Capítulo 36
1412palavras
2023-02-03 05:54
Quando Cristina e Isabella finalmente foram liberadas do hospital depois de alguns dias de reclusão, chegou a hora não tão temida, depois da volta do diamante. Afinal, se aquilo não significava que Maurício ficaria com ela sob todas as circunstâncias, Cristina não sabia o que era.
Mas, de qualquer forma, James exigira o exame. E nunca os deixaria em paz sem ele.
O material genético de Isabella seria obtido via saliva, por ser pequena demais para enfrentar uma agulha, que James enfrentou não tão corajosamente assim.
- Tudo só para saber se a garota é uma Colbert – ainda reclamava ele vários minutos depois, enquanto os dois voltavam para o apartamento. Maurício não fora com eles.
- Então a deixe ser uma Resende – sugeriu Cristina tentativamente.
James desviou o olhar do braço furado e lhe lançou um olhar cortante pelo retrovisor.
- Se for minha filha, terá meu sobrenome. E um nome melhor. Não gostei desse nome português.
- Isabella não é um nome português – corrigiu-o Cristina com satisfação enquanto o sinal abria e ele voltava sua atenção para o trânsito – É latim. Nunca ouviu falar da rainha Isabella I da Espanha?
- Nunca me interessei pela história da Península Ibérica.
- Foi uma grande rainha. A primeira por direito próprio de Castela – recitou ela, orgulhosa por saber algo que ele não sabia - É um ótimo nome. Ela será Isabella quaisquer que seja o sobrenome dela.
Mesmo ele estando de costas para ela, Cristina viu o dar de ombros.
- Acho que no final você é quem sabe. O instinto materno sempre ganha.
Foi quando eles chegaram no prédio. James desceu e ajudou a descarregar mãe e filha.
- O que importa para mim, realmente, – começou ele – são os meus direitos de pai. Se Isabella for minha filha e me privar dela, eu juro que vou lutar.
- Não precisa se preocupar, Papai Coruja – garantiu Cristina, cansada e perturbada pela proximidade dele – Vai ter os seus direitos e deveres, se for o caso. Agora, vamos subir, pelo amor de Deus. Estou moída.
-
O resultado do exame chegou poucos dias depois. James o trouxe ainda lacrado.
- Por que ainda não abriu? – perguntou Maurício, indignado.
- Covardia na hora H? – sugeriu Cristina, adiantando-se e arrancando o envelope de suas mãos.
- Ia abrir aqui – justificou-se James.
Cristina lhe lançou um olhar um tanto descrente.
- Acho que não. Isso me cheira mais a covardia.
James ia responder algo, mas emudeceu quando ela arrebentou o envelope.
Cristina pegou o papel com o resultado do exame e o fitou. Não importava o resultado. Qualquer que fosse, significaria o fim de um ato. Mesmo assim, perguntou-se se realmente queria saber.
Depôs o envelope rasgado sobre a mesa e abriu o papel. O silêncio parecia ser infinito enquanto ela andava de um lado para outro na sala, os olhos fixos na superfície do papel enquanto tentava absorver o resultado.
- Então? – perguntou James.
Cristina levantou os olhos.
- Não é nem 99,9. É 100% de...
Os dois homens pararam de respirar.
-... incompatibilidade genética. Não foi dessa vez, James.
Ele deixou os ombros caírem e, com surpresa melancólica, ela percebeu que ele estava decepcionado. Bem, não era como se não soubesse das chances.
Cristina então se virou para Maurício. Os olhos dele brilhavam com as lágrimas represadas e, num rompante, foi até Cristina e abraçou-a.
- Temos uma filha – disse ele, cheio de emoção, beijando-a – Nossa filha.
Cristina enfiou rapidamente o papel do exame no bolso e o abraçou de volta. Aquele era o fim. E era o melhor. Provavelmente para todos.
James pigarreou. Maurício continuou abraçado com Cristina, sem lhe dignar a menor atenção.
- Assim sendo, estou indo – disse, desviando o olhar do dela - E... parabéns pela família.
E saiu. E assim foi a última vez que Cristina viu James Colbert.
Por um bom tempo, pelo menos.
-
Cristina e Maurício tiveram exatas três horas de felicidade, sozinhos com Isabella, antes que a campainha tocasse. Ele franziu a testa, mas sabia quem era, assim como ela. Passou a bebê para Cristina e foi abrir a porta.
