Capítulo 33
1467palavras
2023-01-28 05:15
O início foi tenso, mas colaborativo. Embora fosse claro que Maurício ficasse um tanto perturbado pela sua presença, James ia lá de semana em semana para acompanhar o desenvolvimento do seu talvez-filhote. E assim a barriga de Cristina foi crescendo.
Mas chegou uma hora que Maurício não aguentou mais aquele encosto ruivo. E decidiu que tinham que expulsar James da vida deles. A forma que resolveu usar para isso foi a sabotagem.
Começou sumindo com uma das cadeiras. James aceitou. Ficava de pé mesmo, encostado na parede. O importante era ver a sua possível descendência. Então, Maurício teve que agir de forma um pouco mais contundente. Da próxima vez que James apareceu para ver a menina (a obstetra descobrira na semana anterior), ele simplesmente não abriu a porta. Só ficou sentado no sofá, esperando que seu recado fosse claro o suficiente.
Não foi. Depois de dez minutos, James decidiu apertar a campainha e manter o dedo lá até quebrar a resistência. Se dependesse do agora resoluto Maurício, não teria conseguido, mas Cristina já estava em agonia no primeiro minuto daquele som irritante e sem interrupções, com as mãos nos ouvidos e gritando para o marido abrir a porra daquela porta ou ela ia parir um bebê prematuro. Só então ele se rendeu.
Na próxima vez, ele foi mais contundente. Não deixou James subir, pronto. Um minuto depois, Cristina recebeu uma ligação do próprio.
- Por que não posso subir? – perguntou ele com voz macia.
- Maurício não quer – respondeu ela – Nem eu, diga-se de passagem.
- Estou no meu direito – lembrou ele com um levíssimo tom de ameaça na voz.
- Não. Se você quiser, podemos fazer um teste quando ela nascer. Antes, você não tem direito de se meter na nossa vida.
Do outro lado da linha, James não respondeu nada. Cristina podia ouvir sua respiração.
- Não vai mudar de ideia? - perguntou ele finalmente.
- Não.
Ele desligou o telefone.
- Ele desistiu? – perguntou Maurício, esperançoso.
- Parece que sim – confirmou ela, com uma sensação persistente de dúvida. A desistência não fazia muito o tipo de James.
50 minutos depois, ela teve certeza daquilo.
- Cristina!
Ela e Maurício, que estavam vendo um filme na sala, se sobressaltaram. A voz viera do lado de fora do apartamento. Foram para a varanda e, para o horror de ambos, James estava no meio da rua com um megafone.
- Eu avisei que não desistia – advertiu ele, a voz quase magicamente ampliada, atraindo a atenção de alguns vizinhos – Se você quiser me manter do lado de fora, podemos conversar daqui, não me importo.
Mesmo se ele estivesse do outro lado da cidade Cristina teria sentido a ameaça. Ela fez um sinal para ele esperar. Muitos metros abaixo, James abaixou o megafone e foi andando para o prédio.
- O quê? – fez Maurício, evidentemente se sentindo traído.
Cristina o encarou.
- Temos que o deixar subir.
O interfone começou a tocar.
- Cristina, nós já tínhamos...
- Eu sei que sim. Mas você quer que ele grite para a rua toda que exige seus direitos de pai?
Maurício ficou calado.
- Então vai atender, por favor.
Contrariado, ele foi.
Quando, alguns minutos depois, James apareceu na porta deles, parecia contentíssimo. Ainda carregava o megafone.
- É ótimo, não acharam? – indagou ele, sarcástico, enquanto observava o troço – Comprei numa loja de som perto daqui.
- É – concordou Cristina, azeda – Principalmente para ameaçar grávidas.
James olhou para ela.
- Você não me deixou escolha. A única coisa que quero é ver minha filha.
- Apenas talvez – consertou Maurício – E essa é a minha família. Não quero você no meio.
James cruzou os braços.
- Achei que já tínhamos entrado em um acordo sobre isso – comentou – Estávamos indo bem.
- Só no seu mundo.
- Se é assim que você vê. Até os tribunais, então.
E se virou para ir embora.
- Espera.
James parou e encarou Cristina.
Ela hesitou por um instante, mas continuou.
- Fica – pediu ela.
James deu um sorriso vitorioso. Maurício a encarou com mágoa.
- Eu não quero problemas – prosseguiu ela, incomodada.
- Na verdade, você tem medo que eu ganhe a guarda – observou ele.
