Capítulo 32
1497palavras
2023-01-28 05:13
Desde o primeiro dia de 2016, Maurício queria montar o quarto do bebê. Cristina resistiu. Era realista. Estava grávida de pouco tempo ainda, e sabia que a possibilidade de abortar na primeira gravidez não era exatamente desprezível. Eventualmente, ela e Maurício entraram num acordo: assim que o bebê fizesse o primeiro movimento, iriam começar a providenciar a mobília.
Aconteceu quando ela tinha pouco mais de 4 meses de gestação. Maurício nem quis saber de esperar uma hora mais conveniente, e a tirou imediatamente de casa para começar a providenciar os móveis. E foi difícil segurá-lo. Ele cismara, de forma totalmente não racional, que Cristina teria uma menina, e, portanto, queria tudo rosa. Ela estava no meio da loja tentando demovê-lo daquela ideia doida quando ouviu a voz.
- Cristina.
Eles congelaram por pura incredulidade. Depois do que pareceram muitos segundos, tiveram que se virar para James.
Os olhos dele foram do rosto dela até sua barriga inchada e subiram de novo, a expressão do rosto saindo de neutralidade calculada para indignação.
- O que você está fazendo aqui? – perguntou Maurício, ainda atônito.
- Exercendo meu direito de ir e vir – respondeu ele, ausente, e então – Ela está grávida. Não planejavam me dizer?
Maurício envolveu Cristina com os braços e encarou James.
- Ela não precisa dizer nada a você – declarou com retumbância - Nós dois vamos resolver isso sozinhos.
James inflou de indignação.
- Pode ser meu, pelo tempo.
- É meu – contrapôs Maurício.
- A paternidade não acontece só porque você acredita bastante nela.
Os dois ficaram se encarando, tensos, por um minuto ou mais. Cristina ainda nos braços de Maurício.
James desviou o olhar para ver as horas.
- São 19:30. Temos muitos assuntos a resolver. Vamos jantar?
Cristina e Maurício se entreolharam e, sem ação por aquela aparição súbita, foram.
-
- Cristina ficou grávida durante o nosso casamento – começou Maurício assim que se sentaram num restaurante próximo – Sou o pai presumido dessa criança.
James levantou os olhos do guardanapo com o qual andara brincando.
- Vocês estavam divorciados quando ela engravidou.
- Estaríamos, se eu tivesse entrado com a ação.
James largou o guardanapo.
- Casados ou não, ainda pode ser meu – observou ele – E, se for, eu o quero.
- Não – disse Cristina, enfática.
Os dois homens olharam para ela, que pôs as mãos protetoramente na barriga.
- É nosso – declarou – Mesmo se tiver sua genética, a guarda vai ser nossa. Você sabe que não tem nenhuma chance contra nós.
E pegou a mão de Maurício sobre a mesa, apertando-a. Ele lançou-a um olhar cheio de gratidão.
- Não quero a guarda – disse James de forma um tanto reticente – Apenas meus direitos como pai. E isso vocês tentaram me negar.
Ninguém falou nada por algum tempo.
- Não queremos você na nossa vida – disse Cristina, petulante.
James a olhou como se não ligasse a mínima para o que eles desejavam ou deixavam de desejar.
- Você perdeu esse direito quando engravidou de mim – disse com suavidade.
- Engravidou de mim! – repetiu ela, rindo, e resolveu partir para o ataque - Vai se enganando, James. Suas chances são ridículas. Usávamos precauções. Mais de uma, aliás.
- Você frequentemente esquecia a pílula.
- O que não invalida a camisinha.
- Só se simplesmente não estivesse lá. O que você sabe que às vezes aconteceu.
Cristina não teve nada o que responder. As palavras chuveiro e sofá se intercalavam nos seus pensamentos com uma insistência inconveniente. Ela corou ao perceber que o ambiente de repente parecia muito quente.
- Eu quero fazer um exame – disse ele subitamente.
- Não agora – respondeu Cristina imediatamente – Eu poderia abortar.
James endireitou-se na cadeira.
- Só vou saber se o bebê é meu depois que você der à luz, então?
- Sim, ou então você pode só...
- Então acho que vocês vão ter que me aguentar por um bom tempo.
Houve uma grande pausa. Então Cristina perguntou, não sem um tom histérico:
- Mas o quê?
James sorriu, satisfeito com o efeito que causara.
- Se for meu – começou – queria ter a satisfação de ter acompanhado a vida do meu filho desde o início. Quero estar presente em tudo.
- Senão o quê? – desafiou-o Cristina, olhando-o com firmeza.
James a olhou na mesma medida.
