Capítulo 37
1831palavras
2023-02-04 05:03
Trinta dias depois, Isabella e Gregori foram batizados. Foi nesse mesmo dia que Cristina percebeu, não sem tanta surpresa assim, que estava exausta. Além dos últimos acontecimentos traumáticos, tanto do ponto de vista emocional como do físico, o parto tumultuado de sua filha não a beneficiara.
Foi quando Cristina decidiu começar seu período de descanso. Deu-se tempo de fazer nada por alguns meses sabáticos. Talvez alguns anos. Seria até uma oportunidade para pensar o que faria da vida, uma vez que já acabara a faculdade.
No início, foi fácil. Ela ficava cuidando de Isabella, e, no início, tudo que a garota fazia a deixava exultante, como no primeiro dia que ela conseguiu ficar sentada sozinha. Nos intervalos desses momentos, passeava pelos milhões de canais da tevê a cabo. Ou jogava no computador enquanto Janete, sua empregada, arrumava a casa. Enfim, uma dondoca assumida.
Quando Isabella completou cinco meses, porém, ela percebeu, não sem certo espanto, que estava cansando daquela vida. No início, isso não fez sentido. Não era o que ela sempre quisera? Ser a fútil esposa de um homem rico?
Mas, conforme os meses passavam, aquilo começou a deixá-la cada vez mais descontente.
Ela tentou lutar contra a situação, entrando na academia para ganhar um novo objetivo na vida. Infelizmente, sua turma de yoga era a mesma de Olga. Mas, mesmo tendo que aturar as risadinhas zombeteiras da babaca toda vez que ela despencava da posição ou tendo que engolir sua inveja diante da graciosidade dela, que parecia simplesmente não ter peso, tudo foi bem. Ela gostava. Era relaxante. Sem contar que fazia bem para a vida sexual. Até Maurício percebeu.
Depois de um tempo, porém, ela enjoou. E não suportou mais ver Olga ser superior do que ela em algo além do cabelo super liso. E saiu do yoga.
Assim, ela continuou insatisfeita.
Contou aquilo para o seu marido, e ele sugeriu que ela estudasse. Pós-graduação, mestrado, coisas assim. Ocupava muito o tempo, dizia. E Cristina, mesmo sem ter muito saco para coisas acadêmicas, seguiu seu conselho. E era até aturável. Realmente ocupava o espaço onde anteriormente estivera seu tédio, principalmente agora que Maurício, depois de ter emendado faculdade, pós-graduação e mestrado e estar no meio de um doutorado, arranjara um belo emprego na mesma faculdade de seus estudos.
Mas, mesmo assim, ela não estava tão feliz quanto desejava.
Perto do Natal de 2017, ela soube que Olga começara a trabalhar num hospital. E foi aquilo que lhe deu a inspiração para acabar com a insatisfação.
Talvez seu problema fosse o excesso de tempo livre, por mais incrível que aquilo parecesse. A velha Cristina jamais ficaria entediada naquela vida, mas ela não era mais a velha Cristina. Desde que descobrira que estava grávida, ela mudara. Agora se pegava tendo pensamentos muito estranhos.
Eram pensamentos maduros.
Agora, por exemplo, ela queria ser uma esposa fiel, resistindo bravamente às frequentes tentativas de Miguel. O fato que agora cedia de forma muito frequente, muitas vezes na cama que dividia com seu marido, obviamente não entrava na sua concepção de resistência. Talvez por causa da pequena Isabella, que já corria pela casa para agarrar suas pernas, ela amadurecera um pouco à força, passando de uma adulta com pensamentos adolescentes para uma adulta com pensamentos menos adolescentes.
Foi seguindo essa linha de pensamentos que Cristina, aos 26 anos, resolveu arranjar seu primeiro emprego.
Só não esperava que o destino fosse tão filho da puta.
-
Foi sua mãe, ainda pedagoga do colégio, quem a avisou que havia uma vaga para professor de História no Colégio das Irmãs. Um dos titulares se aposentara por idade. Cristina agradeceu e foi se candidatar.
