Capítulo 42
1338palavras
2023-02-16 06:03
Na noite do baile de formatura, Cristina se arrumou com mais cuidado do que no dia de seu próprio casamento. Por volta das nove, terminou de se aprontar, deu tchau para Maurício, beijou a sonolenta Isabella e saiu.
Apesar de querer descer para o térreo, o elevador subiu direto para o andar seguinte depois que fechou suas portas, e ela se encolheu instintivamente, preparando-se para se defender, imaginando (ou talvez desejando) que fosse Miguel que tivesse chamado.
Quando o elevador abriu suas portas, era Olga. Cristina engoliu em seco.
Olga ergueu as sobrancelhas.
- Vai a outro casamento?
A pergunta se devia ao fato de Cristina estar usando o mesmo vestido vermelho com que fora ao casamento dela com Miguel. Depois de tantos anos, finalmente saíra do armário. Modéstia à parte, ficava muito bem nela.
Cristina negou com a cabeça.
- Na verdade – começou, sorrindo – estou indo para a comemoração dos neoliberais pela vitória de nosso candidato nas eleições presidenciais de 2018. Devia ir. Escapamos do risco de uma ditadura bolchevique.
Olga tentou olhar Cristina com pena. Ela sabia disso. James já a olhara assim vezes demais para ela deixar de reconhecer uma tentativa daquelas. Mesmo assim, a única coisa que Olga conseguiu foi um breve olhar furioso.
Ela definitivamente tinha que trabalhar mais em seu budismo.
- Como ditadura bolchevique? – questionou com irritação – Estamos num regime claramente capitalista. Qualquer virada radical em direção ao comunismo é impensável. Uma mudança só virá gradualmente.
- Claro, depois da censura à imprensa. E você sabe que o presidente tomou atitudes nesse sentido.
- Você está louca – retrucou Olga, bufando e colocando a mão direita sobre a barriga evidentemente inchada.
- Me diz uma coisa, Olga – começou Cristina no momento que passavam pelo terceiro andar – Você defende uma sociedade mais igualitária, não é?
- Sim.
- Então por que não toma qualquer atitude para começar?
Olga virou a cabeça para encará-la.
- O quê?
- Você veste roupas caras, não finja que não. E seus móveis não são nada baratinhos, ao contrário. Então por que não desce ao nível dos humanos normais, comprando coisas mais populares e doando o dinheiro que sobrar?
Olga emudeceu de espanto. Cristina sorriu. O elevador chegou ao térreo.
- Com o seu na reta é diferente, não? – perguntou, venenosa, e saiu rumo à diversão.
-
James obviamente não gastou um elogio sequer com ela quando a encontrou, na frente do local onde se realizaria o baile. Mas, pelo olhar dele, que se demorou nela alguns segundos a mais do que o preciso, ela soube que ainda estava em alta com ele.
Mas ele tinha que reclamar de algo.
- Como é que eu pensei em fazer isso? – gritou ele para ela no meio da confusão de ex-alunos, enquanto Katy Perry berrava a plenos pulmões – Certo, lembrei.
- Você propôs o trato – disse ela – E eu fiz a minha parte. Logo...
Ele não disse nada. Estava ocupado dando tchauzinho para duas piranhazinhas do outro lado do salão. Provavelmente eram recém-formadas. Cristina ficou preocupada.
- James?
- O quê, Cristina?
- Você já fez algo com essas garotas? – perguntou ela, enciumada.
- Claro que não – disse ele, impaciente – Tenho juízo.
- Não parece. Você quer casar com a Tânia. Isso é um nojo.
- Tenho que casar com alguém. Ou minha mãe enlouquece.
- Ou minha mãe enlouquece – repetiu Cristina, engrossando a voz – Ah, James, dava pra mandar sua mãe à merda uma vez na vida não?
Ele a olhou, escandalizado.
- Seu irmão não pode reproduzir por você? – prosseguiu ela.
- Sou o único filho que não deu netos a ela.
- E você lá se importa com paternidade?
- É um instinto humano natural – afirmou ele num tom um tanto falso.
