Capítulo 30
1267palavras
2023-01-27 05:16
O porteiro do turno da noite se chamava Carlos, e cismara de chamar Cristina de Sra. Resende. Ela não mudara de sobrenome após o casamento, mas isso não parecia importar para Carlos. Se Teresa era a Sra. Resende, provavelmente pensava ele, suas noras seguiriam seu exemplo. Ele parecia não se importar que os tempos houvessem mudado e que nesses novos ninguém mudava mais o sobrenome, e, assim, tratava Cristina Medeiros como se ela fosse da velha guarda.
Poucos meses antes, Cristina teria feito uma careta e o corrigido. Ela tinha o seu orgulho. Por mais que tivesse desejado entrar naquela família, não se anularia por um bom casamento. Era uma Medeiros, afinal, e não mudaria por homem algum. Naquele momento, porém, ela apenas sorriu, cansada, e assentiu. Afinal, ponderou no elevador, ela estava novamente naquele prédio com o objetivo de se tornar novamente a esposa de um Resende.
Apenas com o objetivo. Se conseguiria, eram outros quinhentos. Cansada e deprimida do jeito que estava pelos últimos acontecimentos, Cristina não saberia se conseguiria sequer destrancar a porta.
Mas conseguiu. Graças a Deus, Maurício não trocara a senha da fechadura para impedi-la de entrar. Depois que ouviu o estalo com alívio retumbante, abriu a porta e fechou-a atrás de si depois de pisar no seu apartamento pela primeira vez em meses. Então, caiu no sofá do jeito que estava, fechando os olhos quando bateu na superfície macia. Enquanto ouvia o barulho tranquilizador da chuva e ia mergulhando no sono, seu último pensamento foi justamente o de não querer pensar em mais nada por cinco minutos, pelo menos.
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Cristina já estava acordada e sentada no sofá, com a roupa ainda úmida da chuva que pegara, olhando aérea para a parede, quando ouviu novamente o estalo da fechadura eletrônica.
Era Maurício. Se teve alguma surpresa com sua ex-mulher dentro do seu apartamento, não demonstrou. Era como se já esperasse aquilo.
- Oi, Cristina – cumprimentou ele, entrando no apartamento.
Cristina respirou fundo. Então, ergueu os olhos e se aproximou dele.
- Maurício, precisamos conversar.
Ele levantou os olhos para encará-la de forma muito cuidadosa.
- Acho que não precisamos, não?
O coração dela parou por meio segundo antes que ele estendesse a mão e segurasse a dela. Ela suspirou de alívio.
- Eu quero você de volta – continuou ele de forma muito honesta – e, depois de tudo que aconteceu hoje, acho que você também. E agora encontrei você no meu apartamento. Acho realmente que não precisamos conversar.
Cristina sorriu de forma um tanto vacilante para ele. Maurício retribuiu e se aproximou.
- Pelo menos não agora – concluiu ele, beijando-a.
Mais tarde, eles transaram pela primeira vez em muitos meses, e Cristina percebeu que estava tudo bem de novo.
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- A Bárbara, ela e você...? – perguntou Cristina a Maurício no dia seguinte, quando os dois ainda estavam na cama.
Ele negou com a cabeça.
- Era a primeira vez que saíamos – respondeu.
- Mas e aquela carona?
Maurício riu.
- Bem, depois de você e Olga terem quebrado a mulher toda, era um gesto de piedade.
Cristina não conseguiu deixar de sorrir um pouquinho. Tinha sido realmente um ótimo trabalho. Então, ela hesitou antes de fazer a próxima pergunta. Estava curiosa, mas doía só pensar naquele idiota.
- E o James? – conseguiu finalmente – O que ele fez para vocês baterem nele?
- Engraçado você presumir que foi ele quem fez algo.
Cristina não estava presumindo. Tinha certeza mesmo.
- Mas não foi?
- Foi – confirmou Maurício – Mas ele não fez nada de especial. Só foi...
- Babaca – completou Cristina.
- Exatamente. E como estávamos todos muito estressados, foi o estopim.
- Ele merecia – comentou Cristina vingativamente.
