Capítulo 17
2126palavras
2023-01-14 06:28
Olga demorou uma semana para aparecer.
- Feliz aniversário – desejou ela, tão falsa quanto uma cascavel, assim que Cristina abriu a porta.
- Foi dia 16 – respondeu ela, azeda no seu mau humor matutino. Justo no dia que não tinha aulas e podia dormir até mais tarde, Olga apertava a porra da campainha às 9 e meia da manhã, forçando Cristina a se arrastar da cama e se embrulhar em seu roupão para não ser vista em um baby doll. Que japa desgraçada.
- Não tenho a obrigação de saber – disse Olga delicadamente – Posso entrar? Temos que conversar.
Cristina deu passagem a contragosto. Só quando Olga estava dentro do apartamento e ela já trancara a porta que pensou que porcaria de assunto poderia ser.
Só um assunto importante o suficiente saltava a sua mente.
- Soube que meu marido deu as minhas flores a você.
Ah, Miguel, seu fofoqueiro, pensou ela com desgosto, enquanto contraía o rosto frente ao uso do pronome possessivo.
- Suas flores? – escarneceu ela – Você as rejeitou.
- E você, aceitou?
Cristina começou a sentir o perigo no tom dela. Era descontraído, mas farejador ao mesmo tempo. Olga estava testando o terreno. Sondando. Queria saber algo.
- Não – respondeu Cristina rispidamente – Nunca aceitaria uma sobra sua.
Olga deu de ombros, examinando-a bem por aqueles olhinhos puxados.
- Bom – aprovou ela – Porque, senão, eu acharia que você está querendo Miguel. Talvez até tendo um caso com ele.
Perigo. Perigo extremo. Cristina começou a suar.
- E eu teria que te matar por isso – continuou ela, sempre naquele mesmo tom despreocupado.
Cristina tentou engolir em seco com discrição.
- Pode guardar sua faquinha – garantiu ela, enquanto cruzava os dedos nas costas – Não quero Miguel.
- Acho bom – declarou ela.
Cristina sentiu-se irritada pela forma arrogante que ela disse aquilo. Por um momento, sentiu-se tentada a abrir todo o jogo. De dizer que Miguel desejava mais sua cunhada do que sua esposa. Mas conseguiu se segurar. Um conflito naquela hora só a prejudicaria. E Sun Tzu, o grande sábio no quesito guerra, dizia que a vitória pertenceria àquele que soubesse quando lutar e quando não lutar.
- Tenho um marido que sabe me valorizar – disse ela, aproveitando a deixa para se exibir, puxando o cordão no pescoço e segurando o diamante – Olha só o que ele me deu de aniversário. É um diamante, Olga.
Ela arregalou os olhos. Era inveja. E foi quando Cristina soube.
Existiam dois tipos de golpistas. Golpistas conscientes e golpistas inconscientes. Cristina era consciente. Ela se aproximara de Maurício de olho no seu dinheiro, sem disfarces para si própria. Olga era, e agora ela tinha certeza, uma golpista inconsciente. Não engravidara aquelas duas vezes de propósito para agarrar Miguel. Talvez achasse que o amava de verdade, sem interesses. Não fazia nada daquilo de propósito. Mas, no fundo, também era o dinheiro que a movia.
Exatamente como Cristina.
- Sorte sua – disse Olga baixinho.
- Ele disse – prosseguiu Cristina, cruel – que simbolizava o amor eterno dele por mim.
- Só dele também – murmurou ela.
Cristina não se abateu e sorriu.
- Então, como vê, não tenho nenhum motivo para correr atrás do seu marido, Olga. Assunto encerrado, portanto?
Ela assentiu.
Graças a Deus, naquele assunto ela era mais fácil de iludir do que uma criança.
E, para o bem de Cristina, assim deveria permanecer.
-
Existiam três tipos de homens na face da Terra na concepção de Cristina:
O primeiro tipo consiste nos homens que te atraem. Miguel e James estavam nesse grupo.
O segundo tipo consiste nos homens que não te atraem. Seu honorável sogro e Felipe, o velho ensebento da cantina da faculdade que se achava galã, estavam nesse grupo.
O terceiro tipo era dos indefinidos. Eram aqueles pelos quais Cristina sentia algo, mas não sabia entender o troço, muito menos explicá-lo para si própria. Era onde ficava Maurício. Mais recentemente, Cristina adicionara a esse grupo Bruno, o monitor, um garoto alto, moreno, com cabelos cacheados que caíam até o ombro e cicatrizes de acne no rosto.
