Capítulo 15
1705palavras
2023-01-13 00:40
- Você é a noiva mais bonita que já vi – disse James assim que Cristina se aproximou.
Ela parou e olhou bem para ele, à procura de algum vestígio de sarcasmo. Quando não achou nenhum percebeu, chocada, que ele acabara de fazer um elogio sincero.
- Obrigada – disse ela, desconcertada – Você também está distinto.
Ele fez um breve aceno de agradecimento com a cabeça. E estava mesmo. Cristina não achava que existia alguma forma dele parecer mais bonito do que já era, mas existia. Só precisava botar um terno.
Então, James pegou a mão de Cristina e a beijou muito levemente. Ela relampejou os olhos pelo salão de festas, temendo topar com o olhar de Maurício sobre eles.
- Preocupada com seu marido? – perguntou ele, cortês, enquanto endireitava o corpo.
Cristina ia começar a responder, mas a palavra marido a fez emudecer. Era a primeira vez que pensava em Maurício daquela forma.
- Por que estaria? – questionou ela – Foi só beijo na mão. Gentil, aliás.
- De qualquer forma, ele não me conhece – observou James - Mas não acho que seu cunhado pense assim. Atrás de você, não olhe.
Mas é claro que Cristina olhou. Claro que olhou. E lá estava Miguel, perfurando James com os olhos. Quando ela voltou a encarar o primeiro, ele estava rindo.
- O que foi? – perguntou.
- Você gosta dele.
Era uma afirmação, não uma pergunta. Cristina forçou-se a olhar para ele indignada como uma vítima de acusação errônea, não como uma herege disposta a confessar todos os pecados.
- Ele é o meu cunhado! – exclamou ela, colocando a mão nos quadris de uma forma um tanto burlesca de zanga – Pai do meu afilhado. Marido da Olga.
- Tudo isso não significa nada – observou ele calmamente – Só aumenta o evidente desejo dele por você e vice-versa – frente ao olhar interrogador de Cristina, acrescentou calmamente – O fruto proibido, sabe.
Cristina sabia. Mas não podia deixá-lo saber o quão bem sabia.
- Não é nada disso.
- Então deve ser obviamente por nada disso que ele está doido para me socar.
Cristina não teve o que responder.
- Se eu fosse você – prosseguiu ele, com aquele breve sorriso de quem está certo e sabe disso – tomaria cuidado.
- Por quê? – questionou ela, e deu um risinho – Você está com ciúmes?
- Não – respondeu ele – Mas ele está. Muito. Demais para querer você só por uma noite.
Cristina ficou assustada pelas implicações dessa frase.
- Quer que eu seja a amante dele? – perguntou ela, meio pasma.
James olhou para ela com certo humor.
- Se você entende dessa forma, sim. Acho que ele estaria muito feliz se esse esquema de vocês se perpetuasse.
- Esquema?
- Você trai seu marido comigo, e me trai com ele.
Cristina se inflamou novamente de indignação.
- Eu nunca transei com Miguel. Só temos uma... coisa meio complicada.
- Então é pior – concluiu ele.
- Pior?
- Claro que sim. Você está apaixonada pelo seu cunhado. Agora, com sua licença, vou cumprimentar uma pessoa.
E foi-se.
Cristina ficou lá sem reação por alguns instantes antes de perceber que ele não voltaria, no meio do salão com seus pés sendo destruídos pelos saltos. Resmungando de incômodo por aqueles malditos, resolveu ir finalmente trocá-los por uns sapatinhos mais baixos que deixara no quartinho mais cedo, tentando esquecer todos os pensamentos que tentara enterrar por todos os meses anteriores e que James, subitamente, trouxera de volta.
Quando chegou ao quarto, já estava mancando e com dor. Chiando, percorreu os últimos metros até a mesinha onde estava a caixa de sapatos. Quando chegou lá, se inclinou e, com suspiros que podiam indicar tanto extremo prazer quanta gigantesca agonia, arrancou os malditos sapatos. Depois de atirá-los para o outro lado da sala, tateou a mesa atrás da caixa, abriu-a e pegou o outro par. Então, devagar para aproveitar bem o momento, colocou-os, tão extasiada saboreando a sensação de conforto pela primeira vez em horas que sequer ouviu o click da porta quando alguém entrou sorrateiramente por ela. Respirou fundo, quase ronronando de felicidade, enquanto se endireitava e virava-se para sair do quartinho.
Quando viu Miguel encostado na porta fechada, Cristina gritou de tanto susto. Mais especificamente, quase teve um pequeno ataque cardíaco.
- Shhhhh – fez Miguel, correndo até ela e pondo a mão sob seus lábios de forma não muito gentil – O bairro todo não precisa saber que estamos a sós.
Cristina, ainda com a respiração descompassada e olhos arregalados pela surpresa, assentiu. Miguel tirou a mão de cima dos lábios dela, e foi quando ela percebeu que estavam próximos demais para sua própria segurança, recuando dois passos para trás.
- Por que você está aqui? – conseguiu perguntar com a voz falha.
Miguel amarrou a cara e cruzou os braços.
- Aquele cara que beijou a sua mão.
- Sim, James.
Miguel a encarou.
