Capítulo 29
2338palavras
2023-01-27 05:16
Apesar de, ou por causa do quase-bebê, a relação de Cristina e James não melhorou nos dias seguintes. Na verdade, ficou horrorosa. Morando juntos, eles simplesmente não se entendiam. Cristina deveria ter acreditado quando leu que Leão e Virgem era uma péssima combinação astrológica.
Foi James que, finalmente, fez um gesto na direção de tentar melhorar a situação no início de dezembro. Convidou Cristina para jantar, mas não apenas jantar ordinariamente, mas jantar num restaurante bem interessante do outro lado da cidade, recentemente inaugurado. Cristina fez charme, mas acabou aceitando, dando pulinhos internos de satisfação. Se ele estava disposto a gastar aquela grana com ela, significava que as coisas fatalmente melhorariam.
E, realmente, durante a primeira hora daquele jantar, tudo se passou muito bem.
- Tem vergonha de mim, Cristina?
Ela quase engasgou com o vinho, tamanha foi a sua surpresa com a pergunta.
- Claro que não – protestou – Por que teria?
James sorriu.
- Já levei você para a casa da minha mãe. Não vejo você ter a intenção de fazer nada parecido.
Cristina ruborizou um pouquinho.
- A sua mãe – começou devagar – foi diferente. Fui lá para acalmar o medo da velhinha que seu caçulinha morresse solteiro. Apresentar você à minha mãe é só formalidade para algo que...
- Então por que você não o faz? – perguntou ele calmamente.
Cristina ruborizou de novo. Não conseguira escapar às explicações.
- É que minha mãe gostava muito do Maurício – explicou ela.
- Do dinheiro do Maurício, você quer dizer.
- Não, babaca. Ela gostava dele. E você... bem, você tem idade para ser meu pai.
Ele olhou um tempo para ela antes de começar a rir. Cristina corou de vergonha. Isso andava acontecendo muito ultimamente.
- Cristina – começou ele depois de parar de rir e recuperar o fôlego - eu sei que você não é muito boa de matemática, mas tente acompanhar meu raciocínio: eu tenho 15 anos a mais do que você. Acho que sequer era sexualmente ativo nessa idade. Aliás, eu e a maioria dos homens. Então, você não poderia ser...
Fez uma pausa e assumiu uma expressão pensativa.
- Pensando bem, talvez seja possível. Sua mãe por acaso se chama Beatriz?
Cristina ficou boquiaberta.
- Você saiu com a minha mãe? – perguntou ela, ficando colérica – Você...
James começou a rir de novo.
- Não – confessou, sem parar de rir – Vi o nome na sua identidade há um tempo. Foi irresistível falar isso. Precisava ver a sua cara.
Cristina corou de novo. Mais uma e sua cara explodia.
- Ah, porra, James – reclamou ela – Para com isso. Você sabe que uma mulher descobrir que seu namorado saiu com a sua mãe é a segunda pior coisa do mundo.
- Qual é a pior?
- Sair com a sua filha – disse Cristina concisamente.
James deu os ombros.
- Vou me lembrar disso para qualquer caso.
Cristina abriu a boca para responder, mas, antes que pudesse fazer isso, fechou-a sem falar nada. James estranhou e virou a cabeça na direção que ela estivera olhando e acabou encarando Maurício sentado numa mesa próxima.
Junto com Bárbara Nascimento. Juntos demais.
Quando James olhou para ela novamente, ela estava tendo quase uma erupção de fúria.
- Não, Cristina – disse ele, temeroso, antecipando o que aconteceria – Não faça isso. Não vale a pena.
Cristina não ouviu nada do que ele disse. Mais tarde, muito mais tarde, ela recordaria a cena e pensaria o que teria sido da sua vida se ela tivesse escutado James e continuado sentada. Mas, naquele momento, ela não pensou em nada, só em matar a ex-amiga traidora. Por isso, marchou até a mesa do mais novo casalzinho da área e parou diante dos dois.
- Oi, Bárbara – sibilou – Oi, Maurício.
Bárbara teve a audácia de sorrir para ela. Já Maurício se encolheu na cadeira como se desejasse desaparecer daquele planeta.
- Oi, Cristina – cumprimentou ela de volta, mexendo naquele cabelo alisado – Que coincidência nos encontrarmos aqui, não? Ah, oi, James.
Cristina entreviu James parado ao seu lado, tenso como um às de paus. Porque, ela tinha certeza, ele sabia o que aconteceria a seguir. Não porque compreendesse a alma feminina. Longe disso. Qualquer homem que se gabe de compreender as mulheres ou é um mentiroso ou está a meio caminho de virar uma. Por mais que James fosse duvidoso, ele não era nenhum dos dois. James sabia o que aconteceria porque entendera que Bárbara não só estava ofendendo Cristina por estar saindo com seu ex-marido, sendo que ela fora a madrinha do casamento, mais também por estar meramente no mesmo lugar que ele. E Cristina a avisara.
