Capítulo 23
1636palavras
2023-01-21 21:00
Yuri Alexei fazia aniversário naquele dia. O bebezinho que mijara na blusa Morena Rosa de Cristina agora era, cumpria-se reconhecer, um belo garotinho, com seus cabelos pretos chapados e olhinhos levemente puxados. Era praticamente uma Olga versão masculina. Parecia pouco, quase nada, com Miguel.
Cristina não superara inteiramente sua raiva por ele ter arruinado uma blusa que custara uma nota. Assim sendo, sempre mantivera uma distância rancorosa do sobrinho e afilhado, sendo um pouco leviana no seu papel de Mãe Número 2. Ela, por exemplo, teria esquecido por completo do aniversário dele se Maurício não a tivesse alertado.
Ela também não sabia quantos anos o moleque fazia. Esquecera-se de perguntar isso a Maurício, e ele agora estava sumido na festa. Festa não: festança. Cristina achava que fazer um troço enorme para um garotinho que nem vai se lembrar de nada era idiotice, mas Teresa evidentemente fazia ouvidos moucos para tais ideias.
Como Cristina ainda se encontrava deprimida demais para participar mais ativamente da festa, sentou-se num cantinho do salão e tentou passar despercebida, pensando em quantos anos fazia o moleque, quatro ou cinco. Mas seu cérebro não conseguia se concentrar. Estava caótico demais.
Agora Cristina entendia. Não era apenas uma questão de ciúmes de James. Não era só a sua própria necessidade de ter um homem na cama. Ela queria James de volta. Especificamente ele. Com todos os defeitos e choques de ego frequentes. Não que fosse apaixonada por ele ou qualquer outra besteira assim. Não, nem pensar. Sua vida já era complicada demais para que ela se apaixonasse por James. Já existia outro homem em sua vida, além, é claro, de seu marido, do qual Cristina descuidava e esquecia às vezes. E esse outro homem, pelo qual Cristina era meio apaixonada e que também era meio apaixonado por ela ocorria, por um acaso funesto, de ser seu cunhado.
Então, não, obrigada. Era complicação demais. Uma paixão nova simplesmente não tinha espaço para acontecer.
Foi quando Cristina viu Olga entrando no salão. Isso era normal. Afinal, ela era a mãe do aniversariante. O que não era normal era a mulher que estava com ela.
Ninguém mais, ninguém menos do que Leila Rehbein.
Cristina mal tivera tempo de completar o pensamento de que aquele mundo miserável era mesmo pequeno quando Leila, no meio do movimento para observar o salão, a viu. Sua expressão fechou automaticamente, como tempo que muda de súbito. Ela deu as costas para Olga e veio vindo na direção de Cristina.
- Por que você me derrubou da escada? – perguntou ela de sopetão assim que chegou perto – Não pense que não percebi qual era a sua.
Olga, que seguira Leila assim que percebera que ela saíra de seu lado, parou subitamente e começou a prestar atenção nas duas.
- O quê? – fez Cristina, sem saber muito bem o que falar antes de avaliar melhor a situação.
- Você entendeu – sibilou Leila – Você sabe muito bem que me derrubou da escada de propósito. Tenho direito a saber por quê.
- Ah, tá. Eu não fiz de propósito – e, então, Cristina pronunciou uma palavra que lhe exigiu grande esforço – Desculpa.
Leila estreitou seus olhinhos de boneca.
- Sei – disse, descrente – Você praticamente se jogou em cima de mim!
- Eu me desequilibrei! – exclamou Cristina de volta com toda a indignação que conseguiu, levantando-se.
Olga apenas observava as duas, com um sorriso matreiro nos lábios que não agradou Cristina. Então, disse uma palavra, baixinho.
- James.
Leila se sobressaltou.
- O quê?
- Conhece algum James?
- Só um. Ruivo, bonito. Ensina História Contemporânea na faculdade.
- A área que você estuda, não?
- Sim, mas...
Olga sorriu e virou sua atenção para Cristina.
- Ciúmes, claro. Mas não faz muito seu estilo.
Leila arregalou os olhos. Cristina corou.
- Sua...
- Mas que história é essa, Olga? – perguntou Leila, intrigada.
- Eu te explico – disse Olga, pondo uma mão nas costas dela para levá-la embora e dando uma piscadela abominável para Cristina – Vamos para um lugar mais reservado.
E foram embora, deixando Cristina fervendo de raiva. Ótimo. Em breve, Leila Rehbein seria mais uma pessoa que saberia que ela fora infiel a seu marido. Simplesmente ótimo.
Como se tivesse sido chamado, Maurício apareceu.
- Oi, querida – disse ele, beijando-a na testa.
- Oi, Maurício – respondeu ela, tentando engolir a irritação para não acabar descontando nele – Escuta, quantos anos tem esse garoto?
- O Yuri?
- Sim.
Maurício pensou um pouco, fazendo a conta nos dedos.
- Quatro anos. E falando em crianças – começou sugestivamente, e Cristina soube o que ele diria a seguir - Minha mãe está insistindo muito comigo para nós termos um bebê.
- Não só com você – disse ela, azeda.
- Então – prosseguiu ele – porque não temos um filho?
