Capítulo 25
1203palavras
2023-01-21 21:03
Cristina, por sua vez, só percebeu a oportunidade que ela mesma criara sem notar quando, depois de tê-la deixado no apartamento, Miguel não fez a menor indicação de que iria embora de volta para a festa de seu filho. Só se se encostou à parede e ficou olhando fixo para ela com um olhar que tinha de tudo, menos inocência.
Foi quando a luz se fez na sua cabeça, e a noção de que estavam sozinhos, sem ninguém que os comprometesse num raio de muitos quilômetros pela primeira vez desde sempre bateu com força na sua mente.
Com todas as suas implicações.
Daí em diante, foi a natureza no comando. Os laços familiares não importaram. Nem a proibição bíblica daquilo. Nem nada. Ela não sabia exatamente quem fizera o primeiro movimento em direção ao outro, mas isso francamente não importava, uma vez que, independente de quem fosse, os dois sempre acabariam na mesma cama, no mesmo quarto principal.
Foi então que sobreveio a tragédia.
No início, estava tudo muito bom, muito perfeito. Tão bom e tão perfeito que Cristina nem se preocupara em se soltar de Miguel para ir fechar o belo relicário que ficava em cima da cama, que Teresa dera a ela e Maurício como um dos presentes de casamento. Quando acontecia algo com seu marido, o que era raro, ela sempre era tomada por certo temor religioso de a Virgem Maria ficar observando tudo. Então, ela fechava sua visão. Porém, naquele momento, mesmo o que acontecia sendo tudo menos morno, Cristina se permitiu ignorar a santa, e, ao mesmo tempo, dedicou-lhe uma prece mental por não deixar que saísse com uma lingerie péssima naquele dia. E as atividades continuaram em direção ao que já fora excessivamente adiado.
Mais tarde, Cristina não saberia porquê fez aquilo. Poderia ser autossabotagem, por mais que fosse improvável. Naquele momento, ela sequer pensava em Maurício, e mesmo se estivesse, seus pensamentos não estariam relacionados à culpa, mas à vingança. O panaca merecia. Poderia também ter sido algo que Miguel fez, mas Cristina francamente não lembrava o que tinha sido precisamente naquele segundo para fazê-la se lembrar de...
- James – sussurrou ela, e por mais que sua voz estivesse baixinha, ele ouviu.
Miguel se desvencilhou dela de imediato. Cristina fechou os olhos, não acreditando no que fizera.
- James – repetiu ele com falsete – James? Não sou nem parecido com aquela coisa. Que porra foi essa?
- Não sei – disse ela, sem justificativa alguma, pensando em o que tinha sido aquilo.
Ele deu aquela olhada de absoluta falta de compreensão. Mas, diferente das últimas vezes que dera aquela olhada para ela, não a beijou. Longe disso. Ele se abaixou e pegou a camisa do chão.
- Não dá para fazer mais nada depois disso – decretou ele enquanto lutava para colocar sua camisa – Por mais que você seja gostosa, James foi demais. Até desanimei.
E saiu com ar frustrado. Cristina fechou os olhos e começou a xingar mentalmente James, jogada ali na cama de calcinha e sutiã. Nem sequer deixá-la fazer sexo ele deixava. Por mais que não estivesse realmente em envolvido na situação, o desgraçado ainda atrapalhava sua vida.
Abriu os olhos quando ouviu a porta batendo. Então, com um suspiro, se levantou e foi fechar a porta. Depois voltou para o quarto, arrumou o pequeno caos que haviam se tornado os lençóis da cama e, finalmente, começou a fazer a mala.
Quando terminou, ligou para Bárbara. Tinha quase certeza que ela a acolheria, mas, se não deixasse se hospedar na casa dela, arranjaria outra coisa. Não podia mais morar com Maurício, pelo menos não por enquanto.
Felizmente, Bárbara deixou. E Cristina pegou um táxi e foi.
- Mas o que aconteceu? – perguntou ela assim que Cristina atravessou a soleira da casa – Vocês brigaram?
Cristina jogou a mala no sofá e sentou-se.
- Ele me bateu – explicou concisamente.
Bárbara arregalou os olhos.
- Maurício? – perguntou, sem crer, sentando-se ao lado dela – Ele não fazia esse tipo.
- Mas fez.
- Você nem está com marcas – observou Bárbara.
- Foi só um tapa – explicou Cristina – E ele se arrependeu logo depois. Acho que só fez porque o pressionei muito.
- Pressionou?
Cristina respirou fundo.
- Eu falei que ele era gay.
Diferente de Miguel, Bárbara não riu.
- Na verdade, eu desconfiava um pouco disso – assumiu – Mas ele fazia sexo com você, essas coisas?
- Não tanto. Isso me fez desconfiar. Isso e outras coisas.
- Que coisas?
Cristina reproduziu a explicação que dera a Miguel. A conclusão de Bárbara, porém, foi diferente.
- Não acho que ele seja gay – afirmou com segurança – Isso é muito frágil. E daí que ele gosta de Chicago? Meu ex também gostava, e era um cara muito macho.
- Ex?
Bárbara assentiu.
- É. Terminamos mês passado, quando...
- Quando?
- Ele pegou Miguel comigo na nossa cama.
Cristina não conseguiu não rir.
- Que cena – comentou – Mas e o negócio do sexo?
- Bem – começou Bárbara com hesitação – Já pensou que o problema talvez fosse você?
Cristina se crispou toda.
- Qual é o meu problema? – perguntou, meio ofendida.
- Nenhum. Você é linda. Mas talvez ele não se sinta tão atraído por você, na verdade. Só se casou porque era fácil. Eu não era tão apaixonada por Renato assim, só fiquei noiva dele porque...
- Estava tudo arranjado – completou Cristina.
- Exatamente.
As duas ficaram em silêncio enquanto Cristina pensava sobre aquilo e Bárbara a analisava com um olhar muito atento.
- Bem, quanto tempo você vai ficar por aqui?
- Por quê? – perguntou Cristina, surpresa pelo tom quase agressivo dela.
- Porque Miguel costuma vir aqui. E como vocês são apaixonados e tal, acho que vai ser meio desagradável eu ficar transando com ele com você no quarto ao lado.
Cristina deu de ombros, decidida a não pensar em Miguel depois do fiasco de poucas horas antes.
- Ele é meu cunhado – disse, como se isso estivesse impedindo alguma coisa.
- Mas você não vai se separar de Maurício? – perguntou Bárbara, algo ansiosa.
- Não sei. Ele ainda é uma das melhores coisas que aconteceu na minha vida.
Bárbara assentiu e mudou de assunto.
Mais tarde, bem mais tarde, enquanto Miguel e Bárbara faziam a cama ranger no quarto ao lado e Cristina se esforçava para pensar em outras coisas que não fosse a morte cruel e lenta da amiga e sua necessidade absoluta de sexo decente depois de todas aquelas meses de abstinência forçada, seus pensamentos se voltaram, inevitavelmente, para James.
Ela tinha falado o nome dele enquanto estava na cama com outro homem que sequer era parecido com ele. Se tivesse trocado o nome de Miguel por Maurício, ou vice-versa (se bem que nesse caso ela teria sérios problemas), seria mais aceitável, já que os dois eram parecidos.
Mas trocar o nome de Miguel por James? Francamente.
Foi quando, subitamente, ela decidiu. Aquela situação já passara dos limites. E foi dormir com a certeza de que, no dia seguinte, ia acabar com aquela palhaçada toda que a separava de James.