Capítulo 19
1182palavras
2023-01-17 06:20
Desde não muito tempo depois da virada de ano 2014/2015, Cristina notara certa tensão surgindo entre o casal Miguel e Olga. Era um troço muito sutil, pelo menos em público, mas perceptível. Era visível em certas atitudes corporais impossíveis de disfarçar, como a nova forma que a japinha olhava para o marido, não mais o encarando de frente, como se estivesse pronta para uma briga com ele. Não. Agora era um troço mais oblíquo, de franca desconfiança.
Mas foi só em março que Cristina descobriu o motivo daquilo tudo.
Miguel arranjara uma amante.
Quem lhe contou foi Teresa, com ar francamente reprovador. Claro que foi Teresa. Estranho foi ela não ter descoberto antes. Cristina, nos últimos tempos, notara que a sogra parecia saber de tudo de todos. Quase como se tivesse uma escuta em cada casa carioca.
Eventualmente, foram conversar com Olga a respeito.
- Quando foi que você descobriu? – começou perguntando Teresa, olhando para a nora mais velha. Seu único neto, nesse momento, via um programa de tevê aleatório. Alguma coisa com bichinhos coloridos.
Olga relanceou os olhos pelo seu belo apartamento, pensando.
- Mais ou menos no início do ano – respondeu ela.
- Por quê? – perguntou Cristina na lata.
Olga a encarou bem.
- Por que o quê?
- O motivo dele estar te traindo.
- Como eu posso saber? – inquiriu ela, meio irritada, e virou o rosto na direção de um quadro com um ideograma pendurado na parede. O negócio significava felicidade. Cristina já vira a tradução pequeninha do lado. Belo sarcasmo, já que, naquele momento, Olga era uma mulher ferida, magoada e humilhada.
Mentirosa, também.
Cristina soubera no instante que ela desviara os olhos dos dela. Sem motivo algum. Evidente que não. Miguel já lhe dissera que amava a esposa. Tudo bem que Miguel nutria sentimentos especiais por cada mulher com encantos que via, mas amor era diferente, ou parecia ser. Ele não arranjaria outra qualquer sem ter um motivo.
Algo dentro de Cristina lhe dizia que Olga sabia exatamente porque estava sendo traída.
- Você sabe quem é? – perguntou Teresa, ansiosa por mais informações.
- Desconfio do nome.
Cristina e Teresa se inclinaram para frente, aguardando.
- Foi em fevereiro – disse Olga – Ele chegou em casa tarde. Disse que trabalhara um pouco mais. Eu já desconfiava de qualquer forma, não dei importância a essa mentira.
Claro. Miguel trabalhando até tarde? Só quando nevasse no Rio de Janeiro. Talvez.
- Na mesma noite – prosseguiu ela – eu o ouvi murmurando algo durante um sono. Ele sempre teve esse hábito, mas eram sempre coisas sem sentido... mas naquela noite foi um nome. Apenas um nome.
Cristina e Teresa se inclinaram um pouco mais. Nem a própria Cristina conseguia esconder a curiosidade, quanto mais a sogra.
- Qual? – perguntou a mulher finalmente depois de alguns segundos de pausa por parte de Olga, quase tendo uma apoplexia de ansiedade.
- Bárbara.
Cristina se arrepiou dos pés à cabeça, gelou toda e quis matar alguém, tudo ao mesmo tempo.
Bárbara.
Podia ser uma mera coincidência. Claro que podia. Mas, pensando melhor, Cristina quase conseguia se lembrar dos olhares afetados da amiga na direção de seu cunhado no dia do casamento dela. E podia quase se lembrar de ambos conversando também, e Miguel sorrindo para ela.
Podia até ser coincidência. Mas era uma filha da putagem que Bárbara bem seria capaz de fazer, Cristina sabia.
Bárbara Nascimento até que podia nem ter algo a ver com aquilo, mas que Cristina tomaria satisfações, tomaria. Ah, se sim.
