Capítulo 39
1619palavras
2023-02-09 04:38
Cristina não acreditava em destino. Mas, se acreditasse, diria que ele a estava sacaneando bonito naquele dia de maio.
Ou isso ou aquele restaurante fatídico no qual ela se envolvera naquela confusão quase três anos antes estava realmente muito popular. Fora lá que seu sogro marcara a reunião que apresentaria sua noiva para seus filhos e sua ex-esposa. Que ainda não era realmente ex.
Ela – todos eles, na verdade, pela expressão meio constrangida – ficara temerosa que eles acabassem barrados, mas, evidentemente, quem quer que fosse que mandasse naquele lugar sabia com quem estava lidando. De qualquer forma, aquele sexteto acabaria na mesma: ela encarando Olga do outro lado da mesa, enquanto brincava distraidamente com seu diamante, Olga a encarando – as duas bem informadas sobre onde estavam as facas em caso de ataque adversário -, Maurício super interessado na decoração e Miguel também, embora do lado oposto e eventuais olhares abusados na direção do decote de Cristina. E Teresa, alheia a tudo, perturbada pelo fato de ser definitivamente destronada em alguns minutos.
Esse estado de coisas já durava alguns minutos quando seu sogro chegou. Cristina, que, apesar de seu esforço, ainda não memorizara seu rosto ou seu nome, soube que era ele pela postura servil de todos os funcionários (incluindo os seguranças fortões e maus, além do gerente) à medida que ele passava.
Também havia o fato que ele vinha direto para a mesa deles.
- Ninguém precisa se levantar – advertiu ele antes que algum dos filhos sequer tivesse a ideia – Não sou dama alguma para isso. Não que todas mereçam. Falando nisso, olá, Teresa.
Teresa enrubesceu. Coisa rara de acontecer.
- Olá, Adriano – disse Teresa baixinho, parecendo encolher um pouco na cadeira.
Agora Cristina lembrava o nome dele.
- E não precisa me tratar assim na frente de seus filhos – após uma pausa, acrescentou – E das minhas noras.
Não parecendo ligar a mínima para a resposta dela, Adriano se sentou na cadeira da cabeceira que lhe fora reservada. Ele parecia exatamente o que era: um empresário meio desbocado que destruía um concorrente a cada manhã. Era meio careca, mas cabelos pretos como o de seus filhos ainda existiam na sua cabeça. Seus olhos escuros brilhavam quando ele olhou para a mulher que, pelo menos legalmente, ainda era sua esposa, sentada à sua direita. Se parecia com Maurício, notou Cristina.
- Isso seria fingimento. E fingimento é falsidade. E eu odeio pessoas falsas. Como você sabe. São elas as garotas? – perguntou de súbito, apontando com a cabeça para Cristina e Olga, sentadas do outro lado.
As duas assentiram, embora Cristina franzisse a testa. Garota. Ela fora chamada de garota, sendo que era uma mulher de quase trinta anos. Não sabia se fora sarcasmo ou indiferença.
Um segundo depois, soube que era o segundo. Pela primeira vez, teve pena de Teresa. Talvez ela não tivesse sido a única culpada pelo fim do casamento.
- Sou Olga – disse a japa um segundo antes dela.
- Sou Cristina – disse ela, virando o olhar para ele, com voz melíflua na medida certa.
Ele assentiu e desviou o olhar. Certamente se esquecera dos nomes no segundo seguinte.
- Não tenho netos?
- São crianças – observou Teresa numa voz um tanto apagada para seus padrões – Não poderíamos trazê-las conosco.
- Claro que poderiam, o restaurante é meu. Quantos anos eles têm?
- Por que, você se importa?
- Miguel! – censurou Maurício, que ainda queria manter a paz.
Adriano olhou o filho mais novo.
- Só fiz uma pergunta – replicou com tranquilidade - Tenho uma nova neta que nunca vi. Ísis, não?
- Isabella – corrigiu-o Maurício, mas sua voz saiu um pouco rancorosa.
Adriano, entretanto, não ouviu. Estava com o olhar totalmente alterado direcionado para a porta.
- Ela chegou – disse, se levantando.
Todos viraram o olhar para a porta. Quando viram quem era, todos teriam dirigido uma breve prece a Deus desejando que aquilo não fosse verdade, mas estavam boquiabertos demais com a visão de Bárbara Nascimento dirigindo-se a mesa para pensar em qualquer coisa.
- Olá – disse ela quando chegou à mesa, com um tom e um sorriso que brilhavam de tão falsos.
Adriano foi até ela e a beijou.
- Essa é Bárbara, minha noiva – anunciou, e qualquer dúvida se desfez.
Nesse instante, dois eventos aconteceram. Um, que Cristina, pelo canto do olho, viu que Miguel ia se levantar e muito provavelmente quebrar o barraco. Não podia permitir isso. Portanto, mirou bem e o chutou na canela dele com seu salto alto de bico fino. Miguel xingou silenciosamente e a encarou. Ela disse Não apenas com o movimento dos lábios e se preparou, ela própria, para se levantar. Ia acabar com aquele projeto de vilã com os punhos. Tremia de tanto ódio. Mas, quando ia se levantar, aconteceu o evento dois.
