Capítulo 21
2040palavras
2023-01-20 05:21
- Eu vou o quê?
James sorriu frente à expressão de total perplexidade no rosto dela.
- Limpar minha casa – repetiu, jogando-se no sofá e ligando a televisão – Pode começar. Tudo o que você precisa está na área.
Cristina continuou parada.
- O quê? – repetiu, ainda sem crer.
- Como você sabe – começou ele, totalmente descontraído – sou um filho temporão. Minha mãe tem quase 80 anos. Não pode me ajudar mais.
- E eu tenho exatamente o que a ver com isso?
Ele a encarou bem por dois instantes.
- Tenho que ter alguma vantagem em correr tanto risco com você.
- Risco é o cacete! – gritou ela – Não sou mais su...
- Não estou falando disso – interrompeu ele calmamente.
Cristina calou-se, respirou fundo e esperou que ele continuasse.
- Você é esposa de um homem de uma família poderosa. Não tenho nenhuma garantia que ele, ou o irmão maluco, mandem me matar.
- Isso é um absurdo – disse ela entredentes.
- Mandarem me matar? Não creio.
- Não – disse ela – Isso também, mas menos. Estou falando de você me tratar como a porra da sua empregada. Por que você não só contrata uma?
James lhe lançou um olhar um tanto humorístico.
- Por que eu vou contratar? – questionou – Posso ter uma de graça, que me deve um favor de qualquer forma. Além disso, achei que esse fosse o motivo pelo qual Deus criou as mulheres.
Foi quando Cristina se enfureceu. Seu lado feminista reprimido desde que descobrira que Olga era do movimento explodiu. Ela gritou um som inarticulado de fúria e agarrou a primeira coisa que sua mão direita conseguiu alcançar em cima da mesa para jogar na cabeça de James, no caso uma pequena caixa. Na mesma hora, soube que tinha dado sorte na escolha, porque ele arregalou os olhos e se levantou imediatamente.
- Não joga isso.
- Por que não deveria? – desafiou – Não vou limpar de qualquer forma?
- Porque dentro dessa caixinha estão parte das cinzas do meu pai.
- É só pó – debochou ela – Tenho certeza que ele não vai se importar.
- Cristina...
Ela atirou a caixinha. Teve a satisfação de ver por um momento os olhos deles se arregalarem ainda mais de susto, se é que isso era possível. Então, antes que James tivesse tempo para tentar pegar a caixinha, ela aterrissou maciamente no sofá, intacta como que por milagre.
James suspirou de alívio.
- Sua vaca – acusou ele, meio bufando, se apressando para pegar o negócio – Da próxima vez que for jogar algo em mim, não atire meu pai, por favor.
- Com prazer – disse ela, irritada pelo erro, estendendo a mão direita e agarrando outra coisa, no caso um porta-retratos, e atirando nele. James, no processo de recolher a caixinha, abaixou-se exatamente no momento que o retrato zunia pelo espaço que seria sua cabeça. Ele bateu na parede e caiu no chão com o ruído típico de vidro se estilhaçando.
- Cristina! – exclamou ele.
Ela percebeu com satisfação que ele se assustara.
- Não vou limpar isso – silvou ela com satisfação, jogando os cabelos para trás.
- Então eu tiro você da monitoria – atacou ele de volta, já sem aquela descontração.
Cristina expirou enquanto pensava no próximo passo. Aquilo era um jogo delicado. Não era exatamente uma questão de poder. Cristina, pessoalmente, não estava nem aí para a monitoria, assim como James, na verdade, não se importava com o porta-retratos estilhaçado no chão. Agora, exatamente como no início da relação deles, era uma questão de ego. Quem cederia antes.
Bem, não seria ela. Estava furiosa demais para sequer pensar em fazer isso.
- Então tire – mandou.
Ele ficou desconcertado.
- Não esperava essa, não? – provocou, dando uma piscadela – Mas sim. Pode tirar. Foda-se, não me importo. Mas junto com o serviço de monitoria, o de cama também vai embora.
Ele estreitou os olhos.
- Nunca precisei de qualquer serviço seu, Cristina.
- Então ótimo. Tchau, James.
