Capítulo 46
2078palavras
2023-02-24 03:46
Cristina pretendia ir levando a operação Mate A Víbora em banho morno por um tempo, até acertar os detalhes sobre a operação final. Não muito depois do meio do ano, porém, esses planos mudaram.
- Tenho uma má notícia – anunciou Miguel, sombrio, numa noite, enquanto se atirava no sofá de sua mãe.
Três pares de olhos femininos se focaram nele.
- Você engravidou sua madrasta? – perguntou Olga, ácida, enquanto balançava Dimitri.
- Claro que não – protestou Cristina imediatamente – Miguel não é tão burro assim. Ou espero.
- Agradeço pela confiança.
Cristina o encarou com expressão um tanto malévola.
- Eu disse espero – sublinhou, enquanto Miguel pegava Gregori no chão.
- Mas o que aconteceu? – cortou Teresa antes que o filho retrucasse – Qual é a tal má notícia?
Suspense se fez enquanto Miguel ajeitava melhor Gregori no colo. Então, passou um convite de casamento para Cristina.
- Merda – sussurrou ela enquanto as outras mulheres a cercavam.
- Casamento? – indagou Teresa, os olhos parecendo dobrar de tamanho enquanto decifrava as letrinhas douradas – Em dezembro?
- Em 7 de dezembro – especificou Olga.
Cristina fechou o convite.
- Isso acelera consideravelmente os planos – observou – Terá que ser no próximo final de semana.
- Na próxima semana meu pai estará em casa – observou Miguel - Vai tirar uma semana de férias.
- Ótimo – disse Cristina, indiferente – Facilita as coisas.
Ninguém falou nada por um longo, longo tempo.
- Deixa eu ver se entendi – começou Miguel, com um terror implícito na voz – Você quer que eu convença Bárbara a transar comigo enquanto meu pai está na sala ao lado?
- Por que não? Você fez isso na última vez que esteve lá!
- Claro que... Cristina, eu não sou louco. Nem Bárbara.
- Então porque sumiram durante aqueles vinte minutos?
- Vinte minutos? Cristina, você enlouqueceu? Não foram nem dez. E não ficamos juntos.
E, com súbita desorientação, ela percebeu que ele não estava mentindo.
- De qualquer forma – continuou Miguel, descartando a discussão anterior e não percebendo a confusão de Cristina –, não sei se consigo fazer isso.
Olga ergueu as sobrancelhas.
- Como não? – indagou, cheia de fúria controlada – Você já fez isso muitas vezes sem se queixar.
- Nunca com meu pai na casa – lembrou ele, olhando-a com ar rancoroso.
Cristina oscilou o olhar entre o casal divergente. Pelo visto, o plano Mate a Víbora estava os arruinando mais do que ela esperava. Miguel estava desgastado, e Olga estava cansada. Se aquilo acabasse num divórcio, não seria nada surpreendente.
- Como seria? – perguntou Teresa para Cristina, ignorando completamente o casal em discórdia – Digo, o próximo final de semana.
- Bem, depende.
Miguel olhou para ela.
- Depende de que? – indagou.
Apesar da atmosfera tensa do ambiente, Cristina deu um sorrisinho involuntário.
- Se o seu pai é surdo ou não.
-
Teresa primeiro encarou o papel em cima da mesa. Depois encarou Adriano.
- Não – disse simplesmente.
Seu marido-que-queria-virar-ex a olhou com ar descrente.
- Assine – mandou.
- Não – repetiu Teresa – Não concordo com isso.
Adriano cruzou os braços e mandou para ela o que Cristina suponha ser o seu olhar de poder. Era, aliás, muito melhor do que o dela.
- Você não tem realmente que concordar. Vou conseguir esse divórcio queira você ou não. Porém, se for consensual, tudo pode ser melhor.
Nesse momento, Cristina viu Teresa balançar.
Mas ela estava bem treinada.
- Não – repetiu ela pela terceira vez – E, mesmo que assinasse, esse seu novo casamento não teria legitimidade.
- Não teria legitimidade – repetiu ele, achando graça – E por que não teria?
- Por que não teria validade.
- Não teria validade? Aonde exatamente você vive, Teresa?
- No século XXI. Mas sou católica, Adriano, e sua verdadeira esposa. Se quiser casar com a sua amante, terá que esperar a minha morte. Ou virar um assassino.
- Considero bastante esse último – sussurrou Adriano, e ele parecia estar falando sério.
- Pai, por favor – pediu Maurício, alarmado – Não podemos ser mais civilizados?