Ela sempre soubera que o rapaz tinha uma quedinha por ela. Pudera. Cristina sentia-se mais bela sempre que chegava à faculdade e via todas aquelas barangas reunidas. Embora ela tivesse certeza da atração dele, Bruno jamais fizera qualquer movimento. O porquê era um mistério, embora, às vezes, Cristina ponderasse se essa hesitação tinha a ver com o fato dele, se algumas de suas falas fossem interpretadas de outra forma, puder muito bem desconfiar dela e de James, por mais cuidado que eles tomassem agora, pelo fato de recentemente Cristina ter subido de garota solteira para garota casada.
Agora, Cristina via que a quedinha estava mais para um precipício, porque Bruno fora o único de seus colegas que, naquela manhã, lhe dera um presente de aniversário. Mesmo algumas semanas atrasado, fora um gesto comovente, porque o presente fora um livro sobre o qual ele comentara levianamente e Cristina manifestara leviano interesse, mostrando que ele prestava mais atenção nela do que ela imaginava. Além disso, tinha a questão do valor. Cristina sabia que aquele livro custara uma boa grana, principalmente para um universitário.
Então acontecera. Comovida e tomada por algum sentimento que ela não identificara, que podia ser tanto leve atração quanto pena do pobre coitado, que nunca seria correspondido, apenas usado, ela beijou Bruno, o monitor, como agradecimento, perto da xerox do andar, local que ele escolhera para abordá-la. Não foi um grande beijo. Foi mais um selinho levemente mais caprichado e abrilhantado com um breve uso da língua.
Mas Cristina não contava que James surgisse praticamente do chão e que estivesse olhando fixo para ela quando ela desgrudara seus carnudos lábios dos de Bruno, o monitor.
James estava a alguns metros deles, com as mãos nos bolsos, só observando.
- É uma linda cena – opinou ele depois de um intervalo tenso, imperturbável – Mas acho que o monitor tem uma prova para fiscalizar.
Bruno assentiu, meio pálido, e saiu saindo. James o acompanhou com os olhos até que ele sumisse de vista, enquanto Cristina empalidecia.
- Com Bruno, o monitor?
- Ele me deu um presente – defendeu-se ela, erguendo o livro e o embrulho no qual estava anteriormente.
James só olhou para ela com cara de paisagem.
- E você deu outro de volta – finalmente disse, quase com delicadeza – Se eu não tivesse aparecido, sabe-se lá o que estaria dando.
Cristina demorou uns segundos até entender.
- Claro que não! – exclamou, indignada – Estamos em um lugar público.
- E se não estivessem? – perguntou ele rispidamente.
Cristina abriu a boca para responder, mas parou quando percebeu. Para que ele, normalmente quase um Buda, respondesse daquele jeito, só poderia haver uma explicação.
James estava com ciúmes. C-i-ú-m-e-s. De Cristina com Bruno, o monitor.
Ela sorriu maldosamente.
- Você está com ciúmes – disse, suave.
Ele corou. Então era verdade mesmo.
- Não vamos discutir isso aqui – disse ele em voz baixa.
Cristina sorriu e saiu andando.
- Siga-me – disse ela quando passou por ele, e foi até o espaço do andar onde ficava o elevador dos fundos. Só esperou cinco segundos no espaço vazio e gelado antes que James chegasse.
- Pronto – declarou ela, se encostando à parede - Estamos sozinhos. Fale agora.
Ele respirou fundo antes de começar.
- Isso é uma humilhação.
- Humilhação?
- Você me trair com Bruno, o monitor.
Houve uma pausa. Então Cristina desatou a rir. James voltou a avermelhar.
- Para ter uma traição é necessário um relacionamento, sabe.
- Não importa. Você é minha amante e... Cristina, não dá.
- Sério, James, você não pode exigir nada de mim só porque eu fico na sua cama às vezes.
Ele balançou a cabeça, como se não estivesse interessado em discutir aquele assunto.
- Bruno, o monitor – recitou ele como se não acreditasse – Cristina, você é uma cachorra.
- Eu estava agradecendo ao presente que ele me deu – explicou ela de novo, impaciente.
- Precisava usar a língua nesse agradecimento?
Cristina respirou fundo e contou mentalmente até dez. James Colbert com ciúmes requeria toda a paciência que pudesse convocar.
- James – começou ela – não sou sua. Então, você não pode ficar com ciúmes.
