou para ele, não realmente acreditando naquela pergunta.
- Tá, eu entendi que você não quer que eu te engravide, mas existem métodos para que isso não aconteça. Como camisinha.
- Camisinhas estouram – lembrou Cristina, sombria ao se lembrar de própria experiência.
- Não precisamos fazer nada que engravide você – disse ele então, sugestivo.
Cristina pensou naquilo por um segundo. Depois, descartou a ideia.
- Não acho que vá dar certo – respondeu ela – Acho que você vai ter que se arranjar com Olga pelos próximos meses, Miguel.
Ele ficou insatisfeito, mas ela não cedeu.
Assim, o ano de 2021 começou, com Cristina e Maurício tentando fazer outro filho com tanto empenho que às vezes o homem parecia à beira da morte por exaustão. E, naqueles meses, Cristina sonhou com mais bebês do que em toda a sua vida.
Em maio, sua menstruação falhou. Mas a expectativa durou apenas alguns dias; fora apenas um pequeno atraso. Alarmada com o tempo que aquilo já estava demorando, Cristina voltou à médica. Foi quando teve que recordar que era uma mulher de quase 30 anos, não mais a jovem fértil que engravidara de Isabella. Sem contar que a gonorreia poderia ter prejudicado sua fertilidade.
Resolveu redobrar seus esforços. Foi quando Maurício quase morreu de vez.
Porém, quando chegou o Natal, ela ainda não estava grávida. Então Cristina desanimou. Apesar de a médica ter dito que demorar até um ano para engravidar era normal, ela estava descrente. Fertilidade era fertilidade, e para engravidar só era preciso uma vez. Talvez ela tivesse ficado estéril com a doença. Ou talvez só fosse velha demais.
Nesse contexto, ela finalmente cedeu a Miguel, que nunca parara de tentar algo com ela. Depois, ela se sentiu culpada e nervosa. Afinal, ainda não estava usando anticoncepcional, já que as tentativas com Maurício não haviam cessado. Eventualmente acabou relaxando. Se ela não engravidara com tantas tentativas com seu marido, pensou, não seria uma rapidinha com Miguel que iria fazer o bebê.
Duas semanas depois, sua menstruação falhou novamente. E, dessa vez, ela estava grávida.