Cristina se acomodou melhor no sofá e admirou a cena. Até então, tudo perfeito. Tudo ocorrendo de acordo com o planejado.
- Vocês não poderiam se relacionar melhor? Desde que posso me lembrar, vocês nunca trocaram uma palavra gentil.
- Claro que trocamos.
- Antes que você nascesse – acrescentou Teresa, azeda.
- E por que isso?
Teresa e Adriano se entreolharam brevemente.
- Não é da sua conta, Maurício – disse ela rispidamente.
Cristina ergueu as sobrancelhas. Essa atitude intrigante não estava no script. Investigaria mais tarde.
Mas agora não era importante. O que importava era o tempo. Checou o relógio. 15 minutos depois do discreto desaparecimento de Miguel e, depois, Bárbara. Adriano, já devidamente entretido com a discussão com Teresa, sequer percebera.
Ela deu uma leve cutucada em Olga e, quando esta olhou, apontou o relógio. Sem discutir, ela saiu sem fazer mais nada do que uma careta quase imperceptível. Para quem mais cedo estava acusando seu plano de ser suicida, estava sendo sem dúvida bastante colaborativa.
Nos minutos seguintes, ela mal ouviu a discussão entre Maurício, Adriano e Teresa. Ficou, esperando, tensa, pela volta de Olga, pensando obsessivamente naquela pequena bombinha caseira que conseguira com uns problemáticos do colégio. Como sabia que eles tinham experiência naqueles assuntos (como poderiam bem testemunhar os eventuais vasos sanitários explodidos), iniciou uma discreta negociação. Em troca do material que recebera, só precisaria ignorar algumas barbaridades deles sobre Revolução Francesa. Depois, fora só plantar os explosivos com discrição assim que chegara a casa.
Olga voltou para o escritório e se sentou novamente ao lado dela.
- E então? – perguntou Cristina em voz baixa, impaciente. Ainda não ouvira nada estourar.
Olga virou-se para ela e deu um sorriso rápido e superficial. Depois, voltou-se para a discussão.
- Isso tudo está acontecendo pela teimosia do seu pai – continuava Teresa.
- Teimosia, não. Fatos.
- Fatos? Foram circunstâncias sem provas.
- Mas, afinal, o que acon...
Foi quando aconteceu a explosão. Cinco pessoas se sobressaltaram em conjunto enquanto o local parecia sacudir. Quando o mundo parou, olharam na direção do ruído.
- Mas o que foi...? – começou Adriano, e emudeceu quando uma segunda explosão, ainda mais forte do que a primeira, estilhaçou algumas janelas do andar superior.
- Pode ser um incêndio – arriscou Cristina calculadamente, olhando para seu sogro.
- Não. Os alarmes de incêndio não dispararam.
- Então, deve ser gás – observou ela – Aliás, não estão sentindo um cheiro estranho?
Adriano demorou um segundo para registrar as implicações da frase.
- Bárbara – murmurou, e disparou para a porta e, depois, para as escadas. Todos o seguiram. Pouco antes de atingirem o vestíbulo, o barulho de uma terceira explosão os atingiu. Cristina começou a agradecer aos céus que aquela ia ser a última.
Mal haviam pisado no segundo andar quando Bárbara apareceu, vinda do corredor. Adriano a abraçou, evidentemente aliviado, ao mesmo tempo em que Miguel, vindo do mesmo lugar que ela, chegava derrapando.
Alguns instantes depois, Adriano afastou sua noiva lentamente, olhando-a de cima a baixo. Ele percebera que Bárbara estava só de lingerie.
- Bárbara, o que você está fazendo?
Ela tentou falar algo, mas nada suficientemente cínico veio à mente. Adriano olhou para o lado e então viu Miguel num estado igualmente desavergonhado. O rosto do homem ficou então mais pálido do que o de um cadáver.
- Mas o que é isso? – perguntou, mas já sabia. Tinha plena capacidade de somar os fatos.
Bárbara então recuperou a voz.
- Está desconfiando de mim, Adriano? – indagou, fazendo biquinho - De mim, sua noiva e futura esposa?
Cristina franziu a testa ao ver o homem balançar visivelmente. Incrível como era outra pessoa na mão daquela víbora. Mas tudo bem. Contra fatos não haveria argumentos.
- Considerando tudo o que aconteceu – começou – ele deveria desconfiar. Tantos sumiços misteriosos em conjunto, e agora isso? Vai usar de novo a justificativa do vinho, Bárbara?
