Capítulo 7
2542palavras
2023-01-06 00:40
- Cristina.
Ela olhou para James, meio intrigada, meio curiosa. Ele a abordara na saída da biblioteca, e estava falando com ela sem ser pressionado para tal, e não a estava chateando. Isso não era de jeito nenhum comum.
- Você tem um namorado, não tem?
Cristina desanimou. Uma hora ele tinha que lembrar mesmo. Ela suspirou. Então se recompôs, e, com um sorriso, pôs a mão no ombro dele.
- Sério que temos que falar disso?
- Eu só fiz uma pergunta simples – observou ele com um sorrisinho, retirando a mão – Sim ou não?
- Sim – admitiu Cristina.
- Então, porque vo...?
- Porque eu estou caçando você? – antecipou-se Cristina, impaciente – É o que eu ia responder, posso?
James ficou em silêncio. Como quem cala consente, Cristina prosseguiu:
- Eu sou poligâmica – declarou ela, expondo por fim a conclusão a qual chegara depois de muito refletir.
- Eufemismo para puta – opinou James.
Aquilo enfureceu Cristina.
- Claro que não – disse ela, se esforçando para não gritar com ele – Só já pensei muito sobre isso e reconheço que a monogamia é absurda. Nenhum outro animal é assim, é contra as leis da natureza.
- Os pinguins são monogâmicos.
- Não me importo com pinguins.
Ele deu de ombros.
- Não vale a pena discutir com você.
- Você se importa com isso? – perguntou Cristina, preocupada – Que eu tenha um namorado?
- Na verdade, sim. Estou com medo de sair machucado.
No automático, Cristina abriu a boca para retrucar, mas fechou-a em seguida, desarmada.
Ela não esperava aquilo. Não mesmo.
- Eu – começou ela, depois pigarreou e voltou – Eu não esperava que você estivesse levando isso a sério.
Ele a encarou de forma estranha.
- Eu estou falando medo de sair machucado literalmente. Levando uma surra, por exemplo. Do que você achava que eu estava falando?
- Nada, nada – respondeu Cristina, tentando disfarçar o quanto estava mortificada, e depois saiu discretamente do assunto - Mas porque você tem medo de levar uma surra?
- Se seu namorado ainda é quem eu estou pensando, e deve ser, está dentro das possibilidades dele pagar para me darem uma surra se for descoberto que eu e a namorada dele...
- E por que você acha que ainda tenho o mesmo namorado do Ensino Médio?
- Digamos que tenho quase certeza que você não continuaria com ele só porque ele é uma boa pessoa. Eu sei que ele tem muito dinheiro.
Cristina ficou em silêncio por alguns instantes, pensando, sem se preocupar em rebater a última frase dele.
- Se Maurício descobrir – começou ela por fim – talvez te dê umas porradas.
- Contrataria alguém para isso?
- Não – disse Cristina, pensando em Miguel e sua cicatriz, além da conversa no Jardim Botânico – Cuidaria ele mesmo do assunto.
- Acho que tenho grandes possibilidades de vencer, então.
Cristina comparou os dois mentalmente. Achava difícil. James estava se superestimando. E olha que ele nem sabia da espada.
- Tudo bem agora?
- Tudo.
- Não te perturba nem um pouco isso?
Ele pensou um pouco sobre o assunto, e então balançou a cabeça negativamente.
- Não. Aquele que vai ter chifres crescendo no crânio não sou eu, então não me importo. Só queria garantir minha segurança física.
- Então tudo ótimo. É bom saber que você lida bem com a ideia de derrota.
James levantou bem as sobrancelhas.
- Não cante vitória antes do tempo.
- Não vem com isso. Estamos em junho. Só faltam duas provas para mim.
- No período passado só bastou uma.
- E você nem teve nada a ver com isso, não?
- Vamos discutir isso de novo?
Os corredores voltaram a encher. A próxima aula se aproximava, e Cristina precisava colocar algo no estômago urgentemente.
- Não, não vamos – disse ela enquanto ia para o elevador – Mas comece a pensar com carinho na derrota.
- Derrota, por definição, é algo ruim. Não posso pensar com carinho em algo ruim.
Cristina riu enquanto entrava no elevador e apertava o botão do primeiro andar.