- É, acho que sim.
Maurício fez uma breve pausa antes da vez da sua pergunta.
– Bárbara foi mesmo amante do meu irmão?
- Sim.
Maurício voltou a encarar o teto com ar ausente.
- Golpista – praticamente cuspiu.
Cristina achou a fala hilária, considerando com quem ele estava falando, mas conseguiu ficar séria. Ignorância era uma benção.
- Maurício – começou devagar, num tom tão sério que ele se virou para olhá-la – Naquele dia você ia me matar? Sabe, no apartamento.
Ele apoiou-se nos cotovelos e acariciou seu rosto.
- Claro que não, querida. Eu bem poderia ter matado aquele tal, mas, você? Nunca.
Cristina suspirou de alívio, e permitiu que o tema Bárbara voltasse à tona. Parecia uma coceirinha que não a deixaria em paz até ser esgotada.
- Vocês não transaram mesmo? Maurício, você não precisa me esconder isso só porque ela é... era... minha amiga. Estávamos separados, de qualquer forma.
- Você foi a única mulher da minha vida, Cristina – confessou ele sem qualquer vergonha – E, sinceramente, isso não me parece ruim.
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Por decisão mútua, Cristina ficou escondida no apartamento até o Natal. Maurício tinha-lhe contado que Teresa ficara um pouco aborrecida com a separação deles (conhecendo a velha, Cristina achava que um pouco aborrecida era um eufemismo), e, portanto, ele tentaria aplacar a irritação da mãe antes que as duas se encontrassem novamente. Então, Cristina ficou dezenove dias trancada dentro do apartamento com alegria, até mesmo com alívio. Depois de tudo o que acontecera, o que ela mais queria era um tempo longe do mundo. Já estava de férias na faculdade, de qualquer forma.
- Preparada para ser a nora da dona Teresa novamente? – perguntou Maurício na manhã do dia 24, quando Cristina entrou na cozinha.
Cristina bocejou, cheia de sono.
- Já passei por coisas piores – disse ela, pensando na Sra. Colbert com desgosto.
Maurício riu.
- Eu sei. Acho que não vai ser tão ruim assim, ela só está um pouco magoada por você ter deixado a família. Não sabe daquela confusão toda. Aqui, o café está pronto.
Quando viu o café dentro da xícara, o estômago de Cristina se embrulhou como se café, ao invés de ser o seu líquido sagrado, fosse a coisa mais degradante. Quando toda a pizza que devorara na noite passada começou a subir pela sua garganta, ela só teve tempo de correr como uma louca e vomitar horrores no vaso sanitário do banheiro mais próximo.
Ela ainda estava debruçada sobre o vaso, tentando recuperar o fôlego, quando Maurício apareceu.
- Cristina, você está bem? – perguntou ele da porta, olhando-a com preocupação – Está passando mal?
- Agora estou bem – retrucou ela, sentando-se no chão frio do banheiro, apoiando-se na parede e fechando os olhos para se recuperar – Só preciso de um tempinho.
Maurício entrou no banheiro, sentou-se ao seu lado e colocou o braço por cima de seus ombros, confortando-a. Ela imaginou se ele sabia o que aquilo podia significar.
Porque ela sabia o que era. Toda mulher sabe, quando chega a sua hora. Fomes fora de hora, sono em excesso, seios um pouco doloridos. Agora, os enjoos. Tecnicamente, com a pílula, isso nunca deveria acontecer, mas Cristina nunca seguira a tabela tão regularmente quanto deveria. Muito longe disso, aliás.
- Maurício, eu... acho que preciso de um teste.
- De gravidez? – perguntou ele para confirmar, falhando miseravelmente em parecer calmo.
- Sim.
Maurício se levantou.
- Vou comprar um – avisou antes de desaparecer pela porta – Já volto.
- Certo – disse Cristina, mas a porta da sala já batera.
Ela não precisaria de teste algum para saber que estava grávida. Os sinais eram muito claros. Sua barriga continuava lisa, mas isso não demoraria muito para mudar.
De um teste para confirmar quem era o pai, provavelmente.