Capítulo 14
1537palavras
2023-01-13 00:39
No final, nem houve cataclisma nenhum no final de 2012. Assim sendo, Cristina queria, e iria, casar.
Ela conseguiria. Algumas provas de vestido, depois alguns estresses pela festa (poucos, porque ela sinceramente duvidava que Teresa a deixaria dar muitos palpites), e, por fim, o altar. O caminho até ele era com o que Cristina andava se preocupando mais. Talvez andasse vendo filmes romanticalóides demais, daqueles que as noivas desistiam no último momento. Mas na vida real aquilo não acontecia, dizia a si mesma. Ninguém jogava fora festas tão caras.
Com tais coisas em mentes, terminou de ajeitar o vestido de noiva. Ele era simples, mas lindo. Cheio de bordados. O único problema era que era um pouco longo demais, mas nada que saltinhos não resolvessem. Na verdade, saltos de verdade resolveriam melhor o problema, mas ela não queria nem pensar em cair no meio do caminho, realizando assim Seu Grande Mico Eterno. Se Olga, que era praticamente uma bolinha no dia do seu casório, entrara – Cristina tinha que admitir – muito bem, ela não queria fazer um palmo sequer a menos.
Ajeitou os peitos melhor no vestido, deu as costas para os múltiplos espelhos e saiu empurrando a cortina, esperando ouvir um elogio a qualquer segundo, histérico o quanto fosse de sua sogra, mas, naquele momento, Cristina precisava de reafirmação de sua beleza.
Mas, quando passou pelas cortinas, a primeira e única pessoa que viu foi Olga, sentada entediada numa cadeira. Imediatamente, deu um suspiro não desejado de decepção. Não, ela ainda não fora embora.
Olga ficou a examinando detidamente com aqueles olhinhos puxados. Então, prendeu os cabelos atrás das orelhas e levantou-se, circundando-a.
- Parece uma puta com tudo isso de fora – foi o seu primeiro comentário gentil.
Cristina virou a cabeça para fulminá-la como olhar.
- Olga, se você não podia exibir seus pseudo peitos por estar gorda demais, pode ficar com inveja à vontade. Sei que estou linda.
E ficou se virando na frente de outro espelho para continuar se admirando.
- Só dou cinco anos para esse casamento – declarou Olga com veemência.
Cristina se virou para ela.
- Pode ficar esperando isso sentada para sempre, se depender de mim.
Olga balançou a cabeça.
- Não dependerá de você.
Cristina lhe lançou um olhar meio petulante que ela bem merecia.
- Ah, não, é?
- Não – respondeu ela simplesmente, cruzando as pernas.
Cristina, por sua vez, cruzou os braços e ficou aguardando a continuação que certamente viria.
- Você pode até não querer – começou Olga – mas estou começando a te conhecer...
- Só agora? – questionou Cristina, sarcástica.
-... e sei que você gosta de se apaixonar. Mas não por caras como Maurício.
Ela fez uma pausa e circundou Cristina mais um pouco. Ela podia ver pelos espelhos; a dama de branco sendo cercada pela bruxa de preto. Linda analogia.
- Então – prosseguiu Olga – você poderá tentar até resistir. Talvez. Mas haverá um momento que você cometerá um ato falho e, acredite, estarei lá para assistir à sua desgraça. No máximo em cinco anos, é o que aposto.
Ela se virou para sair. No meio do caminho, porém, parou e se virou de volta.
- Mas – acrescentou – vou dar uma ajudinha.
- Ajuda, ham?
- Irei de roxo ao seu casamento – disse ela docemente, e saiu de vez.
Bem, pensou Cristina com um pouco de dificuldade, nada de mais justo. Ela mesma fora de vermelho ao casório de Olga só para desviar a atenção geral da noiva.
Mas o que ela dissera fora mesmo verdade sobre Cristina gostar de se apaixonar. Com certeza. Mas ela estava conseguindo controlar aquilo. James estava no seu devido lugar, e Miguel... bem, Cristina preferia não mexer com algo que podia explodir.
Se tudo continuasse assim, nada impediria que ela casasse e permanecesse casada com Maurício.
Ela só esperava que Deus não a sacaneasse.
-
Cristina olhou-se bem no espelho e forçou um sorriso. Se alguém entrasse e a flagrasse, ela diria que estava treinando para quando fosse entrar na igreja com seu pai. Mas, na verdade, estava fazendo isso porque o movimento de sorrir afastava a ânsia de vômito. Pelo menos era o que vira num programa de televisão.
E ela não queria nem pensar em vomitar.
Porém, apesar de toda a sua luta, todo o seu esforço, ela não suportou. Só teve tempo de correr como uma desesperada para o banheiro antes de colocar os bofes para fora, tentando desesperadamente não sujar seu vestido de noiva com aquela coisa viscosa.