- Pense com carinho, James. Vai ser tão divertido! Acredite, penso nisso todos os dias.
E foi uma pena que as portas do elevador se fecharam, porque ela teria adorado ver a expressão dele depois daquela.
-
Era naquelas horas que Cristina via como aquele mundo era mesmo hipócrita.
Bebês. Oh, bebês. As coisas mais lindas, fofas e apertáveis deste planeta azul desde que o homem era homem. Procriação não era a razão mais digna da existência?
Não, não era. Bebês eram capetinhas disfarçados.
Com variadas caretas que expressavam seu desgosto, Cristina tirou sua blusa branca que o moleque mijara toda e pegou uma camisa roxa que Olga, com o riso controlado, estava oferecendo.
Mas tudo era culpa dela mesma, pensou Cristina com amargura. Puxar o saco da sogra era uma coisa. Se oferecer para ajudar a trocar a fralda do pirralho já era exagero. Tudo bem que ela tinha ganhado muitos pontos com aquele ato de abnegação e sacrifício de uma camisa, mas aquela era uma Morena Rosa novinha. Que seria agora jogada fora.
Aquela criança iria pagar. Estaria para sempre na lista negra dela.
Cristina passou por Olga, sentindo-se ridícula naquela camisa de Dia das Bruxas, e fitou o garotinho maldito todo jogado no berço.
- Yuri Alexei Rachmaninoff Resende – recitou Cristina, pronunciando as palavras como se aquele fosse o nome do demônio – Fala sério, Olga, não dava para pensar num nome mais ridículo não?
Olga ficou levemente ruborizada.
- É um nome digno, Cristina. Mas o que você sabe de dignidade?
- Lição de moral comovente.
- Yuri – continuou Olga, inabalável – é o nome do meu avô.
- Era, você quer dizer.
- E Alexei é o nome do meu pai – prosseguiu ela sem ouvir.
- Olga, isso não é digno, é só ridículo. Nunca daria a uma filha minha o nome da minha avó.
- O que mostra o quanto você não respeita seus familiares.
- Não, isso mostra o quanto eu tenho bom senso. Minha avó se chama Leopoldina.
As duas ficaram em silêncio, tentando matar uma a outra com o olhar.
- Só queria entender como o Miguel concordou com isso. Se queria homenagear alguém, que homenageasse o pai – fez uma pausa e encarou Olga com sua expressão malévola – Ou será que não é o pai quem pensamos que é?
- Ou será que... Cristina, isso é ridículo.
- Não, ridículo é o nome do seu filho.
- É óbvio que Miguel é o pai de Yuri. Eles são a cara um do outro.
Cristina olhou para o bebê. Não conseguiu ver nada, quanto menos a cara de Miguel.
- A única coisa que vi é uma grande cara de joelho – declarou ela – Assim como todos os bebês.
- O que mostra o quanto você é cega.
- Não, mostra o quanto sou realista. Me diz, o que tem de Miguel nesse garoto?
Olga veio para perto do berço e pegou Yuri no colo.
- Olha – falou ela, apontando para uma pintinha perto do início do cabelo do bebê – Miguel tem uma igual.
- A única coisa que Miguel tem aí é uma cicatriz.
- Não. Ele tem uma pinta perto dessa cicatriz que seu namorado fez.
Essa era a hora que Cristina calava a boca. Porque o motivo pelo qual Miguel tinha aquela cicatriz podia muito bem levar Olga a pensar no dia do seu casamento e como havia encontrado Cristina e Miguel naquela situação esquisita.
Isso se já não tivesse percebido e aquela conversa não jogasse aquele momento de volta para o primeiro nível de sua consciência.
Nesse caso, Cristina só podia desejar que sua morte fosse rápida.
- Pelo seu silêncio, posso entender que você admitiu a derrota?
- Não, você pode entender que cansei dessa discussão idiota.
Olga colocou Yuri no berço com sua habitual cara inexpressiva.
- Podemos tentar um acordo? Não coloque meu filho no meio disso.
Cristina olhou bem para ela. Depois, sorriu.
- Se for de algum consolo, ele não vai se lembrar de nada quando crescer.
E ia dar as costas quando Olga agarrou seu braço. Com força.
