Capítulo 16
2701palavras
2023-01-14 06:25
Cristina não botava muita fé naquela história de James ser descendente de um bastardo real e tal. E, mesmo que fosse verdade, não importava. O sangue real dele era tão relevante para a linha sucessória do trono britânico como o de qualquer outro plebeu, principalmente depois da ascensão do popular e gatíssimo rei William V. E ele já tinha outro antepassado famoso e comprovado para se orgulhar, de qualquer forma.
Mesmo assim, ela lera todos os livros sobre o assunto nos quais conseguira pôr as mãos. Nem tanto para conhecer a suposta origem de James, mas porque ela descobrira que a monarquia inglesa era cheia de sexo e sangue, e aquilo era um atrativo danado para ela ler qualquer livro. No momento, ela lia um sobre Mary Boleyn, a suposta matriarca do ramo Carey ao qual pertencia James.
Estava na parte do livro em que ela perde o rei para a irmã cretina quando alguém a abraçou levemente por trás, e, apesar de ter se sobressaltado um pouco, não precisou se virar para saber quem era.
- Oi, Maurício – disse ela, virando a cabeça e beijando-o na bochecha, enquanto marcava o livro e fechava-o.
Ele sentou-se no sofá ao lado dela, sorrindo e lhe dando um selinho. Então passou uma embalagem de presente para as mãos dela.
- Feliz 23o aniversário, meu amor.
- Oh – fez Cristina, como se não soubesse o motivo pelo qual ele tinha saído enquanto ela ainda dormia – Não precisava, meu bem.
- Claro que precisava. Você merece.
Cristina sorriu torto, duvidando que aquilo fosse verdade.
- É uma joia – observou ela, contente, enquanto examinava o embrulho – De uma loja cara.
- Não importa, Cristina – disse ele, impaciente – Abre logo.
Ela desembrulhou o presente. Dentro, havia uma caixinha de veludo preto, muito parecida na textura com a de seu anel de casamento. Cristina a abriu e perdeu o ar imediatamente.
- Eu sei que é simples – desculpou-se Maurício.
Cristina estava sem palavras.
- Maurício – começou lentamente, retirando o cordão de prata com uma pedrinha solitária – Isso é um diamante?
- É – disse ele simplesmente – Me deixa colocar para você.
Cristina deixou. Ela estava usando um diamante. Deus, um diamante. Quando Maurício terminou de endireitar o colar e girar a pedrinha para frente, ela quase sentiu o negócio queimar na sua pele.
- É pequeno demais, não é?
- Claro que não – retrucou ela, brincando com a preciosidade entre dedão e o indicador direitos – É lindo, Maurício. Eu amei.
Ele sorriu, aliviado.
- Eu sei que não estou sendo muito original, sempre te dou joias.
- Nunca um diamante – disse ela com voz fraca de emoção.
- Eu pensei nisso porque diamantes são eternos, entende.
Ela o encarou com interesse.
- Eternos?
- Sim. No dia em que o mundo acabar, de qualquer forma que seja, os diamantes vão continuar existindo, porque são indestrutíveis. Assim como o que eu sinto por você. Vou te amar para sempre, Cristina, e sempre que você ver esse diamante vai se lembrar disso.
Foi de repente que os olhos dela se encheram de lágrimas.
- Cristina – disse Maurício, alertado – Não chore.
- Eu não acho que mereço tudo isso – disse ela, comovida, sem conseguir se controlar e desabando no choro.
Ela gostaria de saber por onde andava a Cristina Cínica. Naqueles últimos meses, ela estava sempre piegas e sentimental.
Devia ser Maurício. Sim, com certeza era Maurício. Além de toda confusão digna de novela com Miguel, que às vezes ainda a encarava com aqueles olhares dardejantes que a derretiam toda. Devia ser o efeito de ambos combinados que a deixavam tão sentimental como uma mulher grávida – não que ela sequer tivesse a melhor sombra de dúvida que não estava grávida. Tomava todas as providências para evitar isso. Ainda era jovem demais, e adiaria o inevitável o máximo possível.
Sem contar que, para fazer um bebê, era necessária a participação de um macho. E Maurício não era lá de comparecer muito. Se comparecesse mais de uma ou duas por semana, era milagre.