Cristina sentiu uma mão pousar no seu pulso. Era Olga. Ela balançou uma única vez a cabeça de um lado para o outro, e Cristina entendeu o recado: não agora.
- Vamos jantar? – propôs Adriano – Vocês se conheceriam melhor.
Só ele e Teresa não conheciam Bárbara Nascimento. O resto da mesa, sim.
-
Cristina não ficou muito tempo odiando. Antes da sobremesa, só estava desnorteada, mesmo. Não conseguia acreditar que Bárbara chegara no topo daquela estrutura de poder familiar tão rápido, enquanto Cristina galgara os degraus um a um e, às vezes, despencara lances inteiros. Sem contar o fato que a ex-amiga traidora agora teria o controle indireto de todo o dinheiro.
E, o que mais preocupava Cristina, o poder de privar qualquer um dele. Porque os herdeiros até herdavam obrigatoriamente um mínimo, mas a questão era... o mínimo. O mínimo não pagava os gastos dela.
Absorvida por esta questão, Cristina só viu Bárbara se levantando por puro acaso. E, pouco depois, entreviu Olga fazendo um aceno muito leve na mesma direção que ela fora, e, a seguir, se levantar e seguir na mesma direção da outra.
Cristina a seguiu sem nem parar para pensar.
- O que é? – perguntou quando a alcançou.
Olga continuou andando sem nem se dignar a virar o olhar para ela. Agora, estavam chegando perto do banheiro feminino.
- Estou tentando acabar com isso.
- Eu já teria acabado se você não...
- E se você tivesse levantado e descido a mão na cara dela? Grande satisfação, com certeza, mas ela nunca mais sairia do lugar que se instalou. Teria a desculpa que tudo contra ela seria armação de quem a odeia. Você tanto sabe disso que não se levantou naquele momento.
Mas Cristina só ouvira até um certo ponto.
- Tudo contra ela? Então você tem algo?
Olga parou perto da porta do banheiro e a encarou.
- Esperava que você pudesse me ajudar com isso.
Foi nesse momento que Cristina achou que toda aquela situação louca fosse uma alucinação. Piscou com força, mas, quando abriu os olhos, a cara chapada de Olga continuava lá.
- Não posso ajudar você – disse com certo nojo – É contra os meus princípios.
Olga deu uma risadinha.
- E naquele jantar?
- Foi uma emergência – sublinhou ela, aborrecida – E lembro de você dizer que não ia ser minha amiga só por causa daquilo.
- Não vou. Só que, tanto naquela quanto nessa situação, nós duas temos algo a perder.
Cristina pensou um pouco.
- Tipo Estados Unidos e União Soviética contra a Alemanha nazista?
Olga ficou fitando-a, muito séria, enquanto processava a questão.
- Como quiser – decidiu por fim – Agora vamos entrar.
-
O banheiro era todo feito de mármore e espelhos. Numa das pias, Bárbara lavava suas mãos de forma muito concentrada. Do seu lado, espalhadas pelo mármore, estavam sua bolsinha e todas as tralhas de maquiagem, na qual ela obviamente andara dando uma ajeitada antes da chegada delas.
Olga bateu a porta. Bárbara ergueu o olhar de suas mãos manicuradas e as viu refletidas pelo espelho, e então se virou para as duas em seu vestido pêssego, armada de um olhar maldoso e sorriso desafiante.
- Imaginei que isso aconteceria. Você nunca gostou de perder, Cristina.
- Ninguém gosta – disse Olga, adiantando-se – Assim como ninguém gosta de se machucar. Então, se não quiser que isso aconteça com você, é melhor ir embora.
Bárbara a olhou de alto a baixo. Depois começou a rir.
- Me tire daqui se conseguir. Ah, claro, você não pode. Vocês viram como o velho come na minha mão? Vocês não podem fazer nada.
- Não devia duvidar de mim, cobra – começou Cristina, sentindo a raiva crescer de novo, tendo seu sentimento de impotência como combustível – Sempre consigo o que quero, e o que quero é você morta no chão.
O sorriso de Bárbara se dissolveu. Ela deu às costas para ambas e começou a arrumar os troços de maquiagem na bolsinha.
- Não é sempre que se consegue o que quer – respondeu ela finalmente, voltando a encará-las enquanto se aproximava, o espelho refletindo o decote na parte de trás de seu vestido – E, quando se consegue, não se desiste. Como eu. Adriano pode ser um idiota, mas é meu. E assim será.
E saiu, deixando um silêncio ecoante para trás.
- Alguém a ensinou direitinho – comentou Olga, lançando-lhe um olhar ferino.
Cristina não fez nada. Não precisava de ninguém para lhe lembrar disso. Que um dia aquela mulher fora sua amiga, e agora estavam dispostas a se destruir mutuamente. Agora, nada mais era tão simples. Nada era mais tão preto no branco.
A prova daquilo era que tinha agora como improvável aliada uma mulher que se acostumara a odiar.