Capítulo 28
2178palavras
2023-01-27 05:14
James passou o resto do dia tentando arrumar uma nova porta para o seu apartamento. E Cristina passou o resto do dia trancada no quarto, ainda somente com a blusa mal abotoada, em estado de choque. Quando o sol estava se pondo, ele voltou.
- Precisamos conversar – anunciou depois de alguns segundos.
Ela o encarou sem expressão.
- Agora?
- Sim, a não ser que você tenha um lugar para dormir essa noite.
Cristina ia falar que estava abrigada na casa de Bárbara. Foi quando lembrou que, naquela manhã mesmo, a amiga insinuara um ultimato para que ela fosse embora. Bárbara podia ser muitas coisas, mas não era boa companheira de casa.
- Certo – suspirou ela.
James se sentou na cama ao lado dela.
- Você pode ficar aqui...
- Obrigada – disse ela, estranhando aquele ato de caridade.
-... mas eu vou te pedir algo em troca.
- Ah. O quê?
James chegou mais perto dela.
- Minha mãe está me pressionando para casar.
Cristina o olhou com estranheza.
- Você ainda tem muito tempo para casar, se quiser.
- Estou ficando um pouco velho para o mercado matrimonial, segundo ela. Por isso a insistência.
- Você tem quantos anos, 37?
- 39.
Cristina assentiu.
- É, você está um pouco velho. Mas qual é a minha parte nisso?
Ele só a encarou.
Cristina ficou processando a informação por algum tempo.
- James - começou ela lentamente – Maurício nem teve tempo de pedir o divórcio, e você já está me propondo casamento? Nossa, eu devo ser mesmo muito...
- Não é bem isso – interrompeu ele, sem graça.
- Então explique.
- O que eu quero – começou ele – é uma noiva. Alguém para apresentar para a minha mãe e acalmá-la. Mesmo que você ainda seja em tese uma mulher casada...
- Só por pouco tempo – ponderou Cristina, desgostosa – Talvez apenas algumas semanas.
- De qualquer forma. Aceita ou não?
Meio sem escolha, Cristina assentiu, concordando com o arranjo. Subitamente, porém, começou a rir.
- O que foi?
Cristina começou a parar de rir aos solavancos.
- Sra... Sra Cristina Colbert! Ah, Deus. Nunca esperei que fosse ficar noiva de um professor.
James ficou um pouco aborrecido com a farpa.
- Você também não é a noiva dos meus sonhos – replicou.
- E por que não seria?
- Acho que é rodada demais.
Cristina se crispou toda.
- Só porque tive outro homem antes de você? Que patético.
- Quisera eu. Mas foi um homem, o irmão dele e só Deus sabe quantos outros.
Cristina se lançou um olhar atravessado.
- Nunca transei com Miguel – afirmou ela com a consciência limpa.
- Certo – concordou ele, a descrença estampada no rosto – Quantos?
- O quê?
- Com quantos você já dormiu.
- James, isso é pessoal.
Ele sacudiu a cabeça.
- Você é minha noiva agora. Nada mais é pessoal.
Cristina franziu a testa ante tal conceito peculiar de privacidade.
- Então, quantos?
- Quer a resposta educada ou a verdadeira? – disse após uns bons segundos, depois de pensar.
- Ambas.
- Só você, Maurício e o meu primeiro namorado, o Artur.
James ficou esperando.
- A verdadeira agora – pediu.
Cristina suspirou e, concentrando-se, começou a contar nos dedos conforme se lembrava, diante do olhar assombrado dele.
- Gabriel, Alberto, Artur, Júlio, Daniel, Bernardo, Inácio, Maurício e você.
James sacudiu a cabeça, pensando.
- Significa que eu fui o nono, então.
Cristina hesitou antes de confirmar com a cabeça.
- Na verdade – acrescentou - eu não tenho muita certeza sobre Bernardo. Era uma festa, e eu estava muito bêbada, se você entende. Mas se foi, o que acho que foi, você é o nono, sim.
- Tive menos amantes que você – declarou ele com certa censura.
Cristina ficou sem saber o que dizer por certo tempo.
- Acontece – disse finalmente.
- Só quando não se prefere qualidade à quantidade – murmurou ele com suavidade crítica, e se levantou para ir à cozinha.
-
Durante as horas seguintes, nem Cristina nem James desistiram do acordo, já que ambos tinham a ganhar com ele – James, uma noiva e Cristina, um sustento. Na manhã seguinte, ela foi buscar suas coisas, para o grande alívio de Bárbara. E foi assim que começou o que mais tarde Cristina consideraria meses um tanto trágicos.