E olha que ele tinha apenas 22 anos, um jovem que mal acabara a faculdade. Cristina previa um futuro negro para si quando ele envelhecesse.
Naquelas circunstâncias, ninguém podia culpá-la de ter um amante. Ninguém. Nem poderiam culpá-la por ter uma paixonite por seu cunhado. Cristina simplesmente tinha desejo demais, sobrando, só isso.
Mas, naquele momento, ela não procuraria nada fora de casa. Diamantes tinham sobre ela efeitos curiosamente libidinosos.
Cristina se levantou do sofá e se pôs diante dele ao mesmo tempo em que enxugava suas lágrimas.
- Vamos para a cama – disse ela de forma convidativa, cheia de vontade, erguendo as mãos para tocar o rosto dele.
Ele arregalou os olhos.
- Cristina – começou ele, sem graça – Estamos no meio do dia.
- Seria uma mulher muito infeliz se só pudesse me deitar com meu marido à noite – disse ela, lembrando-se de uma frase muito semelhante que lera no livro - Vamos, Maurício. Preciso te agradecer de alguma forma.
- Eu acho que... – começou ele, hesitante, mas não conseguiu concluir seu pensamento porque no instante seguinte Cristina estava no colo dele, o beijando.
No final, não foi preciso ir para a cama. O sofá serviu muito bem.
-
Cristina passou a andar com o diamante por todo lado. Costumava usá-lo sob a blusa, porque, afinal, ainda morava no Rio de Janeiro. Poderia-se perguntar a ela, então, porque diabos ela fazia isso se não o exibia, e ela responderia que só a satisfação que tinha alguns milhares de reais no seu pescoço já era satisfação o suficiente. Não precisava exibi-lo para ninguém. Certo, talvez para Bárbara quando se encontrassem. E também para Olga quando tivesse a chance, só para deixar a maldita morrendo de inveja. Miguel falava que amava sua esposa, mas Cristina apostava que ela jamais recebera algo parecido.
Portanto, ela andava com o diamante por todos os lugares. E isso incluía seu próprio apartamento.
Como naquele momento. Cristina estava penteando seus cabelos logo após sair do banho, em pé, nua, à frente do grande espelho do quarto. Estava sozinha no apartamento. Entre uma e outra escovada, admirava o diamante brilhando entre a prata do seu cordão, além de, é claro, desenvolver uma boa dose saudável de pensamentos narcisistas sobre como ela era gostosa, de como os homens que já haviam tido contato com aquela graciosidade tinham sorte, e como ela, se posta no corpo de um macho, a pegaria com prazer. Enfim, sua dose semanal do pecado do orgulho.
Enrolou uma toalha no corpo frouxamente para ir pegar um copo d’água, segurando-a junto a si com a mão esquerda. Ela podia ser quão bonita quisesse, mas não queria nenhum garoto tarado de outro prédio admirando sua nudez com binóculos, ou pior, filmando e depois colocando no YouTube. Saiu do quarto sem pressa, deixando cair gotinhas d’água por todo o caminho.
- Oi, Cristina.
Ela gritou de susto e deixou cair a toalha, que se esparramou no chão.
Miguel estava sentado no sofá. Ele se levantou lentamente, admirando a visão dela nua.
- Olha – começou ele, parecendo subitamente muito feliz – Nunca fui punheteiro na minha vida. Nunca precisei. Mas depois dessa, sei não. Cacete, você é linda.
Cristina, que estava paralisada pelo mega sobressalto, acordou para a realidade. Estava sem roupa diante de seu cunhado, um homem que a queria bastante. Um estupro plenamente consensual, se é que tal coisa existia, poderia acontecer a qualquer instante. Abaixou-se correndo e agarrou a toalha, embrulhando-a firmemente contra o corpo. O sorriso de Miguel se desmanchou e ele bufou de insatisfação.
- Poxa, Cristina. Me deixa pelo menos olhar.
Ela negou com a cabeça, definitiva.
- Deixar olhar sempre leva a outras coisas.
Miguel foi se aproximando.
- Então deixe acontecer – sugeriu ele naquele tom que derretia Cristina – Aposto como Maurício está na sua amada faculdade.