Cristina se segurou para não dar alguma das milhões de respostas que surgiram na sua cabeça. Ao invés disso, apenas suspirou.
- Ah, Maurício. Eu só tenho 24 anos.
- Minha mãe me teve com 24 anos – observou Maurício.
- São tempos diferentes – retrucou Cristina, novamente engolindo algumas respostas – Além disso, eu estou na faculdade.
- Não acho que você se empenhe muito de qualquer forma, com filho ou sem filho.
Cristina ficou abismada. Para Maurício, normalmente tão educado e gentil, aquilo era parecido com uma bofetada. Ele jamais falara da procrastinação dela em relação à faculdade.
Certo então. Se ele começara com algo parecido com ignorância, Cristina partiria para a guerra.
- Bem, Maurício – começou ela, com tanta raiva acumulada que começou a falar sibilando sem perceber – Para ter um bebê, é preciso participação de um homem. E você sabe há quanto tempo não dorme comigo.
Maurício empalideceu.
- Durmo todas as noites com você, Cristina.
Ela jogou a cabeça para trás e riu.
- Eu bem que gostaria – disse, sarcástica – Mas não. Você sabe o que eu quis dizer com dormir, e sabe que é verdade. Mas não sei se você sabe o porquê de fazer isso.
Maurício a encarou com a mais absoluta incompreensão misturada com certa vergonha.
- Eu... – começou, hesitante – Eu só fico cansado, às vezes.
Foi quando a paciência de Cristina acabou. E, num momento de especial fúria, ela decidiu colocar as cartas na mesa.
- Cansado é uma desculpinha fácil de se arranjar. Você é gay, isso sim.
Maurício arregalou os olhos.
- Cristina! – exclamou ele, ressentido, idêntico a James quando ela atirara o porta-retratos sobre ele.
Cristina se levantou e se pôs diante dele.
- É verdade – disse ela, obstinada agora em ir até o fim – Maurício, só existe uma explicação para um homem de 20 e tantos anos não transar com sua jovem esposa, e é essa.
Maurício se levantou também para encará-la de frente. Com o canto dos olhos, Cristina viu Miguel começar a prestar atenção neles.
- Eu nunca – começou a dizer ele, aborrecido, e Cristina percebeu com um solavanco que aquela era a primeira briga deles desde sempre – senti atração por nenhum homem.
Cristina bufou. Não de descrença. Era bem capaz que ele fosse tão reprimido que realmente nunca tivesse sentido. Mas porque era meio inacreditável que ele realmente fosse discutir aquele assunto com ela. Era, aliás, a última prova que ela precisava para ter certeza. Nenhum homem hétero discutiria aquilo. Se ela chegasse para James e falasse que ele era gay, ele provavelmente ia rir e/ou mandá-la calar a boca.
Pensando bem, talvez não. Talvez ele quisesse discutir. Com relação a James, nada era tão certo assim.
Mudando de exemplo, então. Se ela chegasse para Miguel e falasse que ele era gay, esse riria. Eis um homem que transpirava heterossexualidade.
- Isso não significa nada – retrucou – Você pode ser tão reprimido que...
Foi quando ele a estapeou.
Ninguém viu. Ou melhor, quase ninguém. Os dois estavam num canto isolado do salão e só uma viva alma prestava atenção neles. Mas, naquele momento, Cristina não pensou em ser vista ou deixar de ser vista. Ela só ficou parada na mesma posição que o tapa de Maurício a jogara, sem acreditar no que acontecera. Se existia um homem que ela achava que não podia agredir ninguém – ou quase ninguém, já que existia uma notória exceção – era Maurício.
Isso fora antes.
Maurício pareceu se arrepender de bater nela no mesmo instante que o fez. Estendeu os braços para abraçá-la.
- Oh, meu Deus, Cristina, eu...
- Tira as mãos dela.
Os dois viraram a cabeça. Era Miguel, e estava simplesmente furioso.
- Eu falei para tirar as mãos dela – repetiu ele, cruzando os braços.
Maurício não tirou.
- Nosso casamento, nossos problemas, Miguel. Vá embora.
- Não vou embora. Nenhum espancador de mulheres merece que eu o obedeça. E se não soltá-la, vai levar um soco.
Maurício se inflamou e se preparou para a briga. Miguel também avançou. Cristina se pôs no meio dos dois para impedir derramamento de sangue. Devagar, ela empurrou Miguel para trás, puxando-o pelo braço.
- Vamos embora – disse baixinho. Ao redor daquele bolsão de tensão, a festa continuava como se nada estivesse acontecendo.
Maurício virou o olhar para ela.
- Eu sou o seu marido – disse, magoado.
- Você me bateu – respondeu ela, ressentida – Não tem mais o direito de se achar meu marido.
- Cristina, eu...
- Maurício?
Ele olhou para Miguel.
- Sabe a Laura? – perguntou ele, os olhos brilhando de ira, decidido a ser ofensivo – Foi só a última. Suas namoradas sempre foram muito apetitosas. Todas elas.
Maurício ficou vermelho e ameaçou ir até eles. Antes algo pior ainda acontecesse, Cristina puxou Miguel pela camisa e os dois sumiram do salão.