Bárbara encarou o rostinho sonso de Cristina por um segundo e percebeu.
- Isso é uma armação! – esganiçou-se – Armação! Sua primeira família está armando contra mim, Adriano, quer que você ache que o traí com Miguel!
Adriano se virou para Cristina. Com o canto dos olhos, esta percebeu quando Olga se afastou com displicência.
- Isso é verdade? – questionou.
- Bem, é – assumiu ela um tanto relutantemente, incapaz de mentir na frente daquele homem – Mas ela certamente traiu. E digo mais, ela foi já foi amante de Miguel antes disso. E tentou ser de Maurício. É uma golpista. Não poderíamos deixar que se casasse com o senhor.
- Viu? – exclamou Bárbara, fazendo Adriano se virar novamente – Foi tudo um plano para me desacreditar! Nunca trai você, meu bem.
Adriano evidentemente estava hesitando entre as versões. Cristina não o culpava. Bárbara de lingerie era uma coisa.
- Supondo que isso seja verdade – recomeçou ele – Por que eu simplesmente não fui informado?
- Você não acreditaria – respondeu Maurício antes que Cristina abrisse a boca.
- Se vocês tivessem provas, por que não?
Ninguém disse nada.
- Como pensei – disse Adriano, recuperando sua confiança – Não sei realmente o que vocês têm contra Bárbara, mas isso foi longe demais. E termina aqui.
Cristina perguntou-se o que seria deles quando Adriano percebesse que parte da casa dele fora destruída propositalmente por eles. Também se perguntou por que um plano tão calculado dera tão errado no último segundo, quando os aliados deveriam triunfar, por um simples biquinho de uma víbora de lingerie branca.
Foi quando Miguel salvou a todos.
- Mas eu tenho uma prova.
Cristina ergueu os olhos para ele, mal acreditando.
- Tem? – questionou Adriano, a dúvida em cada fonema – Ah, eu deveria deserdar você.
Mas Miguel já estava olhando para Bárbara, sorrindo capciosamente.
- O vídeo – lembrou com suavidade.
Bárbara o encarou de volta como se não se lembrasse de nada daquilo.
- Não lembra? – prosseguiu ele, diante do silêncio abismado de todos, inclusive de Cristina – Bem, se quiser eu faço você lembrar.
Foi quando a mulher explodiu.
- Traidor! Você disse que ia apagar!
Miguel só sorriu para ela.
Foi quando Bárbara percebeu que acaba que decretar seu próprio fim.
Adriano olhou para ela com a expressão mais gelada que Cristina já vira naquele homem.
- Então você dormiu com ele. Com meu próprio filho. Com seu enteado.
Bárbara, consciente que já jogara cal no seu corpo quase morto, nada disse. Então, Adriano apontou para as portas.
- Fora.
Bárbara não registrou a frase à primeira vista.
- Como? – perguntou, confusa.
- Fora – repetiu Adriano – Do meu campo de visão, da minha casa e da minha vida.
A boca de Bárbara caiu. Fez um grande O de puro espanto.
- Estou sem roupa – argumentou.
- Eu comprei tudo, de qualquer forma. Fora.
Bárbara ainda permaneceu alguns segundos em estado de choque. Depois, se recuperou. Balançou os longos cabelos escuros e foi em toda a sua glória luxuriosa até as portas. Antes de sair, parou e olhou para trás.
- Adriano?
Ele olhou para ela.
- Você foi o pior amante que tive – disse ela com voz doce, e foi-se.
E bateu a porta. Cristina enxugou uma lágrima inesperada. Estava emocionada. Fora ainda melhor do que ela imaginara. No final das contas, tudo correra bem.
- Agora você – disparou Adriano para Miguel, que agora tentava sair de fininho da cena.
Ele estacou naturalmente, quase como se não estivesse tentando fugir, e olhou para o pai.
- Você dormiu com a minha mulher – e, depois, com um pouco mais de rancor – Sua madrasta.
- Para seu bem, papai – defendeu-se Miguel, adotando um tom servil e quase meloso.
Adriano balançou a cabeça de um lado para o outro.
- Não tenho escolha – decidiu ele após um tempo – Você está demitido da minha empresa. E nunca mais verá um centavo do meu dinheiro.
Todos arregalaram os olhos.
- Pai, foi tudo para o seu bem – argumentou Miguel.
Adriano deu uma risadinha amarga.
- Não para o meu. Agora, todos fora daqui antes que eu resolva fazer algo pior.
Ninguém precisou de segundo aviso antes de disparar escadas abaixo.