E por aqueles fatos, nem considerando que ela tinha sido amante do cunhado pelo qual Cristina era secretamente apaixonada, agora elas teriam que acertar as contas.
- É, coincidência incrível – respondeu Cristina, não dando espaço para James abrir a boca – Me diga, Bárbara, o que você está fazendo saindo com meu marido?
- Ex-marido – lembrou ela delicadamente.
- Você foi madrinha do nosso casamento! – exclamou Cristina, em cólera.
- Estamos separados, Cristina – disse Maurício pela primeira vez – Não significa mais nada.
Ela o ignorou.
- Você foi madrinha do nosso casamento! – repetiu Cristina para Bárbara – Como você ousa fazer uma coisa assim comigo?
Bárbara se levantou e sorriu. Foi quando Cristina soube que andara criando uma cobra.
- Você perdeu, querida – comentou ela baixinho – Alguém tem que tomar seu lugar.
Foi quando Cristina pegou o copo de vinho tinto de cima da mesa e atirou no vestido dela.
O rosto dela se desmanchou em choque quando percebeu que seu belo vestido claro, contraste perfeito com sua pele de ébano, fora arruinado. Depois de encarar o estrago, levantou os olhos lentamente e encarou Cristina em fúria.
E, naquele momento, as duas certamente teriam caído na porrada se Miguel não tivesse chegado como que por milagre.
- Cristina, o que você... oi, Bárbara.
- Oi, Miguel – respondeu ela docemente.
Cristina franziu a testa. Ofensa tripla agora. Bárbara Nascimento morreria nos próximos minutos, sem dúvida. Relanceou os olhos ao redor e viu Olga não muito longe dela.
Pela primeira vez, Cristina ficou feliz em vê-la. Fora uma coincidência estranha, mas adequada. Serviria aos seus propósitos.
Olga se adiantou. A essa altura, as outras pessoas no restaurante já começavam a prestar atenção neles.
- Conhece, Miguel?
Ele engolia em seco e se preparava para desviar quando Cristina deu o bote.
- Maurício – começou ela - espero que saiba que está saindo com uma golpista. Você não é a primeira tentativa da nossa querida Bárbara.
Houve um silêncio de ouvir cada respiração individual à medida que todos entendiam.
Cristina ouviu um arfar atrás dela, e viu pelo canto dos olhos quando Maurício se levantou e recuou para mais ou menos onde estava James.
- Você foi amante do meu marido, sua vaca – disse Olga devagar, como se ainda não tivesse apreendido a ideia de que finalmente tinha a maldita diante dos olhos.
- Olga... – começou Miguel, pondo a mão no ombro da esposa. Olga deu um tapa ali e ele, um pouco amedrontado, se afastou para perto do irmão, deixando Bárbara entre duas mulheres furiosas e perigosas.
O resultado não poderia ser diferente. Pensando depois, Cristina não lembraria quem deu o primeiro tapa. A única coisa que saberia era que, pela primeira vez, ela e Olga estavam numa mesma briga em que não tentaram se bater.
O resultado foi um massacre. Bárbara tentou, mas nunca conseguiria se defender contra as forças combinadas de duas mulheres irritadas. A única porrada mais forte que ela deu foi quando a nova dupla dinâmica se distraiu por um segundo com a explosão de uma briga entre os meninos, quando ela acertou um soco no queixo de Cristina. Olga acertou-lhe um baita sopapo na lateral da cabeça que a fez cair no chão como um saco de batatas. Quando ambas perceberam que ela não se mexeria mais por algum tempo, se viraram para assistir ao segundo confronto.
- Não sou sua amiga só por isso – sussurrou Olga enquanto viam James ser atingido por todos os lados.
Cristina não desviou o olhar da briga. Certamente fora James que detonara o confronto. Homens tinham uma irmandade de união e defesa, mas não com ele. James fazia com que todos os homens o odiassem instintivamente. Ainda mais aqueles dois homens, que tinham bons motivos para isso.
- Não esperava que fosse – respondeu ela no momento em que James conseguia alcançar um copo e arrebentá-lo na cabeça de Miguel.
-
Os três só pararam de brigar quando os garçons reticentes que tentavam separá-los foram substituídos por três seguranças fortões e maus, que, depois de pedirem educadamente para as três damas presentes (Bárbara já estava acordada, embora meio grogue) se retirarem, se viraram para os brigões, os separaram e os atiraram na rua sem sutilezas. Eles não falaram, mas Cristina presumiu que agora todos eram persona non grata naquele restaurante. O que era uma pena, porque ele era ótimo.
