Capítulo 27
1950palavras
2023-01-24 05:09
- Você nem perguntou porque eu me separei.
James nem abriu os olhos para responder.
- Não sabia sequer que precisava – respondeu vagarosamente, como se estivesse metade no mundo dos sonhos.
Cristina rolou na cama para encará-lo.
- Ele me bateu.
James abriu os olhos com visível interesse.
- Admiro esse homem.
- James! – exclamou ela num tom bem mais alto do que pretendia.
- Você provavelmente mereceu.
- Não mer...
- Então você o denunciou?
Cristina corou.
- Não.
- Então você sabe que mereceu.
- É que foi só um tapa, na verdade – justificou ela – Mas eu nunca achei que ele faria isso.
- Posso dizer que você faz as pessoas fazerem coisas estranhas, Cristina.
Ela não sabia se era melhor sorrir ou ficar séria, já que não tinha certeza se era um elogio ou não. Antes que pudesse chegar a uma conclusão, eles ouviram o estrondo.
Cristina gritou pelo susto. James se sentou e ficou ouvindo. Dali a um segundo, outro estrondo. Então, ele se levantou e começou a colocar as calças.
- O que é? – perguntou ela, nervosa.
- Alguém tentando arrombar a minha porta – respondeu ele, e lançou um olhar hostil – Você está separada de verdade, Cristina?
- Bem, eu... qual é a relevância?
- A relevância é que o seu marido veio te buscar.
Cristina gelou. Estendeu a mão e pegou a camisa, abotoando-a às pressas.
- Pode ser um ladrão – argumentou ela, a voz falhando pelo terror.
- Com tal discrição? - observou ele, e acrescentou com voz desolada – Eu devia saber que tinha algo errado. Você estava doce demais. Boazinha demais.
O estrondo reverberou no apartamento pela terceira vez, e os dois ouviram a porta indo abaixo. Então, passos. Cristina mal tinha terminado de colocar a calcinha quando Maurício apareceu.
Por um minuto, eles só se olharam. Do lado de fora, uma tempestade estourou de forma um tanto apropriada.
- Oi, Cristina. Sabia que você tem um tom de voz muito alto?
Cristina não disse nada. James resolveu se fingir de móvel.
- Sabe, eu estava tentando não acreditar quando me ligaram. Então... eu pensei que talvez fosse verdade. Mas só dessa vez. Só depois percebi... – ergueu os olhos e observou James, a própria definição do amante pálido pego no ato -... que isso é antigo. Deus, isso é muito antigo. Você mentiu para mim, Cristina.
Maurício silenciou. O coração de Cristina parecia que ia sair pela boca. Então, ele olhou de novo para James. Seu olhar ficou pousado nele por tanto tempo que Cristina ponderou se ele estava pensando no que fazer ou só admirando o cara sem camisa mesmo.
- Desde quando? – perguntou ele calmamente.
- O quê? – perguntou Cristina, soando muito parecida com uma grasna – O que nós estamos fazendo de errado? Maurício, nós estamos sep...
- Cristina?
Ela parou de falar e esperou.
- Cala a boca – pediu Maurício naquele mesmo tom calmo.
James dirigiu a ele um breve olhar admirado. Maurício o encarou e ele desviou o olhar.
- Desde quando? – repetiu.
- Desde hoje? – gracejou ele.
Maurício sorriu, mas não era um sorriso que trazia bons presságios.
- A verdade.
James não disse nada.
Maurício suspirou e balançou a cabeça.
- Certo, então. Eu não queria, realmente não queria, usar isso para matar o amante de minha esposa.
E estendeu a mão para trás, pegando a espada que estivera apoiada na parede do corredor, escondida da visão. Cristina arfou e James arregalou os olhos, devidamente amedrontado. Maurício pousou a ponta da espada no chão e se apoiou nela com as duas mãos.
- Posso garantir que ela é afiada, e vai fazer um estrago onde quer que corte. Pesada, também, então vai esmagar qualquer lugar seu que ela atingir... eu digo qualquer lugar.
James engoliu em seco de forma muito audível.