E saiu pisando forte, batendo a porta com tanta força que ela chegou a estufar.
-
Cristina demorou poucas semanas para perceber como aquela briga fora estúpida.
Ela e James já haviam brigado outras vezes, claro. Era muito orgulho num cômodo só. Mas, nas outras vezes, tudo acabara resolvido antes do estado em que um não falava com o outro. Agora, não.
Cristina achava que o principal problema fora a sua saída triunfal. Se tivesse ficado, eles teriam discutido até resolver a questão (também conhecido como sexo de reconciliação). Ela fora embora, porém, e o negócio ficara mal resolvido.
Resultado: ela não tinha mais amante há alguns bons meses, desde setembro do ano anterior. E James cumprira sua promessa de tirá-la da monitoria, então ela sequer tinha chance de argumentar com ele. Assim, os dois estavam rompidos.
E rompidos significava sem diversão. E sem diversão significava Cristina sem senso de humor para apreciar as coisas bonitas da vida.
Um estrondo no andar de cima a fez voltar para a realidade.
- O que é isso? – perguntou, sobressaltada, a Maurício.
Ele a encarou com um olhar muito divertido.
- Você não ouviu? Miguel e Olga estão discutindo.
Como se para confirmar a frase, os dois ouviram quando a voz de Olga começava uma espécie de discurso aos berros, toda a paciência budista perdida.
- Por que?
- A amante de Miguel – respondeu ele imediatamente – Parece que ele não a largou.
Ah, homens. Mulheres levavam a fama de fofoqueiras injustamente. Eles eram tão piores. A diferença era que disfarçavam.
Cristina sacudiu a cabeça.
- E ele a deixou descobrir? Idiota.
Maurício sorriu. Qualquer adjetivo pouco gentil que fosse dirigido ao irmão o deixava feliz.
- É – disse simplesmente – Mas tenho que reconhecer: Olga é determinada. Ela não desiste até descobrir um segredo.
Cristina fez uma cara azeda. Ela sabia bem disso.
Maurício olhou para o relógio.
- Tenho que ir agora, querida – disse ele, se inclinando para beijá-la na testa.
Ela fechou os olhos enquanto ele encostava os lábios nela. Se Cristina fosse religiosa, ela rezaria todas as noites para que seu marido fosse mais ardente. Por Deus, se despedir com um beijinho na testa? Porque ele não a pegava e a beijava de verdade?
Ah, claro. Porque ele era possivelmente gay. E Cristina estava começando a ficar cansada de ser casada com um enrustido. Por mais que ele fosse rico. Ela precisava de um homem. Não de um cara que só fingisse ser um.
Menos de cinco minutos após Maurício ter saído, a campainha tocou. Cristina desviou o olhar do filme que andara vendo por alto e, com relutância, saiu do sofá para atender a porta.
Era Miguel, quase como se tivesse ouvindo os pensamentos dela.
- Posso entrar? – perguntou, parecendo sem ar como se tivesse descido as escadas correndo.
- Pode, mas o quê...
- Estou fugindo da Olga – disse ele, honesto.
Cristina deu passagem. Qualquer pessoa com esse propósito teria seu apoio.
Mas não sem preço.
- Ouvi falar que vocês estavam discutindo – disse ela levianamente assim que fechou a porta.
Miguel se virou para ela.
- Todo o prédio sabe – confirmou, azedo.
- Como ela descobriu que você não largou sua amante?
- Ela disse para você? – perguntou ele, surpreso.
- Digamos que sim. Mas me diga, como é que ela soube?
Miguel deu de ombros.
- Parece que Olga sempre conhece alguém em todo lugar. Hoje, ela disse que uma amiga dela é vizinha de...
- Bárbara – completou Cristina automaticamente, e as palavras mal tinham saído da sua boca quando percebeu que cometera um erro ao ver o sorriso lento e capcioso de Miguel.
- Achei que você fosse negar conhecê-la.
Cristina suspirou. Agora não dava para voltar atrás.
- Por que negar? – perguntou defensivamente – Ela é minha amiga.
- Então você não nega que é a amiga da pessoa que invadiu o apartamento da minha mãe.
A invasão. Parecia ter sido séculos antes. Tão estúpida, tão infantil.