E só de ver Bárbara toda quebrada já valia a pena. Cristina estava muito satisfeita até Maurício, com um olho roxo, se aproximar da ex-amiga e oferecer uma carona, que ela aceitou com um sorriso meio débil. E os dois foram embora, não sem antes a víbora mandar um beijinho para Cristina pelas costas do cara.
Cristina sequer teve tempo de pensar em meter a mão naquela cara sonsa de novo antes de James aparecesse na sua frente. Estava descabelado e o nariz parecia quebrado.
- Por que você fez aquilo? – perguntou antes que ela pudesse dizer qualquer coisa.
- O quê, bater na Bárbara?
- Isso também – observou ele, azedo, limpando o sangue que escorria do nariz.
- Então o quê? – perguntou ela, curiosa, tentando entender. Não lembrava o que mais de importante tinha feito nas últimas horas.
James a encarou.
- O porquê de vocês brigarem.
- Porque ela roubou meu marido!
- Exatamente – disse ele entredentes – Acontece que, como ela bem lembrou, Maurício não é mais o seu marido. Então por que você se importaria com a vida amorosa dele?
Cristina engoliu em seco.
- Eu não fiz nada - defendeu-se automaticamente.
- Não? – perguntou ele, erguendo as sobrancelhas – Talvez você não gostasse dele ainda? Ou mesmo fosse apaixonada?
- Não sou – protestou ela sem muita força, se lembrando de quantas vezes pensara em Maurício nos últimos dias, desde que as coisas com James haviam começado a ir ladeira abaixo. E eram muitas vezes.
James deu de ombros.
- Pode até ser, mas isso mostra que você não consegue viver se importando com um homem só. Eu deveria ter percebido.
- Bárbara me traiu – disse ela, não reconhecendo direito a própria voz – Foi por isso que fiquei furiosa.
Ele balançou a cabeça.
- Eu e você sabemos que não foi só isso. O fato é que você ainda acha que Maurício é seu, e não casarei com uma mulher que não vai conseguir só ser minha.
- O que você acha que eu sou? – indagou ela, subitamente furiosa – Uma boneca?
- Não quero uma boneca como esposa – replicou ele - mas também não quero uma puta.
Cristina o encarou sem acreditar, muda de espanto. James nunca a tinha ofendido daquela forma.
- Não quero insistir nisso – prosseguiu ele – Eu sei como vai ser o final. Afinal, eu estava lá quando acabou o seu primeiro casamento.
E deu às costas para Cristina, indo embora. Ela finalmente recuperou a voz.
- Sabe por que você nunca casou, James? – perguntou ela com um tom furioso.
Ele se virou para ela.
- Não é porque você nunca quis – continuou ela, histérica, sem dar espaço para ele falar – mas porque você nunca conseguiu. Depois de um tempo, as mulheres sempre percebem o quão merda você é.
James estreitou os olhos.
- Minha paciência tem limites, Cristina – disse ele, elevando levemente o tom de voz – e você está cruzando todos eles.
- Você não quer casar comigo agora – prosseguiu ela como se não o tivesse ouvido – mas eu não quero desde que percebi quem você é, seu babaca egoísta. Espero que morra sozinho.
James chegou a dar um passo na direção dela, mas parou.
- Vou deixar as suas coisas no tapete da porta – falou – Não preciso mais te ver.
E se virou para ir embora. Daquela vez, definitivamente.
Desconcertada por tudo aquilo ter acabado assim, e com o peso dos últimos acontecimentos finalmente a atingindo, Cristina desabou e começou a chorar.
- Cristina...
Ela se virou e deu de cara com Miguel, que pelo visto vira tudo. Dos três brigões, era ele quem parecia mais inteiro. Ele se aproximou, mas, antes que pudesse fazer ou falar qualquer coisa, Olga, que também estava perto, decidiu intervir.
- Miguel, vamos para casa.
Ele se virou para a esposa.
- Cristina está chorando – observou ele com alto tom de censura na voz – Não podemos deixá-la assim.
- Sim, podemos – replicou Olga tranquilamente, um tanto fria – porque ela não tem mais nada a ver conosco. Vamos, Miguel, quero ver Yuri.
Miguel hesitou por cinco segundos, mas a menção ao filho fora definitiva. Ele lançou à Cristina um olhar de desculpas e foi com a esposa.
Cristina acabou sozinha no meio da rua, com o rosto vermelho de choro e o vestido arruinado pela briga, molhada pela chuva que logo começou a cair. Depois de uns bons minutos que pareceram horas, sentada ali na sarjeta, ela, com a plena consciência de que chegara ao ponto mais baixo da sua vida, percebeu que, antes de voltar para a casa da mamãe, só existia mais uma coisa que poderia fazer que poderia dar resultado.
Não que essa coisa fosse garantia de nada.