- Agora, desde quando?
- Três anos – respondeu James imediatamente - Setembro de 2011.
Maurício assentiu, convencido da sinceridade dele. Virou-se para Cristina.
- Por quê? – perguntou simplesmente.
Cristina respirou fundo. Já estava bem fundo na lama. Por que não afundar mais um pouco?
- Por quê, Maurício? – perguntou ela, a voz carregada de ironia e amargura – Porque uma mulher precisa de sexo de vez em quando.
Maurício relanceou os olhos para James e depois os voltou para Cristina.
- Não vou detalhar nossa vida sexual na frente dele, mas me parecia muito aceitável.
Cristina gargalhou.
- Aceitável – repetiu, ainda rindo – Aceitável. Se acha que deixar de fazer sexo por um mês é aceitável aos 24 anos, você tem problemas, Maurício.
Ele estreitou os olhos.
- Eu estava cansado, Cristina – disse ríspido – Ao contrário de você, me dedico aos meus estudos.
- Pelo visto dedicação aos estudos mudou de nome. Maurício, porque você...
- Se você vai me usar para esconder o seu próprio problema – replicou ele, já furioso - deixo por sua conta.
- O meu problema? – perguntou ela meio estridente.
- Você é obviamente ninfomaníaca.
- Se alguém me permite uma opinião... – começou James.
- Não permito – replicou Maurício sem desviar os olhos de uma estupefata Cristina.
- Diga, James – disse ela.
Ele hesitou por alguns instantes, mas acabou tomando coragem.
- Só ia dizer que já estive com mulheres muito mais taradas do que Cristina. E não existem tantas ninfomaníacas assim no mundo. Portanto, discordo de você.
Maurício o encarou, sem acreditar. Principalmente que James discordara de um homem armado.
- Chega – suspirou ele, e, então, James só teve um instante para se desviar enquanto a espada descia na direção dele. Cristina mal teve tempo de gritar.
A espada passou muito rente aos cachos ruivos dele, mas ele conseguiu se desviar sem sofrer danos. Mas a espada mal o errara pela primeira vez quando Maurício tentou a segunda, e passou de novo a centímetros dele, batendo no espelho e despedaçando-o, fazendo os cacos se espalharem pelo tapete macio. Na terceira vez, foi bem sucedido: mesmo tendo recuado alguns passos, James foi acertado em cheio na cabeça e caiu no chão, de onde não se mexeu mais. Maurício então se virou para Cristina.
- Você o matou! – berrou ela dramaticamente antes que ele abrisse a boca.
- Bem, ele mereceu – replicou ele com tranquilidade – Agora, você.
Cristina gelou.
- Você vai me matar?
- Eu já disse que poderia fazer isso – respondeu ele, a expressão triste – E eu tenho direito.
- Não – tentou argumentar Cristina, que já via a vida começar a passar pelos seus olhos quando, pelas costas de Maurício, viu James se levantando, pegando um abajur e vindo sorrateiramente na direção deles – Você falou que me mataria se me pegasse com o seu irmão.
- De fato, ele...
James o acertou na cabeça. O abajur se espatifou com a porrada e Maurício despencou no chão, obviamente inconsciente. A espada caiu com ele, fazendo um ruído abafado quando caiu no tapete.
Cristina ergueu os olhos, atordoada.
- De nada – adiantou-se ele, abaixando-se para pegar a espada e começando a examiná-la com interesse profissional, e acrescentou – Ele não devia ter dado as costas sem saber se eu estava inconsciente de verdade.
Ela abaixou-se e examinou o machucado na cabeça do marido, provavelmente ex agora.
- Será que você o matou?
James deu de ombros.
- E se fiz? – inquiriu, abaixando os olhos para encará-la – Ele ia te matar.
Passado o momento de pânico, Cristina não tinha mais tanta certeza se Maurício a mataria. Provavelmente não. Só havia sido um momento de choque e histeria. Quando eles tinham conversado a respeito, tantos anos antes, ele disse que acertaria as contas com os homens envolvidos, mas não com ela. Com ela, só se a pegasse com seu irmão. Na época, Cristina não levara nada muito a sério, exatamente como todo o resto de sua vida.
