Capítulo 24
1489palavras
2023-01-21 21:02
Miguel parou de andar assim que chegaram ao corredor dos elevadores. Estava tão furioso que sequer tentou agarrar Cristina quando ficaram a sós, como era seu costume.
- Você vai sair de casa, não vai?
Cristina sequer pensara nisso.
- Bem, não.
- Como é que não? – perguntou ele, com fúria rancorosa – Ele acabou de bater em você! Já fez isso outras vezes?
- Não – negou ela, sacudindo a cabeça com pesar – Nunca antes.
Miguel deu de ombros.
- Fazendo outras vezes ou não, continua sendo uma covardia – afirmou ele – Um homem que faz isso não é um homem.
- Você nunca quis bater em Olga?
Miguel tentou se segurar, mas não conseguiu e riu.
- Claro que já. Na verdade, já pensei muito seriamente em matar a mulher. Ela pode ser muito insuportável se quiser. Não fiz isso porque sei que seria uma covardia. Mas não muda de assunto. Por que você não sai de casa?
Cristina deu de ombros.
- Acho que isso não vai se repetir – disse honestamente.
- É, nunca se repete – replicou ele, sarcástico – Cristina, cai na real. Se Maurício fez isso uma vez, e em público, vai fazer de novo e vai ser pior.
Cristina não achava a mesma coisa. Porque algo dentro dela dizia que, de certa forma, merecera o tapa. E não doera realmente. Fora mais um golpe no seu ego. Mas ela reconhecia: por tudo que ela já aprontara contra seu marido, Maurício merecia ter dado aquele tapa, por mais que não soubesse. Sem contar...
- Acho que o pressionei demais – confessou ela.
Miguel ergueu as sobrancelhas.
- Pressionou como? – perguntou, interessado.
Cristina engoliu em seco antes de começar a tentar responder.
- Eu falei que ele era gay – disse depois de um tempo.
Miguel a encarou por três segundos. Depois explodiu em gargalhadas, parecendo finalmente relaxar um pouco.
- Tinha que ter algo divertido nessa merda – disse quando se recuperou – E o que ele disse? Admitiu?
Cristina sacudiu a cabeça negando.
- Disse que nunca sentiu atração por qualquer homem na vida. Mas, sendo sincera, isso não significa nada. E são tantos sinais ao contrário.
- Como qual?
Cristina hesitou, mas acabou dizendo.
- Nós não transamos há mais de um mês.
- O quê? Sério?
Cristina assentiu em confirmação, séria, sem falar nada.
- A última vez que eu fiquei um mês sem transar foi... espera. Nunca fiquei mais de um mês sem desde que perdi a virgindade.
Cristina tentou não rir, mas falhou lamentavelmente. Miguel sorriu de volta.
- Ah, é? E com quantos anos foi isso?
- 15. E você?
Na verdade, Cristina não lembrava. Nem a idade, nem o responsável. Mas não devia confessar isso. Ela também não deveria estar discutindo sexualidade com seu cunhado, certo, mas também não devia beijá-lo, e o fazia. Porém, confessar que não se lembrava da idade que perdera a virgindade porque simplesmente homens demais já haviam passado pela sua cama e ela algumas vezes não conseguia diferenciar um do outro era demais. Embora Cristina se consolasse pensando que inúmeras mulheres já haviam tido mais parceiros do que ela, que, com seus nove, estava bem na média brasileira, achava que se fosse honesta com Miguel sobre aquilo a opinião dele sobre ela cairia muito. Naquele país machista e retrógrado, homens podiam comer quantas quisessem, mas mulheres, ao decorrer de toda a sua vida, poderiam contar todos os seus parceiros sexuais, no máximo e sendo moderna, na mão esquerda do ex-presidente Lula. Mais do que isso era piranha e dava para qualquer um.
E, mesmo que não devesse fazer isso, Cristina gostava de Miguel e não queria que ele pensasse mal dela por aquele troço nada a ver.
- 17 – mentiu, cruzando os dedos atrás das costas.
Miguel sacudiu a cabeça com expressão neutra.
- Mas, mudando de assunto – falou, para o alívio de Cristina, que não gostava muito de mentir para ele – Você falou em sinais. Quais?
- Você é bem fofoqueiro, hein?
- Só quero me manter com munição – respondeu ele com um meio sorriso – E não sou fofoqueiro. Não vou espalhar isso por aí. Diz, quais sinais?
Cristina se rendeu. Miguel não ia desistir mesmo até que ela contasse.
- Sabe qual é o filme predileto dele? Chicago.