Logo na semana seguinte, ela foi conhecer a nova sogra. A intenção era acalmar a velhinha, assegurando a ela que o filho se casaria em breve com uma boa mulher, e conhecer os irmãos dele. Não havia pai na situação. Ele morrera quando James tinha 5 anos, não muito tempo depois da falência.
A mãe, para compensar, era insuportável. Meia hora com ela e Cristina queria matá-la. Era a versão Teresa Resende 3 vezes pior, mais esnobe e convencida. A irmã também era um sebo, e tão grudada em James que Cristina saiu de lá convencida que a mulher tinha uma paixão incestuosa pelo irmão caçula. Por outro lado, o irmão mais velho era um gato. Era a figura de James quando ficasse mais velho. Não seria nada mal, Cristina agora sabia. Mas a irritação com as mulheres da família, além dos sobrinhos pestes, foi tamanha que, quando voltaram ao apartamento, Cristina fez James prometer que só iriam à casa da Sra. Colbert para ocasiões estritamente formais. Mesmo assim, se Cristina não encontrasse uma desculpa para faltar. Ele ficou com cara amarrada. Obviamente gostava da mãe e da irmã (não do irmão). Assim, o noivado prosseguiu.
No início, não parecera tão ruim, verdade. Ter que se acostumar à Zona Norte novamente depois de ter tido a Sul foi duro, mas Cristina sobreviveu. E ele ressonava um pouco quando dormia, cabia reconhecer, mas, de resto, nada tão horrível. Ela até começou a usar o anel de rubi como se fosse anel de compromisso, pensando que talvez algum compromisso decente saísse dali. Talvez, quando saísse o divórcio com Maurício, eles pudessem se casar de verdade, não só ficarem noivos de mentirinha. Poderia ser.
Isso foi antes de James derrubar Cristina da cama.
A resistência dele em dividir sua vida com uma pessoa personificava-se na cama. Desde que saíra da casa da mamãe e fora morar sozinho, ele jamais dividira aquela cama com uma mulher por mais do que algumas noites. Então, era compreensível que ele começasse a, dormindo, se espalhar cada vez mais pela cama, espremendo Cristina, também adormecida, em um cantinho, até que, na quinta noite, ela rolasse para fora da cama e se chocasse em alto som contra o chão. Quando ela se orientou de novo, ergueu-se até ver qual era a de James. Ele estava esparramado pela cama quase inteira, roncando com vontade.
Ela fechou a cara. Realmente, aquilo até podia ser compreensível do ponto de vista psicológico, mas derrubar uma dama da cama nunca seria aceitável.
Ela tentou acordar James, mas a única reação dele foi se virar na cama e continuar roncando. Assim, Cristina se conformou e foi dormir no sofá como um marido castigado pela esposa, acordando na manhã seguinte com uma puta dor nas costas e uma super vontade de gritar com James.
Foi o que fez. Naquela manhã chuvosa de outubro, eles discutiram. E em muitas outras também. As discussões eram muitas vezes sobre coisas estúpidas, o que levava Cristina a pensar que a vida de casados deles, se realmente chegassem a casar, seria um inferno. Se brigavam tanto agora e ela sequer conseguia lembrar o motivo à noite, o que seria quando os motivos fossem mais sérios e impossíveis de esquecer?
Foi quando Cristina começou a pensar se estava realmente preparada para isso; para um novo casamento tão perto do fim de outro, e, principalmente, para um casamento com James. Quando os dois só se encontravam ocasionalmente, Cristina, mesmo o achando irritante, não conseguia resistir à atração e até gostava dele um pouco. Ultimamente, porém, a relação deles chegava às raias do ódio mútuo às vezes. Eis o estrago que a convivência fez com duas pessoas tão diferentes. E, para completar, ainda havia a porra daquela gata, Anne, que teimava em se esfregar nas roupas escuras de Cristina só para provocar.
Mas, mesmo tendo começado a ter essa percepção, foi só no final de outubro que ela percebeu realmente como nenhum deles estava pronto para um casamento. A menstruação dela, tão certa como um relógio, pela primeira vez a deixou na mão.
Se tivesse sido só uma semana, vá lá. Mas foram duas.
E Cristina começou a achar que tinha produzido um bebê com James.
Para seu espanto, ela não ficou horrorizada. Nem idiotamente feliz. O que sentiu foi muito diferente do que esperava. Foi comoção misturada com medo e... curiosidade. Porque se sabia lá o que uma mistura dos dois podia gerar. Provavelmente um bebê bonito, mas...