Só quando já o havia feito é que se lembrou de James. Pelo que sabia, ele continuava lá. Só tinha 42 anos, sequer perto da aposentadoria. Se seu currículo fosse aprovado, eles seriam colegas de trabalho, e lá iam as esperanças de Cristina de ser uma esposa menos infiel (a ideia do fiel já desaparecera). Mas relaxou. Sequer sabia se seria aprovada. Seu currículo não era tão bom assim. Óbvio que poderia haver candidatos melhores.
Para sua surpresa, foi aprovada e contratada. Obviamente subestimara a influência de sua mãe. E, no começo do ano letivo de 2018, lá estava ela no Colégio das Irmãs, nervosa horrores, tanto da perspectiva de eventualmente topar com James pelos corredores quando da nova realidade como professora de um bando de pestinhas do sétimo ano.
Mas foi tudo bem. Não encontrou com James e os alunos não foram tão escrotos assim. Cristina só teve que gritar cinco vezes durante a aula toda.
Mesmo assim, no intervalo, ela foi se encher de café na sala dos professores para recuperar as energias para o próximo tempo. Estava sentada num sofá, tentando relaxar, quando James entrou com uma mulher. Quando ele a viu, parou e piscou com força para ter certeza do que via. Depois foi até ela.
- Espero que não esteja me seguindo – disse ele a guisa de um oi.
Embora continuasse a parecer mais jovem do que realmente era, os traços que deduravam a verdadeira idade já começavam a aparecer, como alguns fios brancos no cabelo anteriormente todo ruivo e, o que mais chocou Cristina, os óculos. Vista cansada, provavelmente.
- Teria demorado um pouco demais para isso.
- Você teria que esperar um da equipe sair, de qualquer forma.
Cristina balançou a cabeça, negando.
- Só quis voltar agora. Tirei um descanso.
- E Isabella? Quase dois anos, se estou contando certo.
- Um e meio.
Os dois se calaram, incomodados. Isabella os lembrava de tudo que haviam vivido anteriormente. Por motivos óbvios. E, subitamente, Cristina percebeu que nada do que sentia por ele tinha mudado, mesmo que agora tivesse uma boa camada de rancor como verniz.
- Você está bem? – perguntou ela, hesitante.
- Sim, eu...
Foi quando a mulher que entrara com ele na sala dos professores apareceu na frente deles.
- Cristina Medeiros. Há quanto tempo.
Cristina encarou a mulher. Era moreninha de olhos bem escuros, escondidos atrás de umas lentes grossas. Era mais baixa do que Cristina, que, apesar de ter sido obviamente reconhecida, não fazia ideia de quem era aquela porra.
- Oi, mas... Desculpa, não lembro quem é você.
A mulher deu um sorrisinho amargo.
- Claro, por que lembraria. Tânia Vasconcelos. Era da sua turma no terceiro ano – fez uma pausa e acrescentou, meio azeda – Você me trancava nos armários.
Cristina quase deixou o queixo cair. Tânia Vasconcelos, também conhecida como nerdzinha virgem, a zoação de todas as turmas por qual passara por causa de seus óculos. Cristina não a reconheceria nunca. Estava menos escrota que nos tempos escolares. Maquiagem fazia milagres.
- Ah, certo. Desculpa. Não reconheci. Você está ótima.
Tânia sorriu. E, então, fez a coisa que Cristina não esperaria nem se Jesus Cristo descesse à Terra.
Puxou James e o beijou.
O tempo parou enquanto o choque tomava conta da cabeça dela, junto com milhares de interrogações do tipo O Quê, Onde e Como.
Tânia desgrudou os lábios dos dele. Aqueles segundos infinitos finalmente acabaram.
- Vamos nos casar – anunciou ela.
- Ah – fez Cristina, atordoada – Parabéns.
O sinal tocou.
