Capítulo 45
1387palavras
2023-02-23 04:05
Para ela, aquele domingo foi o dia de ir levar Isabella para conhecer o avô.
E também o dia para ver seu ex-amante dando em cima da madrasta.
Sentada no banco de trás no carro de Miguel, Cristina percebeu pela primeira vez como aquele plano era imoral, realmente.
- Todos seguros aí?
Cristina saiu do devaneio e olhou para Miguel, que a observava e aos dois bebês no banco. Isabella estava atrás do passageiro e Dimitri atrás do motorista.
- Se não considerarmos o motorista louco, sim, estamos.
Miguel deu um breve sorriso, se virou de volta e deu a partida. Então saiu da garagem já na segunda marcha, fazendo Cristina agarrar os bebês-conforto.
- Porra, Miguel! – chiou ela, soltando os bebês lentamente e retornando a posição normal no banco quando conseguiu se estabilizar – Da próxima vez, deixo o seu filho voar pela janela.
Miguel deu de ombros.
- Foi só para dar uma emoção à viagem – explicou, mas fez a curva de uma forma meio brusca – Escuta, é verdade que você não sabe dirigir?
- É.
- Não acha que está na hora não?
O carro parou no sinal. Miguel virou a cabeça para ela, sorridente, e só recebeu de volta um olhar faiscante.
- Não, não acho.
- Cristina, você já tem quase trinta anos.
Cristina se deu um tempo para se recuperar da ofensa antes de responder.
- E daí? Já tenho um homem para me levar onde quero.
- Ah, então você rouba o motorista da mamãe?
- Não, idiota, estou falando de Maurício.
Miguel pensou sobre isso por um segundo.
- E onde está ele agora?
Cristina hesitou.
- Bem, ele trabalha.
O sinal ficou verde. Miguel deu uma risadinha de desprezo enquanto se virava de volta para o volante, para o trânsito tranquilo e as ruas quase vazias de um domingo de tarde.
- Trabalha? Cristina, não sei se você sabe que dia é hoje.
- Ele está fazendo doutorado. E, se me permite lembrar, você só entrou na faculdade de Direito quando seu pai te deu um ultimato. Não por que quis.
- Faculdade não é sinônimo de inteligência – observou ele, irritado - Como você bem sabe.
Se Miguel não estivesse ocupado dirigindo, teria visto Cristina inchar como um sapo enraivecido.
- Quer dizer o quê, Miguel?
- Bem, nós dois sabemos que, se você terminou a sua faculdade, isso não teve nada a ver com seus dotes. Intelectuais, pelo menos.
Cristina empalideceu.
- O que você quer dizer?
- Que você deve ter transado com todos os professores para conseguir nota.
Foi quando Cristina o atacou. Esticou-se no banco e enfiou as unhas pintadas de vermelho no pescoço do infeliz. Miguel berrou e parou bruscamente o carro, por sorte não batendo em nada nem ninguém. Com a Ação e Reação de Newton agindo bruscamente sobre ela, Cristina caiu metade em cima de Miguel, metade em cima do banco do passageiro.
Miguel respirou fundo e estacionou melhor o carro. Enquanto isso, Cristina se endireitava no banco e olhava para as crianças. No mesmo lugar, intactas. Dimitri inclusive dormia.
- Está louca, Cristina? – berrou ele, inclusive soltando cuspe na cara dela – Podíamos ter batido! Podíamos ter...
Cristina o beijou. Depois de se recuperar do susto, ele a enroscou com os braços e devolveu o beijo com um bom empenho e com tanto fogo que, antes que percebesse, ela estava no colo dele.
Foi quando uma buzina tocou, não tão longe assim. E eles pararam. Desgrudaram os lábios e se encararam por longos, longos segundos, enquanto a noção do que estavam fazendo – e, mais importante, onde estavam fazendo – apareceu. Então, Cristina escorregou para o banco do passageiro.
O silêncio que se seguiu pareceu ser infinito.
- Cristina – começou Miguel depois de respirar fundo – Eu quero ficar bem com você. Não gosto de ter que ficar longe.
Cristina, que andara olhando para longe, virou-se para encará-lo.
- Engraçado você falar isso para uma garota que dormiu com todos os professores da faculdade para conseguir nota.
- Cristina, eu estava com raiva. Não quis de verdade...
- Com raiva ou não, foi muito revelador. Sou só uma puta para você.