- Aquele filme de mulheres assassinas gostosas?
- É.
- Então ele é mesmo gay – concluiu ele – Chicago. Nem vou falar do néon e do excesso de mulheres para falar que não é filme de homem. É um musical. Só garotas gostam de musicais.
- Mas você já viu – observou Cristina astutamente.
Miguel ficou levemente avermelhado.
- Já – confessou – Mas Olga me forçou. Foi um pouco depois do nosso casamento.
- Acho que foi um aviso – opinou Cristina – Se eu fosse você, nunca a teria traído. O destino deles costuma ser ruim nesse filme.
Miguel assentiu, distraído.
- Mas você tem que sair de casa – disse ele, com voz um tanto mandona – Não quero nem imaginar meu irmão espancando você. Se isso acontecer, você sabe, você vai ter me transformado num assassino.
- Assassino?
- Eu ia ter que matar Maurício – disse Miguel muito sério – Por você.
Cristina ficou sem palavras.
Aquela era a coisa mais bonita que qualquer homem já dissera a ela. E, se assassinato não fosse um assunto tão sério, Cristina acharia que fora até romântica.
- Ah, Miguel – suspirou ela que nem uma idiota – Sério, não precisa.
- Sério, se ele te espancar eu vou matar o babaca.
- Não, sério. Não acho que vai acontecer de novo. Ele ficou transtornado, você viu. E acho que ele tem problemas com o fato de poder ser gay, por isso reagiu dessa forma.
- Por quanto tempo você vai ficar defendendo esse covarde? Cristina, cai na real. Você tem que sair de casa.
Foi quando Cristina teve uma súbita iluminação sobre o motivo da insistência dele. E esta fez com que Miguel deixasse em um instante de ser o defensor fofo das damas.
- Você quer que eu saia de casa porque assim eu deixo de ser sua cunhada – concluiu ela lentamente - E você pode tentar subir na minha cama.
- Eu estou preocupado com a sua segurança! – exclamou Miguel indignado, mas não convincente de todo.
- Pode até ser, mas olhe nos meus olhos e diga que não pensou no que eu falei.
Miguel a encarou por meio segundo. Então, desviou o olhar.
- Eu até pensei – admitiu, derrotado – Mas seria mais um bônus.
- Homens – suspirou Cristina, não mais encantada pelo que pareceu por alguns minutos ser seu brilhante cavalheiro.
- Mas você vai sair de casa ou não? – insistiu ele.
Cristina pensou. Realmente, ficar no mesmo apartamento que Maurício depois daquilo não era possível. Por mais que ninguém tivesse visto, por mais que não tivesse doído, e, principalmente, por mais que ela merecesse, fora um golpe no seu ego. E Cristina não poderia tolerar aquilo. Maurício teria que pagar. Ela não queria o divórcio, nem pensar, mas bem que poderia puni-lo um pouco.
- Tudo bem – cedeu ela – Vou ficar um tempo longe.
Miguel se animou.
- Ótimo – aprovou, e era muito evidente o que ele achava ótimo, e não era tanto a segurança dela – Onde você está pensando em ficar?
- No apartamento de Bárbara – respondeu Cristina com um meio sorriso.
Miguel desanimou no mesmo instante.
- Na casa da minha amante? Você está de sacanagem.
- Estou – admitiu ela – Mas principalmente estou me protegendo. Você não vai para cima de mim na casa de Bárbara. Ela pode ser sua amante, mas não tem sangue de barata.
Miguel ficou com uma expressão um tanto aborrecida.
- Não dá para você ficar num hotel?
- Se você continuar insistindo – começou Cristina, sentindo-se especialmente maldosa – fico na casa da minha mãe.
- Prefiro a casa de Bárbara – disse ele imediatamente – Assim pelo menos posso ver você. Mas saiba que está sendo muito má. O que você está fazendo é parecido com colocar um doce à vista para alguém e dizer que ele não pode comer.
Cristina não respondeu nada por um tempo, pensando na perfeição da metáfora.
- Sou sua cunhada – disse, tentando, e falhando, em passar uma segurança na voz que não tinha na mente – Mesmo se eu me divorciar, vou continuar sendo sua cunhada por um bom tempo. Até lá...
- Então você vai se divorciar? – perguntou ele, nitidamente animado com a perspectiva.
- Não sei – disse ela, impaciente para acabar com o assunto – Eu preciso ir para casa agora, Miguel. Para arrumar as coisas.
- Te dou uma carona – disse ele imediatamente, sentindo o cheiro da oportunidade.