- Não é isso – defendeu-se ela, acariciando a sua barriga de quase sete meses – Só quero paz para ter o bebê. E você nunca ia ganhar. A guarda sempre é da mãe.
James depôs o megafone sobre o sofá.
- Se é reconfortante para você pensar isso – comentou - Mas eu sei que você sabe que eu ainda poderia trazer alguns problemas. Grandes problemas.
Cristina engoliu em seco, se amaldiçoando por sempre esquecer a maldita pílula e ter se enfiado naquela confusão.
- Que seja. Vamos, agora.
-
Quando Olga começou a alugar seu ultrassom e seu marido, tudo sem o menor vestígio de uma compensação, foi chato. Irritante. Enfurecedor. Mas Cristina deixou. Permitiu na maior paz. Estava grávida, gorda e cansada demais para brigar. E, espetacularmente, não estava a fim de confusão.
Além disso, havia um lado positivo. Toda vez que ela ia alugar seu ultrassom, levava Miguel junto. E Cristina estaria mentindo se dissesse que os dois ficavam à vista dos outros o tempo todo.
Ele sempre ia para a varanda, fumando tanto que o teto acima dele já estava ficando amarelado. Cristina sempre ficava uns bons metros distantes daquela fumaça. Não queria prejudicar sua menina com nada, principalmente tão perto da gravidez terminar.
- Você sabia que isso vai te matar, não sabe? - perguntou ela um dia.
Miguel ergueu os olhos da rua que andara observando.
- Vai ser só um pouco mais rápido. Todos morrem.
- Não vejo muita relação entre isso e um lento suicídio – observou ela, crítica.
Miguel acabou o cigarro, o jogou para fora da varanda e se virou para vê-la melhor.
- Todos escolhem como querem morrer. Por exemplo, aquele babaquinha que anda visitando você claramente quer levar um tiro.
Cristina gelou.
- O quê?
Miguel sorriu.
- Eu sei. Vi pelo circuito interno. E, francamente, voltar aqui tão rápido é desejo de morte. Quase peguei a pistola da gaveta da mesinha e desci. Odeio aquele cara. Mas entendo você. A gravidez torna algumas mulheres mais excitáveis, e meu irmão não colabora. Sei que não estamos nos vendo muito, mas saiba que estou sempre à disposição.
- Não é assim que acontece – disse ela aos gaguejos depois que ele terminou o discurso – É complicado.
- Então explique – pediu ele com suavidade.
Cristina explicou.
- Ele quer o bebê? – perguntou ele no final, incrédulo.
- Sim. Por quê?
- Se tem outro homem disposto a assumir a paternidade, a maioria dos caras salta fora.
- Não o julgue pelo seu comportamento, Miguel – disse ela, azeda.
- Eu me casei com Olga quando ela engravidou – defendeu-se ele.
- Teve jeito?
Miguel pensou sobre isso por meio segundo antes de rir.
- Não. Se eu não tivesse feito isso, ela ia me matar. Ou fazer coisa pior, sei lá. De qualquer forma, você sabe que eu não sou assim de abandonar um filho.
Não?, pensou ela, cética, acariciando a barriga e pensando em Olga sozinha com Maurício naquele quarto.
- Vou fingir que acredito nisso. No dia que você falou para sua mãe que ia casar com Olga, me pareceu uma coisa ensaiada. Não acho que você queria de verdade.
- Certo, talvez ela tenha me forçado um pouco. E daí? Já casei de qualquer forma. Mas você mudou de assunto. Queria saber por que ele quer esse bebê.
- Porque pode ser filho dele – explicou ela, cansada, apoiando-se na parede – James tem um alto conceito da sua genética.
- Se for dele, o que você acha que Maurício vai fazer?
- Oras, o quê? Ficar comigo. E com o bebê.
- Como uma linda família feliz – comentou ele, sarcástico – Cai na real, Cristina. Se ele tiver a prova da traição no quarto ao lado, quanto tempo acha que vai ficar com você?
Cristina se desencostou da parede, tensa.
- Você tem que entender, Cristina – continuou ele, se aproximando – que saber com certeza que essa garota é filha de outro é diferente do que viver numa simples ignorância. Não acho que você vá ficar muito tempo por aqui se acontecer isso.
De repente, Olga gritou chamando por Miguel no quarto.
- Já vou – gritou ele de volta, e, numa voz suave totalmente diferente, virou-se novamente para Cristina – Acho que você deve ter um plano B para não estar à mercê do Maurício se isso acontecer. Fica a dica.
E foi embora, deixando uma Cristina preocupada para trás.