- Não, não é. Cristina, desculpa, eu só estava...
- Você se traiu, Miguel. Foi isso que eu sempre fui para você, só uma puta. E você tem uma tradição a cumprir, não é? Eu seria a cereja do bolo como a esposa do seu irmão.
- Cristina, eu...
- Não precisa dizer nada, Miguel.
- Crist...
- Eu não quero ouvir mais nada – disse ela, cortante, enquanto voltava para o banco de trás.
Quando Cristina aterrissou no banco de trás, entre sua filha e seu sobrinho, Dimitri começou a chorar. Cristina o pegou no colo, o embalou e, quando viu que não tinha jeito mesmo, pegou a mamadeira e começou a dar para o moleque, que calou a boca na mesma hora, enquanto tentava ignorar uma dor que nada tinha de física.
Enquanto isso, Miguel dirigia calado. Os dois não trocaram mais nenhuma palavra até chegarem à casa de Adriano, quinze minutos depois.
-
A última vez que Cristina vira uma casa tão bonita quanto a de Adriano fora... na verdade, ela nunca vira uma casa tão estilosa. O prédio que o resto do clã morava era muito bom, sim – tinha piscina, sauna, academia, quadra e todas aquelas facilidades que faziam golpes parecer valer muito à pena -, mas não tinha toda aquela classe decorada com o melhor material que o dinheiro poderia comprar.
Bárbara, mais uma vez, a superara. E Cristina queria matá-la por aquilo.
Quando eles chegaram, era a vaca que os aguardava na entrada, no alto de uma pequena escada que levava até a porta, muito distinta no seu vestido Prada.
- Ah, olá, Cristina. Oi, Miguel – e, nesse ponto, só um cego teria deixado de ver a piscadela que ela deu – Então essa é a sua menina.
E esticou os braços para pegar Isabella.
Cristina segurou sua filha com mais força.
Bárbara não abaixou os braços. Ficou só aguardando. A guerra de olhares durou cinco ou seis segundos, antes que Cristina se dobrasse e passasse Isabella para Bárbara. Esta a recebeu com satisfação ímpar, alisando seu vestidinho rosa e acariciando seus cabelos castanhos, enquanto Cristina se remoía de raiva vendo sua linda filha no colo de uma víbora.
Mas era necessário que Bárbara achasse que estava no controle. Ela não podia desconfiar de nada antes do fim.
- E esse é Dimitri – prosseguiu Bárbara, com uma leve sombra de riso, esticando a mão para acariciar de leve a cabeça do pequeno bebê no colo de Miguel, e, sem esperar resposta – Vamos entrar? Adriano está esperando.
-
Cristina achava que aquilo poderia ser ruim. Mas não.
Foi simplesmente horroroso.
Ela subestimara a situação. Achara que poderia aguentar, sorrindo para seu sogro enquanto o filho e esposa muito provavelmente transavam no andar de cima. Embora Cristina devesse admirar a sagacidade das respectivas desculpas (trocar a fralda de Dimitri e trocar o vestido manchado de vinho), isso não significava que aquilo a agradasse. Muito ao contrário. Aqueles vinte minutos que os dois se ausentaram foram o inferno na Terra para ela, enquanto, juntamente com sua filha, distraía Adriano - que de nada desconfiava, graças a Deus -, os pensamentos incessantes e detalhadamente perversos sobre o que estava acontecendo lá em cima deixando-a quase louca de ciúmes.
No final, porém, tudo correu bem. Cristina conseguiu segurar seu quase irresistível desejo de sufocar Bárbara e castrar Miguel, embora, frente ao sorrisinho convencido da ex-amiga, o primeiro tenha sido um bocado difícil. E quando finalmente Isabella adormeceu nos seus braços, Cristina teve a desculpa perfeita para arrastar Miguel para longe da vaca. A volta para o prédio deles foi longa e deprimente. Nenhum dos dois disse uma só palavra, nem mesmo no momento em que eles se separaram, quando Cristina desceu do elevador com Isabella no colo.
Ela conseguiu disfarçar sua depressão quando passou pela sala. Até sorriu para Maurício. Tirou o vestidinho de Isabella, depositou-a no berço e foi tomar um banho. Então, só então, com os cabelos molhados grudados no rosto e pescoço e o barulho da água batendo nos ladrilhos do chuveiro, que ela chorou.