Foi quando eles ouviram mais passos. Então, Olga apareceu na porta.
Nenhum dos dois falou nada a princípio, chocados demais para abrir a boca, enquanto Olga exibia um sorriso deslumbrante.
- Acho que alguém te denunciou, Cristina.
- Foi você – acusou ela, subitamente recuperando a voz.
Olga riu.
- Não me julgue pelos seus próprios princípios. Não fui eu.
- Se não foi vo...
- Olá – disse Leila Rehbein, aparecendo por cima do ombro de Olga – Sabia que você devia tomar mais cuidado com táxis que seguem seu carro, James? E você, Cristina. Sua vagabunda. Ninguém me joga da escada e não leva de volta.
Cristina se lembrou, então, do vislumbre loiro que vira quando ela e James desciam as escadas. E o táxi que ela vira tantas vezes no caminho para o apartamento. Eufórica demais, ela não prestou atenção a essas coisas. Devia ter.
Vencerá aquele que, tendo se preparado, espera para dobrar o inimigo quando ele não estiver preparado. Assim dissera Sun Tzu.
E assim o círculo que acabara por destruir seu casamento se fechava.
- Cristina.
Ela olhou para Olga. Ela sorria.
- Espero que tenha entendido que entrar em guerra comigo foi a pior decisão da sua vida.
Cristina quis esbofeteá-la.
- Vejamos.
- Vejamos? Não tem o que você possa fazer dessa vez.
Cristina baixou os olhos para Maurício, imóvel no chão, perguntando-se se ele estaria muito ferido. Mas não importava. Ela o perdera para sempre. Sabia disso. E não era daquele dia. Se ele se despencara do apartamento para ali, era porque já desconfiava que ela o traía. O casamento já estava condenado muito antes daquele tapa.
Ela pensou amargamente que devia ter ouvido Teresa e engravidado. Se tivesse feito isso, pelo menos ia embora com uma pensão.
- Vocês o mataram? – perguntou Olga casualmente.
Cristina estava tão atordoada que deu os ombros. Olga foi até Maurício, abaixou-se e tomou seu pulso como uma enfermeira profissional.
- Ele está vivo – anunciou ela – Mas tem um machucado feio na cabeça. Quem fez isso, você?
- Fui eu – disse James pela primeira vez na frente dela.
Olga o encarou com interesse. Então se levantou.
- Adeus, Cristina – despediu-se, saindo pela porta, enquanto Leila dava um tchauzinho um tanto sarcástico – Poderia te desejar sorte agora, porque você vai precisar, mas não me importo.
E foram embora. Dali a pouco, eles ouviram o som de sapatos pisando em madeira quebrada. Então, silêncio. Silêncio absoluto.
Foi quando Maurício acordou, sentando-se e acariciando a cabeça. James agarrou-se mais à espada.
Os dois homens se encararam por segundos tensos. Cristina variava seu olhar entre os dois, um pouco apática em relação ao seu destino.
- Não vou fazer nada – começou Maurício, ainda um pouco tonto enquanto se endireitava - mas me devolve a espada. Não vale a pena brigar por isso.
Houve uma pausa, com Cristina pensando no que ele se referia com “isso”, a espada ou ela.
James balançou a cabeça.
- Não. Não tenho como saber se você não está mentindo.
Maurício deu os ombros.
- Que seja – disse, cansado.
Então ele se virou para Cristina.
- Só falta uma coisa agora.
E arrancou o cordão com o diamante do pescoço dela. Cristina arfou com a dor quando ele arrebentou no seu pescoço.
- Você não merece mais – concluiu ele, não sem certo pesar, e saiu do quarto acariciando a cabeça.
Ele mal saíra do apartamento quando Cristina começou a chorar. Perdera tudo, tudo pelo que lutara tanto.
- Bem, – ponderou James, obviamente tentando consolá-la – você ainda tem o meu anel.
Ela chorou ainda mais. Então, ele saiu e começou a tomar as providências.