- Então vai diluir seus genes com Tânia Vasconcelos? – perguntou ela, indignada - Contaminar seu sangue dito real com ela?
- Ela seria uma mãe perfeita – disse ele simplesmente – E eu não posso realmente me dar ao luxo de escolher muito mais.
Cristina pensou com algo de rancor onde estava aquele James que dera graças a Deus quando ela achara que ficara grávida. Que queria adiar a paternidade o máximo possível. Por que Tânia e não ela?
Foi quando aconteceu o inesperado. A música de Katy, vinda de um passado que parecia já tão longínquo, cessou e, no seu lugar, o DJ colocou a mais antiga ainda Love Me Tender, de Elvis Presley.
O espanto paralisou a todos por um instante. Depois os jovens relaxaram e voltaram a dançar, agora grudados e aproveitando para enfiar um a língua na boca do outro.
Cristina grudou seu olhar em James, esperando que ele sentisse as vibrações do que ela queria.
- Não – disse ele depois de perceber que ela não tirava os olhos dele - Sou comprometido e todos aqui sabem.
Mas Cristina não perdeu as esperanças e continuou lá, na expectativa. Alguns minutos depois, Love Me Tender cessou e deu lugar a Kiss From A Rose, do Seal. Ela deu uma cutucada no ombro dele.
- Não.
Ela esperou. Dali a alguns minutos, a música mudou novamente, e James arregalou visivelmente os olhos, espantado.
- Esse DJ é muito ruim.
- Gosto dos Cranberries – opinou ela – É bom para dançar. Vamos?
- Não sei se dançar é bem o que você quer – disse ele, observando os casais grudados da pista.
Cristina perdeu a paciência e o arrastou. Ele fez uma reclamação só para constar, mas, na verdade, ela sabia que não estava fazendo nada que ele não queria. Uma vez lá, ela mal ouviu a música. Só se focou em encontrar no melhor momento para beijar James.
Porque existia um momento exato, é claro. Ela sempre o detectara por pura intuição, assim como a esmagadora maioria das pessoas do planeta, mas naquele dia era diferente. James não era mais livre, leve e solteiro, tendo uma bela amarra que dificultara muito a situação deles no último ano. Por isso, ela tinha que pisar leve no momento em que estava mais perto do seu objetivo.
Ela tinha que esperar um sinal.
Mais ou menos na metade da música, quando os dois já estavam grudadinhos há um tempo e Cristina já sentia que a boca dele já estava perto demais da sua para ser desinteressado, ela sentiu a mão dele descendo da segurança de suas costas para um lugar muito menos seguro, e era o a dica que ela precisava para ter certeza. Foram apenas alguns centímetros, mas era o segundo sinal mais inegável para ter certeza do interesse de um homem. Para acontecer o primeiro era apenas questão de tempo, principalmente levando em conta o jeito que eles estavam se roçando.
De qualquer forma, Cristina agora podia ter certeza que sua investida seria bem sucedida. Portanto, não perdeu mais tempo e o beijou, aproveitando-se do anonimato que a escuridão os dava, mesmo considerando seu vestido pouco discreto.
James levou um susto tão grande que acabou pisando no pé dela. Cristina praguejou mentalmente e controlou sua vontade de pisar num pé só de tanta dor. Ao invés disso, ela o empurrou da pista de dança até a parede mais próxima, o prensou na parede e o agarrou como se não houvesse amanhã, não encontrando resistência significativa.
- Espera – disse ele, afastando-a.
Cristina o encarou com incredulidade.
- O que foi?
James engoliu em seco.
- Não posso fazer isso às claras – explicou, examinando o salão rapidamente com certa apreensão - Tenho uma noiva.
Cristina se afastou.
- Então você não quer?
- Eu não disse isso – respondeu ele, voltando a encará-la com um olhar muito significativo – Eu disse que não posso fazer isso às claras. Existem outros ambientes aqui além desse salão.
Cristina entendeu e, então, sorriu, satisfeita. James cedera finalmente.
Um minuto depois, eles já tinham sumido de vista, e ninguém mais os viu pelo resto da festa.