- Vou subir, querido – disse ela, dando um segundo beijinho – Tchau, Cristina.
- Tchau – respondeu ela de forma meio ausente.
James esperou a noiva sumir de vista antes de falar de novo.
- Tentei avisar – desculpou-se.
- Como foi isso?
- Da forma natural que ocorre entre um homem e uma mulher. Acho que você sabe como é.
- Não foi isso que eu perguntei – trovejou Cristina, irritada.
- Fale baixo.
- O que eu quis perguntar – recomeçou ela, com voz aborrecida, mas baixa – é como foi isso. Digo, o que você viu nela?
- O silicone – respondeu ele imediatamente.
- Ela tem silicone?
- Evidente. Não se lembra dela aos 18 anos? Praticamente não tinha nada.
- E era uma nerdzinha virgem – completou Cristina, azeda.
- Não é mais.
- O que, nerdzinha?
- Não, virgem – fez uma pausa e acrescentou, com um risinho – Pelo menos não depois de mim.
Cristina quis rosnar de ódio.
- Você não tem o menor motivo para ficar assim – observou ele calmamente – Não estamos mais juntos. Tânia é uma mulher tranquila e inteligente. Tínhamos um bom relacionamento, e eu precisava mesmo de uma esposa. Um arranjo, poderia-se dizer, como você foi.
- E ela sabe que é, como você diz, um arranjo?
James negou com a cabeça.
- Não, Cristina. Eu quis dizer que você foi o arranjo. Não Tânia.
E, antes que Cristina pensasse em meter a mão na cara dele, foi continuar a sua aula.
-
- Seu primeiro dia foi bom? – perguntou Maurício mais tarde, enquanto jantavam.
- Ah, sim – respondeu ela, meio carrancuda – Alunos adoráveis. Nem precisei gritar tanto.
Maurício riu. No tapete da sala, Isabella brincava com uma boneca.
- É por isso que fui trabalhar na universidade – observou – Mas qual é o colégio?
- Eu já disse.
- Não prestei muita atenção na hora.
- O Colégio das Irmãs.
Maurício assentiu, sorrindo.
- Onde nos conhecemos – disse enquanto cortava o seu bife - E...
Parou e levantou os olhos para Cristina.
- É onde ele trabalha.
- Sim, é - admitiu ela, sabendo que não adiantava esconder.
Maurício pousou os talheres no prato.
- Você fez isso de propósito? – perguntou ele sem rodeios.
- Não, não fiz – negou ela, irritada – Eu queria um emprego. Consegui. Se ele já estava lá, bem, não é minha culpa.
- Você poderia ter conseguido outro emprego. Não gosto da ideia dele rondando você. Aqueles meses que ele ficou por aqui já foram o suficiente.
- Ele não está me rondando, Maurício – disse ela, incomodada com o pensamento – Ele está noivo.
- De alguém que você conheça?
Ela assentiu, azeda.
- Tânia Vasconcelos.
- A de óculos fundos de garrafa?
- Sim – confirmou ela, pensando em por que ele não a chamava de nerdzinha virgem. Talvez porque, naquela época, também fosse um – Ela é professora de Biologia.
Maurício assentiu. Depois de uma pausa, estendeu sua mão sobre a mesa e a pôs sobre a dela.
- Não quero que ele atrapalhe nossa vida novamente – pediu - Promete isso? Que não vai se deixar envolver de novo?
- Não confia em mim, Maurício?
- Não é isso, Cristina. Eu não confio é nele. Quero que você se proteja.
Oh, Senhor, protegei-nos de todo mal, pensou ela distraidamente enquanto apertava a mão dele. Principalmente de um incrivelmente gostoso.
Só que ela não estava muito certa se queria ser protegida.
- Promete? – insistiu ele – Por nossa filha?
Ela sorriu para ele.
- Prometo que não me deixarei envolver de novo – disse, solene.
Ele sorriu de volta. O que não percebeu é como aquela promessa tinha brechas.