- E você deveria estar trabalhando – acusou ela meio em desespero, porque, à medida que ele avançava em direção a ela, ela recuava, e naquele momento, com ela grudada à parede e sem opções de fuga, ele prosseguia inabalável.
Miguel piscou para ela enquanto acabava com os últimos centímetros que os separavam e grudava nela. Então, Cristina assistiu, paralisada contra a parede pelo seu próprio desejo, ele pôr seus longos dedos sobre o apressado nó que ela dera na toalha.
- Me dei folga – explicou-se ele, tamborilando os dedos no nó – Embora não esperasse que a visita a você nesta tarde fosse ser tão interessante.
Isso despertou Cristina. Submergida num mundo de vontade e expectativas, todas concentradas em quando Miguel ia arrancar aquela maldita toalha e arrastá-la para a cama, ela subitamente emergiu como um afogado desesperado por oxigênio. Empurrou Miguel e segurou a toalha com as duas mãos.
Ele a encarou com aquela cara de incompreensão típica que sempre antecedia uma agarração animal. E, antes que Cristina pudesse pensar dito e feito, ele a puxou e tentou beijá-la. Tentou porque Cristina já estava preparada e a boca dele tocou, ao invés dos lábios dela, o seu pescoço. Então, aproveitando a breve confusão dele, ela o empurrou novamente, e correu na direção do meio da sala, pondo uns bons metros entre eles.
Ela mal acreditava. Quase cedera. Quase cedera realmente. Se Miguel não tivesse pronunciado aquela simples frase, Cristina, naquele devaneio de ânsia libidinosa e proibida, com certeza teria deixado que ele a despisse e fizesse com ela o que queria. Fora por muito pouco. Até agora, na verdade, ela se sentia semi-disposta a deixá-lo fazer aquilo. Mas não o faria mais. Agora ela não o faria pelos malditos princípios morais. Enfrentando o olhar penetrante de Miguel, teve vontade de ranger os dentes. Sempre eles. Porque deixar seu cunhado te pegar na cama que você divide com o irmão dele era o suprassumo do errado.
Ah, como Cristina sentia falta da época em que era uma heroína sem moral.
- Então você também é arrombador de residências, Miguel?
- Não, eu...
- Como poderia ter entrado no meu apartamento?
- Sua porta não estava trancada – respondeu ele, ressentido pela acusação – Se estivesse, eu apertaria a bosta da campainha. Mas quis aproveitar a sorte e fazer uma surpresa.
Cristina foi se acalmando. Porta aberta. Maurício devia ter se distraído. Miguel era mesmo muito sortudo.
- Oh – fez ela, meio envergonhada – Desculpe.
Miguel fez uma careta.
- Tudo bem. Acho que eu pensaria a mesma coisa.
- Mas você queria fazer uma surpresa?
Miguel assentiu e foi andando na direção do sofá. Cristina enrijeceu-se toda, achando que ele tentaria beijá-la novamente, mas ele ficou no outro lado mesmo, debruçando-se sobre o sofá.
Foi quando ela viu o ramalhete de flores vermelhas. Miguel se aproximou com elas nos braços e, quando chegou mais perto, estendeu-as para Cristina.
- Feliz aniversário atrasado – desejou ele meio encabulado – Só soube depois.
Cristina ficou sem palavras. Tudo bem que não era nenhum grande presente, tipo o diamante que Maurício lhe dera, mas era significativo. Rosas vermelhas. Quase romântico.
- Flores para uma flor – prosseguiu ele, falando de forma tão canastrona que Cristina não conseguiu não rir enquanto pegava as rosas.
- São lindas – disse ela sinceramente, comovida pelo gesto – Como sabia que rosas vermelhas são minhas flores prediletas?
Miguel ruborizou. Aquilo chamou a atenção de Cristina. Já o vira ficar vermelho em outras ocasiões, mas era apenas uma vergonha passageira. Aquilo, não. Isto era constrangimento de verdade.
Algo estava errado.
- Não sabia – confessou ele, ainda vermelho.
- Miguel, o que aconteceu?
- Nada, Cristina.
- Miguel – começou ela, com a voz sensivelmente mais grossa e autoritária. Era a sua voz de comando – O que diabos aconteceu?