- Não é ciúmes – guinchou ele teimosamente, tentando negar o óbvio – Estou inconformado, é diferente.
- Inconformado, é? Explique-me.
Ele assentiu.
- Primeiro, o seu cunhado.
- Não tenho um caso com Miguel – disse ela entredentes, se perguntando se isso era mesmo verdade.
- Sei – disse ele num tom que não podia deixar mais claro sua descrença – Até o nome dele você pronuncia de outra forma, como se ele fosse mel ou algo parecido.
Bem, pensou Cristina, sonhadora, gostoso como mel ele é.
- E agora – continuou ele – Bruno, o monitor. Francamente, me sinto desprestigiado. Se a mesma mulher com quem durmo escolhe Bruno, o monitor, para beijar, ela ou não tem um gosto muito bom ou não tem uma cabeça muito boa.
Cristina fechou a cara.
- Tenho ambos em excelente estado, obrigada. Ele foi uma gracinha me dando um presente e eu só estava agradecendo, James.
- Repito o que perguntei: precisava usar a língua nesse agradecimento?
Cristina suspirou. Então, teve uma ideia. E foi assim que James se conectou com todos os episódios anteriores ao evento Aniversário da Cristina.
- Pelo menos ele me deu um presente – sublinhou ela com irritação – Um bom presente. Você não me deu nada.
Ele pareceu surpreso.
- Eu precisava dar algo?
- Você está com ciúmes de mim. Logo, valho algo para você. Então, mereço um presente.
- Você nunca deu nenhum presente nos meus aniversários – retrucou ele.
Cristina ficou momentaneamente desnorteada.
- Eu nem sei quando é seu aniversário.
- 15 de setembro.
Cristina lembrou rapidamente do horóscopo. Significava que ele era Virgem. Ela pensou nos seus poucos conhecimentos de astrologia e percebeu que aquilo explicava muita coisa.
Cristina enfiou a mão por dentro da gola da blusa que colocara naquele dia e puxou o cordão de prata.
- Meu marido me deu um diamante no meu aniversário – jogou ela, mostrando a preciosidade para ele.
James, como todos que haviam visto o diamante antes, previsivelmente arregalou os olhos.
- E você coloca isso para vir à faculdade? Você é louca.
- Fica sempre debaixo da blusa – retrucou ela – E está no seguro. Eu ganharia outro se esse fosse roubado.
- Não acho que você ganharia sua vida de volta se levasse um tiro durante o roubo – replicou ele de volta, ríspido.
Cristina deu de ombros.
- Também não fico exibindo o troço por aí.
- Certo, mas você disse isso para mim por...?
- Para você ter uma noção do presente que vai dar para mim.
James piscou.
- Vou?
- Por que não daria? – perguntou Cristina, doce como chocolate.
Ele pensou sobre isso.
- É verdade – reconheceu ele – Vou dar algo para você. Até já tenho uma ideia. Acho que você gostaria. Mas...
- Mas...?
James sorriu capciosamente.
- O investimento tem que valer a pena.
Cristina se interessou.
- Ah, então vai ser caro?
- Pode-se dizer que sim. Muito melhor do que esse livrinho.
- É um Stephen King – disse Cristina, ferida - Não é um livrinho.
James deu de ombros.
- Isso não me importa. Como eu disse, você vai ter que fazer valer o investimento para ter o meu presente.
Cristina desencostou-se da parede.
- Explique.
- Você não vai à minha casa há quase um mês.
Cristina começou a entender. Não seria um investimento desagradável de se fazer valer.
- Quantas vezes?
- Quantas vezes você achar que vale.
- Ah, James – suspirou ela, aproximando-se e pondo as mãos nos ombros dele – Isso é um jogo sujo. Sou uma mulher casada.
- Você não se preocupava em particular com isso antes – observou ele, parecendo subitamente interessado na raiz morena do cabelo dela.
- Mas agora isso é chantagem.
- Aposto que você deve estar horrorizada com as condições.
Cristina não conseguiu se segurar e riu. Ele sorriu de volta para ela.
- Então, estamos bem de novo? Você enciumado é um saco, James.
- Somente mais uma condição para ficarmos bem de novo – disse ele, contornando habilmente o assunto ciúmes.
- Qual?
Ele se aproximou até seus lábios ficarem bem perto da orelha direita dela.
- Nunca mais enfiar a língua na boca de Bruno, o monitor – sussurrou ele bem perto do ouvido de Cristina.
Ela rolou os olhos e o beijou.