- Lembra quando eu te disse que luto até o fim? Pois então. E a justiça tem muitas instâncias. Você até pode ficar com a guarda, mas só depois de lutar por muitos anos num processo muito dispendioso. Posso garantir isso.
O silêncio caiu sobre a mesa.
- Ah, que inferno – resmungou ela, desistindo – Está certo. Se você quiser estar, então esteja. Só não sei como vai fazer isso.
- E por que não?
- Não vou levar dois papais para a obstetra.
Um grande e longo silêncio caiu novamente sobre a mesa.
- Eu sei como resolver isso – disse Maurício de repente.
Os outros dois o olharam com curiosidade. Os pratos que haviam pedido chegaram nesse instante. Então, enquanto comiam, Maurício explicou.
-
Eram 15:01 quando o interfone tocou. Maurício olhou para Cristina.
- Se você quiser, eu não o deixo subir.
Cristina sacudiu a cabeça.
- Não. Vá atender, Maurício.
Ele se levantou do sofá e foi atender. Voltou depois de 15 segundos.
- Está subindo – informou enquanto sentava-se novamente.
Cristina nada disse. Apenas acariciou sua barriga saliente. Desde o primeiro chute, o bebê andava manifestando sua vida de forma incrível. Quase como que para garanti-la que daquela vez era de verdade, não um alarme falso ou uma gravidez psicológica (como se ela tivesse desejado ficar grávida). Ela estava mesmo naquela encrenca.
- Por que estamos fazendo isso, afinal? – explodiu Maurício subitamente, levantando-se – Foi uma péssima ideia, de qualquer forma. Você sabe que ele não se importa.
- Se for dele, ele vai se importar.
- Não, não vai. – insistiu ele – Só vai registrar e abandonar com você. E vai ter sido só um acidente.
Cristina franziu a testa. Era interessante como as pessoas só lembravam o que queriam. Ela morara com James por meses, e suas precauções para evitar bebês eram eventualmente sujeitas a falhas. Se as coisas tivessem continuado assim, se por acaso eles tivessem ido jantar num outro dia naquele bendito restaurante e aqueles eventos não tivessem ocorrido, uma hora ela teria ficado grávida de verdade. E não haveria dúvidas de quem era o pai. Partindo desse princípio, era Maurício o acidente da história.
Antes que pudesse falar qualquer coisa nesse sentido, porém, a campainha tocou. Maurício foi atender, não sem uma longa hesitação antes, e, quando a porta foi aberta, James entrou com uma mala a tiracolo, passando por Maurício como se ele fosse o mordomo, e foi até Cristina no sofá.
- Olá – cumprimentou ele – Trouxe sua mala, já que você nunca voltou para pegá-la.
E colocou a bolsa preta na mesinha de centro. A lembrança que Cristina tinha dela era como se fosse de outra vida. Realmente não fora buscá-la, por que faria isso? Eram só roupas, papéis e dois ou três livros da faculdade.
- Obrigada – agradeceu ela formalmente.
Pelo canto do olho, ela viu Maurício transferir o peso de uma perna para a outra, algo incomodado.
- Podemos fazer isso logo? – perguntou ele.
Cristina se levantou e começou a ir para o quarto, algo bamboleante pelo peso da barriga. Os dois homens se adiantaram para ajudá-la. Ela sacudiu a cabeça para ambos e foi indo sozinha.
- Estou grávida, mas ainda posso andar – lembrou ela, azeda, e perguntando-se quanto tempo demoraria para que aquilo virasse uma mentira.
Os três chegaram à porta do quarto como uma trupe desarmoniosa. O cômodo ainda não tinha muitos móveis, e berço estava encostado num cantinho. O que dominava a cena eram três cadeiras, sendo que uma era reclinável, e, o detalhe que até agora deixava Cristina abismada, um ultrassom.
Quando Maurício falara disso pela primeira vez no restaurante, Cristina não acreditara. Achara absurdo. Poderia mandar o vídeo da ultrassonografia para James, e pronto. Mas não. Maurício era daqueles que matava uma barata com uma bazuca. E, além do mais, ele tinha dinheiro de sobra. E, pior, era bondoso por natureza. Só assim para explicar uma decisão que beneficiaria seu maior adversário no momento.
Então assim fora. Ele, que podia ser muito obcecado se assim o quisesse, aprendeu em menos de um dia como mexer no troço com eficiência. Eles inclusive haviam testado.
- Você sabe mexer nisso? – perguntou James, que obviamente não sabia de nada. Que, também de forma óbvia, sequer se prontificara a pagar alguma coisa da máquina e ver seu dinheiro ir embora dançando a conga. Ele podia querer aquele bebê, mas também tinha outras prioridades.
Maurício só olhou para ele. E qualquer discussão sobre competência parou por ali.