Ele engoliu em seco, respirando fundo. Então pigarreou.
- Eu não queria que você soubesse. Você vai ficar irritada e pensaria negócios que não seriam verdade. Foi um presente com a melhor das intenções.
- Miguel – disse ela simplesmente, intensificando a voz de comando.
Ele engoliu em seco novamente.
- Certo, certo.
- A verdade – advertiu ela.
- Tá bom. A verdade é que esse ramalhete não foi comprado originalmente para você. Era para a Olga.
Cristina deixou as rosas caírem. As pétalas vermelhas se espalharam pelo chão.
- Quer dizer que você me deu o presente rejeitado pela Senhora Sociedade Igualitária? – perguntou ela, quase rosnando.
- Não foi bem assim – disse Miguel, apressado, encolhendo-se diante da fúria dela e parecendo de repente bem menos com o homem que a prensara contra a parede minutos antes – Foi aniversário dela ontem, e eu não fazia ideia o que dar, e pensei em rosas, porque, em nome de Deus, que mulher não gosta de rosas?
- Olga Rachmaninoff – respondeu Cristina, azeda.
- É. Ela falou que não queria porque era um sofrimento desnecessário das pobres flores ou algo assim, e me mandou colocar no túmulo da minha falecida vovó ou qualquer coisa que eu quisesse. Então encontrei com Maurício no elevador e ele perguntou se eu tinha comprado algo para você, porque seu aniversário tinha sido dia 16. E eu tive essa ideia. Melhor do que colocar no túmulo da vovó. Não acho que ela se importaria, mas eu queria agradar você.
E deu um sorriso corajoso, que vacilou no instante seguinte, quando Cristina levantou os olhos e ele viu toda a sua expressão de fúria.
- Você achou que eu gostaria de ganhar as sobras da Olga! – gritou Cristina para ele, fazendo-o se encolher – Você é patético, Miguel. Seu irmão é muito mais homem do que você.
Ele se empertigou todo.
- Meu irmão está muito longe de ser um homem, e você sabe. Duvido que dê no couro com você mais do que uma vez por semana. É por isso que me quer tanto, e também é por isso que vive na cama daquele outro cara lá.
- Está vendo isso? – perguntou ela, em voz letal, mostrando a ele seu colar – É um diamante, Miguel.
Ele arregalou visivelmente os olhos.
- Foi o presente de Maurício – prosseguiu ela, a fúria crescendo a cada instante, tomando cada centímetro da sua mente onde antes reinava o desejo – Isso mostra o quanto valho para ele. Assim como seu presente de restos mostra o quanto eu valho para você, idiota.
- Cristina, eu...
- Isso mostra também – prosseguiu ela, interrompendo-o – o quanto essa sua dita paixão por mim é fajuta. Não acredito que levei isso a sério, que achei que realmente fosse um problema. Você só seria apaixonado por mim, Miguel, enquanto não transasse comigo. Então isso acabaria.
Ela acabou o discurso, já quase sem ar.
- Cristina – começou ele, claramente abalado – Eu sou apaixonado por você. Sei disso agora. Se tivesse percebido antes, não teria casado com Olga. Nem deixado você casar com Maurício.
- Bem, mas o fato é que você casou, não é? E continua casado e parece feliz. Se você estivesse realmente apaixonado por mim, estaria louco para se livrar de sua mulher e ficar comigo.
- Mas eu quero ficar com você – insistiu ele – Tudo só é muito complicado.
Cristina se abaixou e pegou o ramalhete.
- Reconheça, Miguel – começou ela, sardônica – A única coisa que sente por mim é uma grande quantidade de tesão. Agora – disse ela, jogando as rosas para ele, que as pegou no automático – pega essa merda e coloca na porra do túmulo da sua avó. Ou enfia em qualquer lugar que você queira. E sai daqui.
Miguel teve o bom senso de dar meia-volta em direção à porta. Cristina o seguiu para trancar e deixar a chave mestra na porta quando ele fosse, para garantir que ele não voltaria.
Assim que pôs os dois pés no corredor, porém, Miguel se virou para ela novamente.
- E você, Cristina, a única coisa que sente por mim é tesão?
Ela bateu a porta na cara dele sem responder.
Até porque não tinha muita certeza do que diria.