Capítulo 48
1175palavras
2023-03-02 05:47
Começou pouco depois do aniversário de Isabella, com o sangue. Muito e totalmente fora do seu período menstrual. Primeiro ela achou que, de uma forma totalmente Murphy, engravidara e estivesse abortando, mas, depois que o sangramento se estendeu por vários dias, percebeu que não era o caso. Provavelmente, uma aberração menstrual, concluiu.
Isso foi antes do corrimento.
Começou depois do fim do sangramento. Era amarelo, com cheiro ruim e, embora em pouca quantidade, assustador o suficiente para fazer Cristina marcar uma ginecologista com urgência. E, numa manhã de setembro, lá estava ela. Saiu com vários pedidos de exame, uma receita e um diagnóstico.
Gonorreia.
Ela ficou chocada. Depois, irritada. E então se dirigiu para o colégio numa espiral de fúria quase incontrolável. Estava decidida a se vingar.
Encontrou James ainda na sala dos professores.
- Oi, Cristina – cumprimentou ele, distraído.
Ela ficou parada na frente dele, séria. Ele se endireitou e a encarou, subitamente alerta.
- Bem – ponderou ele – Pela sua expressão, você não quer me desejar um feliz aniversário.
Ela se esquecera. Era 17 de setembro de 2019. James fizera 43 anos dois dias antes.
- Feliz aniversário – desejou ela entredentes.
- Obrigado – agradeceu ele um tanto receoso – O que acon...
- Eu tenho gonorreia.
O sinal tocou e a sala foi esvaziando rápido. Em pouco tempo, Cristina e James ficaram sozinhos.
- O quê? - perguntou ele finalmente, como se não tivesse ouvido.
Cristina respirou fundo, impaciente.
- Você me passou gonorreia naquela vez – disse ela num tom revoltado – Pelo menos não podia...
- Não fui eu – interrompeu ele, um pouco pálido.
Cristina ficou temporariamente muda de espanto.
- Claro que foi!
- Cristina, a última mulher com quem estive além de você nos últimos tempos foi Tânia. E isso tem quase um ano.
- Se não foi você, quem mais poderia ter sido?
Assim que fez a pergunta, seu cérebro deu a resposta, e ela percebeu rápido que era mesmo verdade. Sequer se preocupou com a negação. Como ela pensara que Miguel era o único amante de Bárbara? Ter pego só gonorreia tinha sido sorte.
- Acho que você sabe – disse James, azedo – Quando foi?
- Fim de agosto.
Ele respirou fundo, aliviado.
Foi quando ela subitamente se lembrou. E congelou de horror. Até James percebeu.
- O que foi agora?
- Maurício – sussurrou ela, horrorizada.
Na sexta-feira anterior fora o dia em que ela havia dormido com seu marido. Embora ele não fosse muito ativo, desde que eles haviam retomado o casamento, alguns anos antes, ele requisitava seus direitos uma vez a cada quinze dias, em média. Mais do que isso, não conseguiria nem fingir para si próprio que era heterossexual.
Se ele estava conseguindo se convencer, ela não poderia dizer. Mas poderia afirmar que agora ele tinha gonorreia.
- James – começou ela, hesitante, mas com o cérebro funcionando a pleno vapor para escapar daquela enrascada – Eu vou precisar de uma ajuda.
A expressão dele deixou claro que sabia que estava chegando encrenca.
-
Quando Maurício chegou ao apartamento, à noite, Cristina estava terminando de dar papinha para Isabella, ambas sentadas no sofá, enquanto na televisão 3D passava mais uma reprise de Toy Story 3.
- Olá – cumprimentou ele, beijando Cristina na testa.
Ela assentiu, sorrindo brevemente, e terminou de dar comida à filha, tentando não demonstrar seu nervosismo. Quando terminou, pôs Isabella no chão, onde ela ficou brincando de destruir mais alguns brinquedos. Embora soubesse andar há bastante tempo, gostava de engatinhar pelo tapete macio para se locomover pela sala. Parecia mesmo um cachorrinho.
Maurício se aproximou dela no sofá e passou o braço esquerdo por cima de seus ombros, com uma preocupação nascente estampada no rosto.
- Aconteceu algo? – perguntou baixinho – Você não parece tão bem.
Cristina desviou o olhar de seu bebê e encarou seu marido.
Se ela fosse casada com qualquer outro homem, não contaria sobre a gonorreia. Um marido normal, beirando aos 30 anos e distante da animação do início do casamento, já teria pulado a cerca àquela altura. Portanto, qualquer doença sexualmente transmissível seria atribuída a uma das amantes, e não à supostamente fiel esposa.
Mas Maurício não era qualquer homem, e muito menos um marido normal. Ele nunca pulara a cerca, nem tinha o menor interesse em fazer aquilo. E Cristina só achava que o teria no dia do apocalipse. Não existia nenhuma desculpa. A primeira e única mulher que tivera fora ela, sua esposa, e, portanto, a única via de transmissão de qualquer doença sexual.
Cristina não era um exemplo de bom caráter, mas também não era tão ruim a ponto de deixá-lo na ignorância sobre aquilo. Sabia que precisava contar.
Infelizmente, isso significava confessar um adultério.
De novo.
- Cristina?
Ela engoliu em seco.
- Maurício, preciso te contar uma coisa.
Ele a observou atentamente.
- Pode falar – disse, mas parecia um pouco receoso.
Cristina respirou fundo e se preparou.
- Eu tenho um amante – disparou.
Maurício só olhou para ela por um bom tempo.
- Ah – fez, e se levantou. Perto dele, Isabella brincava com um carrinho.
Cristina acompanhou seu movimento pela sala com o olhar, mais nervosa do que nunca.
- Quanto tempo? – perguntou ele.
- Algum – respondeu ela, propositalmente vaga.
Maurício se virou para encará-la.
- É ele, não é? – indagou, elevando o tom – Cristina, eu pedi para você!
Isabella começou a chorar. Maurício a pegou no colo e começou a balançá-la.
- Eu pedi pra você! – repetiu ele, agora baixinho, enquanto embalava o bebê que choramingava – Eu pedi para você não fazer isso!
- Não. Você pediu para eu não me envolver. E foi o que fiz.
- Você sabia o que eu estava querendo dizer, Cristina!
- Não grite, Maurício.
Maurício não disse nada. Continuou embalando Isabella. Depois que ela adormeceu, foi para o quarto colocá-la no berço. Depois de um tempo, voltou.
- Quero conversar – anunciou.
- Pode falar.
- Com ele também.
Cristina se levantou, ouriçada. Embora tenha feito os preparativos para tal situação, ela esperava realmente que não fossem necessários.
- Eu quero falar com ele também – repetiu Maurício pacientemente – Já percebi que nada vai parar você de se encontrar com ele de qualquer forma. Quero apenas negociar as condições.
Cristina apenas o encarou. Todas as vezes que Maurício a perdoara depois de uma traição, ela pensara que fora porque ele a amava. Agora estava pensando se ele já a havia amado em primeiro lugar. Talvez ela apenas tivesse sido fácil, como Bárbara dissera tanto tempo antes. Conveniente. Por que... negociar as condições? Que tipo de homem cedia a esposa daquela forma, afinal?
- Certo – disse ela finalmente – Vou me vestir e levar você no apartamento dele. Peça para sua mãe cuidar de Isabella.
Ele assentiu brevemente, pálido, e Cristina passou por ele em direção à suíte principal. Chegou lá, encostou a porta, e, finalmente sozinha, desdobrou o celular e digitou uma mensagem.