- É ele, não é? O seu amante.
Cristina não se preocupou em negar, e ficou sustentando o olhar penetrante dele. Chega de disfarces, hora das cartas na mesa.
- Sim, é. E você não tem nada a ver com isso.
Os olhos dele se arregalaram. Claramente não esperava aquele passa-fora.
- Claro que tenho – respondeu ele assim que conseguiu se estabilizar da porrada – Você não poderia ter convidado o cara para o casam...
- E daí, Miguel? – interrompeu Cristina, exasperada, dando de ombros – E daí? Você vai fazer o quê, contar para o Maurício que eu transo com outro, para que ele anule o casamento agora mesmo? Sendo que você mesmo quer transar comigo?
A cor no rosto dele sumiu um bocado e ele não respondeu nada.
- Então! – prosseguiu Cristina, exaltada - Miguel, a verdade é que nem você, nem sua esposa, podem fazer nada para me prejudicar em relação a James. Conforme-se ou se mate.
Miguel continuou calado, olhando-a com incompreensão, e, então, subitamente, avançou para cima dela e grudou suas bocas com tamanha fúria que os dois se chocaram contra a parede enquanto ele a beijava à força – somente no início, porque no final Cristina já correspondia com animação.
Mas, depois de certo tempo, foi necessário que ela o empurrasse. Foi preciso porque, se as coisas continuavam naquele ritmo, Cristina teria sua noite de núpcias ali mesmo, e não seria com seu marido.
Miguel ficou furioso quando ela o empurrou.
- Me diga, Cristina – começou ele enquanto ela detectava o gosto metálico de sangue na boca - porque aquele tal de James pode ser seu amante e eu não posso?
Ela mal acreditou que Miguel tinha realmente feito aquela pergunta.
- Porque ele não é meu cunhado – respondeu ela no mesmo tom histérico de voz – E pode dar umazinha comigo sem que...
- Não quero só dar umazinha com você – replicou ele com frieza – Com você, não.
Cristina parou de falar e ficou só o encarando. O silêncio ecoava na sala enquanto ela pensava nas implicações da frase.
- Não – disse ela, sem querer acreditar – Não, Miguel.
Ele a encarou com firmeza, mas não disse nada.
- Miguel, você não pode ter se apaixonado por mim.
Ele não disse nada a princípio. Cristina teve esperanças. De repente estava enganada. Tinha entendido tudo errado. Já fizera isso antes com James. Mas, então, para seu horror, Miguel respirou fundo e deu de ombros, num gesto de quem lamenta.
- Acho que posso – retrucou ele devagar.
Cristina estava tremendo de nervoso e ódio numa mistura muito peculiar.
- Você podia ter me dito antes de me deixar casar com seu irmão, seu retardado! – gritou ela, sem conseguir se conter, e, para seu grande espanto, sentiu os olhos começarem a se encher de lágrimas.
Miguel ficou calado, assumindo sua culpa. Cristina mal podia acreditar. Aquilo devia ser só diversão – uma diversão perigosa. Mas não. Ela tinha que conseguir fazer que com seu cunhado com nome e jeito de galã latino se apaixonasse por ela.
- Eu não sabia – justificou-se – Na verdade, não sei muito bem até agora. Eu só sei que você é especial para mim. Isso é uma situação confusa, Cristina.
- Não me diga – disse ela amargamente – Eu sabia que devia ter dado para você logo. Não estaria nessa situação hoje.
Miguel pareceu subitamente interessado.
- Você ainda pode dar para mim se quiser – disse ele sedutoramente, voltando a se aproximar dela.
Cristina recuou.
- Claro que não posso – disse ela numa voz calma horrivelmente artificial – Você perguntou o porquê de James ser meu amante, e não você. Vou responder melhor. Não é só porque ele não é meu cunhado.
Ela calou-se, sem crer realmente no que falaria. Miguel esperou.
- É porque eu tenho certeza que ele não me ama – concluiu ela, dramática.
- Também não é tanto, Cristina – disse Miguel rápido.
Ah, graças a Deus. Menos pior. Se ele tivesse assumido que a amava, ia ser horrível. Cristina não sabia lidar muito bem com amor. Com paixão, talvez, mas nunca amor. Para ela, tal coisa se extinguira no início do século passado.
- Eu posso estar apaixonado por você – prosseguiu ele – Morrer de vontade para te levar para a cama, mas amar, não. Eu amo Olga.
- Ama a sociedade igualitária, mas quer fuder com o sistema?
Ele demorou um pouco para entender, mas depois riu.
- É – confirmou ele, e deu uma piscadela para Cristina – Pode-se dizer que sim.
Cristina bufou, deu as costas e saiu da sala, batendo ruidosamente a porta. Ah, homens.
- Cristina.
Ela parou no meio do corredor e se virou. Era Maurício, que vinha apressado na direção dela.
- Estava procurando você – disse ele no exato momento em que Miguel saía da sala e olhava para ambos por meio segundo antes de seguir seu caminho – Ei, seu lábio está machucado. Você caiu?
Cristina passou o dedão direito pela boca. Tirou um pouquinho de sangue.
- Bati na parede – respondeu ela, meio ausente enquanto observava Miguel desaparecer na direção do salão.