-
Cristina apertou a campainha do apartamento de Bárbara pouco menos de uma semana depois. Estava decidida a agir de forma calma e racional com uma pessoa que ela sequer sabia se era realmente a amante de seu cunhado. Podia ser uma homônima, pensou pela vigésima vez naqueles cinco dias, enquanto colocava o cordão de prata com o pingente de diamante para fora da blusa de forma subconsciente.
Porém, quando Bárbara abriu a porta, Cristina, como qualquer boa leonina, colocou as garras para fora.
- Você é a amante do meu cunhado – acusou imediatamente.
Bárbara arregalou os olhos de surpresa. Agora Cristina tinha certeza.
- Vamos entrar – propôs ela, se recuperando, cedendo passagem à Cristina, que entrou se esforçando para não bater o pé.
- Seu namorado está em casa? – perguntou Cristina enquanto sentava-se no sofá.
- Meu noivo – corrigiu ela automaticamente, sentando-se também – Me pediu em casamento semana passada.
Cristina deu de ombros.
- Que seja. Está aqui ou não?
- Não.
- Ótimo, então podemos conversar.
Silêncio. As duas se encararam como pistoleiras prestes a duelar.
- Como? – perguntou Cristina simplesmente.
Bárbara pensou um pouco.
- Seu casamento. E ele flertou comigo. Sabia o que ele tinha a oferecer, então não ofereci muita resistência.
Cristina pensou naquilo, enquanto refletia. Com aquela frase, Bárbara podia estar se referindo a muitas coisas, mas provavelmente era à conta bancária dele.
E, coincidentemente, fora tudo no mesmo dia em que ele se declarara. Sentiu um aperto no coração que não lhe agradava.
- Como é que a esposa dele descobriu? – perguntou ela, tirando Cristina da sua linha de pensamentos.
- Homens são fáceis de serem de serem decifrados – resumiu Cristina, impaciente - Mas por quê, Bárbara?
Ela a encarou com uma cara meio cínica.
- Por quê, Cristina? Pelo mesmo motivo pelo qual você faria a mesma coisa se nossos lugares fossem trocados.
Cristina teve que concordar, ao mesmo tempo em que percebia, com um choque, que Bárbara de repente parecia muito mais inteligente do que fora com 17 ou 18 anos. Antigamente ambas pareciam Batman e Robin, sendo que Cristina era, evidentemente, a Cavaleira das Trevas, e Bárbara sua palhaça colorida. Agora não. Agora ambas estavam se igualando.
E isso não a agradava.
- Ou talvez os lugares nem precisassem ser trocados – prosseguiu ela com certa maldade na voz – Uma noite em que Miguel adormeceu na minha cama, e eu o ouvi dizendo o seu nome no meio do sono. O que está acontecendo, Cristina? Você e ele vivendo uma paixão proibida?
Cristina fechou a cara. Por que, em nome de Deus, Miguel tinha que falar tanto enquanto dormia?
- Não tenho nenhum caso com meu cunhado – negou ela veementemente, com um gosto azedo de falsidade surgindo na boca.
- Eu apoiaria totalmente – disse Bárbara – Ele é tão mais gostoso que Maurício.
Cristina engoliu em seco.
- Não que eu já tenha experimentado Maurício – apressou-se a acrescentar Bárbara antes sequer que Cristina pensasse naquilo, obviamente lembrando-se de quando elas haviam discutido sobre James. Aliás, ultimamente, ambas pareciam ter um gosto por homens muito similar para que Cristina ficasse satisfeita.
O silêncio caiu sobre a sala novamente.
- Ei, Cristina – disse Bárbara abruptamente, olhando bem para o pescoço dela, voltando a parecer confortavelmente burrinha – Isso por acaso não é um diamante não, né?
Cristina sorriu e assentiu.
- Tá brincando! Como foi isso?
Cristina respirou fundo e se preparou para começar as inevitáveis explicações.