Mas ela resolveu que só pensaria naquilo mais tarde. Só depois de ter dado as novas notícias para James.
A reação dele, porém, foi muito diferente do que Cristina esperava.
- Olá – cumprimentou ele, bem-humorado, assim que passou pela porta – Fui comprar o café.
Cristina sorriu, embora não tivesse motivo nenhum para isso. Normalmente, o fato dele ser um pássaro matutino a irritava muito, mas não naquele dia. Deviam ser os hormônios.
- Estou grávida – anunciou.
Ele ficou tão chocado que deixou o jornal ir direto para o chão.
- Como? – perguntou, ainda mantendo o café bem seguro nas mãos.
- Acho que tem algo a ver com reprodução humana – gracejou ela.
- Não – disse James, sacudindo a cabeça – Usamos camisinha. E achei que você tomava pílula para qualquer caso.
- Sim, eu sei. Mas daquela vez que a camisinha estourou, três semanas atrás, eu tinha... esquecido de tomar em alguns dias.
- Esquecido – repetiu James, sem acreditar – Quantos dias?
-Três.
Ele respirou fundo enquanto se acostumava com a ideia. Cristina podia entender. Dois métodos anticoncepcionais, na maioria esmagadora das vezes, evitavam justamente a hipótese de gerar um bebê.
- É meu? – perguntou James.
Cristina se inflou de indignação, se levantando do sofá para encará-lo bem.
- De quem podia ser? Do vizinho? Porra, James.
Foi a vez dele de dar de ombros.
- Conhecendo você, é melhor perguntar.
Silêncio se seguiu a essa declaração um tanto desanimadora.
- Você tem certeza? – perguntou ele, ainda com expressão incrédula – Fez quantos testes?
Cristina hesitou.
- Na verdade, não fiz – disse finalmente – Minha menstruação só está atrasada. Ela nunca...
- Não saia daí – disse ele repentinamente, e saiu de novo pela porta, apressado, deixando Cristina plantada em pé como um poste.
Ela nem tinha tido tempo para ficar muito puta quando ele voltou.
- Pode indo no banheiro – mandou ele, empurrando algo para a mão dela.
Enquanto fitava o teste de gravidez, Cristina percebeu que não só não estava pronta para um casamento com James.
Ela não queria casar com aquele homem. Não com quem recepcionava a notícia de uma gravidez daquela forma. Cristina não sabia se James não gostava de crianças em geral ou só com ela mesmo. Só sabia que uma família que começava com aquela cena ruim não podia dar certo em nenhum lugar do mundo.
Ela, então, agarrou o teste e foi para o banheiro. Três minutos depois, saiu. Ele estava perto da porta.
- E? – perguntou, ansioso.
Cristina ergueu o teste. Tinha só uma linhazinha azul.
- Negativo. Parabéns, você não vai ser um orgulhoso papai.
James soltou a respiração que andara segurando. Não precisava dizer nada para mostrar que estava aliviado.
- Você não gosta de crianças, James? – perguntou ela, um pouco frustrada.
Ele negou com a cabeça.
- Só quero que elas venham mais tarde.
- Mais tarde quanto? – perguntou ela, petulante – Quando todos os seus amigos forem vovôs?
- Pode ser – replicou ele com calma – A pressa é inimiga da perfeição. Por que, você tem pressa?
Cristina ficou sem ter o que responder por meio segundo. Era verdade, ela não tinha pressa alguma em ser mãe. Então por que a atitude dele frente a sua suposta gravidez a tinha irritado tanto?
Cristina não sabia. A única coisa que sabia era que, naquela situação, Maurício teria ficado feliz. Seria uma reação muito melhor do que a cara contrafeita de James.
Mas não devia pensar em Maurício. Aliás, não devia pensar em mais ninguém daquela família.
- Não – respondeu ela – Não mesmo, aliás. Agora, preciso tomar um banho.
Ele assentiu e deu as costas na direção do corredor.
- E não se esqueça da pílula – lembrou ele já meio longe – Vou agradecer muito se você lembrar dela hoje.
Ela concordou totalmente sem pensar. Como já sabia que não estava grávida, não poderia tomar de qualquer forma. Teria que esperar por sete dias depois do primeiro dia da menstruação, que foi logo no dia seguinte.
Apesar disso, ela se esqueceu de tomar no oitavo e nono dias seguintes, por exemplo.