Era, obviamente, Teresa. Não que ela já não tivesse aparecido no hospital. Fora ver sua primeira netinha e certificar-se que ela estava bem depois do tiroteio, mas nada do esperado esporro em Cristina, até porque ela não fora vê-la. Apesar disso, Cristina não sonhou nem por um segundo que ela e Olga fossem escapar impunes daquela.
E realmente, logo atrás da séria Teresa, entrou Olga com expressão entediada. Fechando a fila, Miguel.
Teresa foi até Cristina e, sem dizer absolutamente nada, tomou Isabella dos seus braços. Antes que ela tivesse qualquer reação contra, passou-a para Olga.
- Esta – começou, indicando o bebê – vai ser a sua afilhada.
- Não.
Teresa lançou para Cristina um olhar mortífero. Ela se encolheu contra o sofá.
- Não? Não? Vou te dizer o que é Não, Cristina. É estar relaxando num Spa, sonhando com o nascimento dos seus netinhos, e, de repente, saber que eles podem estar mortos graças às suas noras estúpidas que vivem brigando. O que foi dessa vez?
Ninguém falou nada.
- Tudo bem, não importa. O que é condenável é que vocês quase mataram duas crianças inocentes. Minha querida neta e meu neto.
- Na verdade – começou Maurício, hesitante – eles não correram perigo de...
Teresa apenas precisou lançar um olhar perigoso para que seu primogênito se calasse. Cristina também encarou o marido um tanto criticamente. Não me importo mais com as raivas da minha mãe, seria mesmo?
- Desisto de vocês duas – continuou ela, variando o olhar entre Cristina e Olga – Podem se matar. Só me importo com meus netos, meu sangue. Se qualquer um de vocês fizer algo que gere mal a eles – e nesse ponto dirigiu um olhar perfurante a Miguel - juro que vou até o inferno para matar vocês. De novo. Quero que eles cresçam bem. Então, na frente das crianças, disfarcem o máximo. Desde agora. Quando Isabella completar um mês, quero que Olga seja a madrinha no batizado. E sem discussões.
- Eu... – começou Cristina, revoltada.
- Sem discussões – ralhou Teresa, e foi embora.
Cristina fervia de raiva daquela velha maldita sentada no sofá. Maurício estava espremido contra a parede. Olga continuava parada no meio da sala com Isabella nos braços. E Miguel olhava para seus sapatos, não parecendo saber muito bem o que estava fazendo ali.
- Que tenso – murmurou para si mesmo.
Cristina levantou os olhos para Olga, a tensão mencionada vagando entre ambas. Por um acordo invisível, nenhuma das duas registrara ocorrência policial contra a outra.
- Não contou para ela? – perguntou direto.
Não houve necessidade de maiores explicações. Todos sabiam do que se tratava.
- Não – respondeu Olga – Não tem importância agora.
- O que você fez? – perguntou Maurício para Miguel, e, antes que o irmão falasse qualquer coisa, respondeu para si mesmo – A arma. Aliás, as armas. Yuri podia ter se machucado. Seu estúpido.
- Elas ficavam num lugar seguro – argumentou Miguel.
Maurício olhou-o com incredulidade.
- Lugar seguro? Estamos falando de uma criança.
- Ensinei a Yuri que ele nunca devia se aproximar daquilo se não quisesse morrer – defendeu-se Miguel – Mas não importa agora, certo? A mamãe se livrou delas – e, com um tom arrasado – Todas elas.
- Todas não.
Os três olharam para Olga.
- Não? – disse Miguel, esperançoso.
- A Beretta – esclareceu ela, e, olhando para Cristina – A que eu usei para atirar nela.
Miguel deixou cair os ombros.
- Aquilo é uma arma de mulherzinha. Não conta. Foi por isso que Cristina não morreu. Falando em arma de mulherzinha, e a sua espada, Maurício?
Maurício nem se dignou a responder.
- A Beretta pode até ser arma de mulher, como você diz – concedeu Olga – mas espero que cumpra seus objetivos.
- Que seriam?
Olga encarou Cristina.
- Dar um tiro de alerta para afastá-la da próxima vez que me ameaçar – disse suavemente, indo devolver Isabella para Maurício – Na cabeça. Vamos embora, Miguel.
Quando a porta bateu e eles ficaram sozinhos, Maurício voltou para o lado de Cristina.
- Tenho pena dela – confessou ele enquanto acarinhava Isabella – Somos todos loucos.
- É – concordou Cristina, que sempre soubera daquilo.