- Miguel, isso já faz anos.
- Mas eu não esqueci – disse ele, obstinado – Quando eu conheci Bárbara, soube na hora que era ela a outra. Por isso ela chamou a minha atenção.
- Pelo cheiro? – provocou ela.
- Em parte. Mas ela apareceu na minha frente naquele dia, e você não. Aliás, você não acha que está na hora de confessar isso?
Cristina rolou os olhos, impaciente.
- Por que isso é tão importante? Já faz...
- Anos, eu sei. Mas eu queria ouvir você confessar.
Cristina, por algum motivo, corou. Na forma que ele estava dizendo, parecia que estavam falando de outra coisa.
- Só se você me responder uma coisinha – disse ela, tentando desviar da confissão. Ela nunca confessaria uma mentira daquela magnitude.
Miguel se aproximou, interessado.
- Tudo o que você quiser – prometeu, sugestivo.
- Por que você quis uma amante?
Os ombros dele caíram.
- Ah, isso – falou, subitamente desanimado – Podemos dizer que fui procurar em outros lugares o que não tinha em casa.
Cristina ergueu as sobrancelhas.
- Sexo?
- Não, carinho e atenção – disse ele, sarcástico – Claro que é sexo.
- Olga e você não...
- Bem menos do que eu gostaria.
Era agora mesmo que ela não entendia Olga. Como é que ela não desejava Miguel? Cristina só não se atirava em cima dele por muita força de vontade, e às vezes nem isso era suficiente.
- Mas por que? – perguntou ela, incapaz de se conter.
Miguel deu de ombros de novo e se jogou no sofá.
- E eu lá sei? Pensei que você podia me ajudar.
Cristina pensou.
- Talvez – começou, hesitante, variando o peso de uma perna para a outra – ela se sinta incomodada.
- Incomodada?
Cristina corou de novo. O que estava acontecendo com ela para ficar ruborizando como uma menininha virgem?
- É. Você tem que entender que é um pouquinho maior do que a maioria dos homens.
Miguel sorriu, envaidecido.
- Se você diz – disse, claramente se achando o melhor dos machos do planeta - Mas eu acho que não é esse o problema. Ela nunca disse nada sobre isso.
- Não é porque ela nunca disse nada que não exista nenhum problema, Miguel.
- Mulheres – resmungou ele, contrafeito – Mas acho que não, realmente. Olga joga as coisas na lata. Não faz esse tipo de disfarçar.
Fez uma pausa e olhou para Cristina, pensativo.
- Sabe, Cristina – começou lentamente – Há uma forma de testar essa sua teoria.
Ela o encarou, sem entender no início. Só depois que Miguel ergueu as sobrancelhas que ela sacou.
- Nem pensar.
- Cristina - disse ele, levantando-se do sofá e se aproximando dela até estarem quase grudados – Vamos lá. Pode ser no sofá mesmo. Ninguém nunca saberia.
Ela hesitou. Miguel sentiu isso e puxou-a, enlaçando-a com os braços.
- Aposto que você está precisando disso – blefou ele, tocando de leve seu pescoço com os lábios e a fazendo estremecer – Já deve fazer um tempo desde a sua última vez.
Parecia que o desgraçado sabia que Cristina estava altamente necessitada.
- Três semanas – confessou. Para ela, parecia o infinito.
- Vamos então – propôs ele, largando-a e puxando pelas mãos para o sofá – Vai fazer bem. Para nós dois.
Cristina sabia disso melhor do que ele. E quase foi. No último segundo, porém, ela conseguiu se desvencilhar.
- Não, Miguel – disse, saindo dos braços dele.
Ele cruzou os braços, irritado.
- Me frustrar já está ficando chato. Por que não agora?
- Olga – disse Cristina simplesmente, apontando para cima – Não posso, nem quero, que ela descubra. E ela tem esse hábito desagradável de descobrir as coisas.
Ele fez cara feia, mas sabia que era verdade.
- Como quiser – cedeu – Mas você não vai me enrolar para sempre. Sabe disso.
E saiu.
Cristina andou a passos lentos de volta ao sofá, sentou-se novamente e voltou a ver o filme que abandonara antes com uma sensação azeda no estômago.