Quando teve certeza que acabara, ela se levantou e, conformada, tentou limpar a boca da melhor forma possível sem destruir a maquiagem. Claro que sem destruir a maquiagem. Não podia deixar que ninguém soubesse daquilo. Era uma sorte que ninguém via aquele momento humilhante, porque, se vissem, passaria uma imagem de babaca nervosa para todos, além do que Olga ia sacaneá-la pelo resto de tempo de vida de quem morresse primeiro. Afinal, ela não vomitara no seu casamento.
Mas também possivelmente jamais tivera a severa desconfiança de estar apaixonada pelo seu cunhado.
Só aquele pensamento já deu novas ânsias a Cristina. Com mais força de vontade do que a vez anterior, ela forçou um sorriso enquanto checava a maquiagem. Depois de um tempo, o enjoo passou, e Cristina pode ir para a sala sem ter certeza que não vomitaria no chão.
Chegando lá, ela sentou-se numa cadeira em frente ao espelho, subitamente desanimada. Vidinha de bosta. Aquele devia ser o dia mais feliz da sua vida. Mas não. Tinha que ser complicado.
Primeiro, James. Ele dissera que viria, e Cristina nada tinha a duvidar da palavra dele. Sequer tinha tanto a temer (muito, pelo menos). A não ser que ele estivesse passando naquele momento por um surto psicótico, nada faria a não ser ficar observando a cerimônia como se fosse um móvel.
Até ali, tudo bem. Com James ela podia lidar. Com ele ela sabia mais ou menos o terreno que pisava.
Mas agora vinha a segundo problema, Miguel, e só de pensar nesse ela já engolia em seco e se sentia meio mal novamente. Porque nas últimas semanas, ela andara pensando (demais para seu próprio bem) sobre ela e Miguel, e aquela atração estonteante que os unia e os queria fazer saltar para a cama mais próxima. Ou talvez nem saltar para a cama mais próxima, mas simplesmente poderem estar juntos sem temer nada.
Foi nesse ponto que ela parou na sua linha de pensamentos. Não poderia garantir o que descobriria se continuasse. Talvez algo terrível demais para suportar. Ou para se casar.
E o pior era saber que ela mesma causara tudo aquilo. Só agora via como lidara mal com a situação. Devia ter acabado com tudo de uma vez quando percebeu o que estava se desenvolvendo. Mas não. Cristina, que sempre se orgulhara de interpretar sexo e relacionamentos de forma mais direta, tentara cozinhar aquela atração a fogo brando como uma menininha retardada. Acabara botando fogo no negócio. E, agora, sempre que estava na presença de Miguel, sentia-se prestes a virar um bloquinho de cinzas.
Suspirou bem no momento que alguém batia na porta. Levantou-se, a abriu e deu de cara com Olga. Cumprindo sua promessa, ela estava com um vestido roxo. Roxo clarinho, mas já mostrava a má intenção.
O rosto de Cristina devia deixar transparente sua ansiedade, porque Olga sorriu presunçosa assim que a viu.
- Nervosa? – perguntou ela com certa simpatia cínica.
Cristina sorriu de volta, sentindo sua expressão tão forçada como se tivesse enchido a cara de botox.
- Só se nervosismo é o novo nome para feliz – respondeu, e, bem lá no fundo, era verdade. Não era porque ela conseguira dar um nó na situação toda que não estaria contente.
Hoje, ela chegava ao fim daquele plano. Chegara ao seu objetivo, seu prêmio máximo. Naquele momento, nada podia abatê-la. Como se manteria no cume que alcançara era um assunto a ser pensado em outra hora.
- E você me ajudou muito, Olga – prosseguiu ela, sentindo-se confiante em seus pensamentos.
Olga arqueou as sobrancelhas enquanto processava a frase.
- Realmente – disse ela distintamente – Não contava que Maurício fosse um total idiota.
- Pode ser – concordou Cristina – Mas é meu idiota.
- Vejamos por quanto tempo.
Cristina não se abateu. Deu as costas a Olga e foi se checar uma última vez do espelho.
- Mas isso não é para agora – continuou Olga, se adiantando dois ou três passos – Só vim aqui porque gostaria de saber o que você tanto faz ainda aqui. Teresa vai ficar louca com a espera.
- Que espere – disse Cristina serenamente, embora seu coração borbulhasse agora com a lembrança dos pensamentos anteriores sobre Miguel – Noivas atrasam.
Olga gargalhou. Cristina se virou para encará-la. O vestido mais a risada. Só faltava a verruga preta e peluda no nariz para parecer uma bruxa.
- Nem casou ainda e já está tripudiando – observou.
Cristina abriu a boca para responder, mas a voz de Teresa começou a chegar em ondas até a sala, e ela decidiu que não valia a pena estressar mais a mulher, saindo finalmente.