- Se machucar meu filho, vaca, eu juro que...
Cristina se desvencilhou, cheia de um medo que jamais admitiria para si mesma. Afinal, ela já sabia o quanto aquela mulher era boa de kung fu.
- Por que eu machucaria alguém? Você me disse que sou muito primária. Vou aprimorar isso. Você verá.
-
Aquele foi um dia de revelações para Cristina. Mas, quando começou, não parecia nem um pouco que se desdobraria numa tarde cheia de emoções.
Seu dia começara com ela acordando atrasada para a primeira aula. Quando chegara à faculdade, descobrira que não estava atrasada coisíssima nenhuma, porque a vaca daquela professora faltara. Depois, descobrira que o professor de sua eletiva faltara também.
Depois de xingar um pouco, ela resolvera voltar imediatamente para o conforto de seu lar. Talvez, mais tarde, como era sexta-feira, saísse com Maurício. Talvez fosse para a cobertura dele e, mais tarde, fosse perturbar Olga.
Mas todos esses planos mudaram quando o tiroteio começou.
Cristina tinha passado do primeiro portão e já estava quase do lado de lá do segundo quando os tiros começaram. Pelo barulho, pareciam guerrilheiros batalhando do lado dela. Imitando o resto da rua toda, se jogou no chão e foi engatinhando de volta até o lado de dentro da faculdade, ficando lá bem abaixadinha.
Foi quando James se jogou do lado dela. Cristina, que tentara observar o tiroteio pelas frestas do portão, virou a cabeça assim que realizou quem era que vira pelo canto do olho. Estalou o pescoço.
- Olá – disse meio casualmente – Está atrasado. Sua aula começou há uma hora.
Ele a olhou sem acreditar.
- Estamos perto da morte e você fala que eu estou atrasado? – gritou ele, quase histérico, em meio aos tiros.
- Você não chegava mais que quinze minutos atrasado. Por dois períodos. Exceto no dia da prova, que você deixou tudo com aquele monitor e saiu para só voltar uma hora e meia depois.
James rolou os olhos de incredulidade.
- Controlando meus horários – disse ele com desgosto – Sou um homem livre, se não sabia. Está dentro das minhas prerrogativas me atrasar de vez em quando.
- Até pode, mas você não faz isso nem...
Parou.
- Nem o quê? – perguntou ele, impaciente.
- Você dormiu com alguém – declarou ela com uma convicção aborrecida.
James ficou mudo de espanto por um segundo.
- No que você baseia isso? – quase gritou ele, porque nesse momento uma saraivada de tiros atingiu uma parede e depois estilhaçou uma janela. Alguns cacos caíram perto deles.
- As pessoas não mudam seus hábitos a não ser se forem se beneficiar disso – recitou ela – E você anda bem necessitado.
- Você acha?
- Sim. Alguém como você não tem tempo de fazer sexo.
James sorriu e se aproximou dela, com ar presunçoso.
- Isso não é verdade. Minha cama andou ocupada ultimamente. Aliás, você conhece a pessoa.
- Conheço? – perguntou ela, sentindo uma onda de ciúme por antecipação.
- Bárbara Nascimento – disse ele cuidadosamente, parecendo apreciar profundamente a cara de choque de Cristina – Não era sua amiga?
Ódio escaldante. Raiva assassina. Cristina mal conseguia respirar.
Depois tentou se acalmar. Ela e Bárbara já não conversavam tanto, não desde a formatura do colégio. Ela mal sabia dos seus sucessos com James. Ela não tinha como saber que o homem estava quase na mão.
Mesmo assim... teriam uma conversa.
- Como aconteceu? – perguntou ela, forçando-se a aparecer casual.
James se afastou dela. Uma bala perdeu velocidade e caiu quicando a poucos metros e ambos se encolheram. Por que ela estava se importando com um assunto tão banal quanto sexo quando estava pouco distante da morte? Diante daquilo, não era importante.
Depois voltou atrás. Claro que era importante. James era importante demais para ser perdido por sexo casual com uma amiga idiota.
- Bancos podem ser locais interessantes – comentou ele, despreocupado – E o gerente demora um tempo incrível para resolver os problemas dos clientes.
Cristina respirou fundo.
O tiroteio apertou. Cristina ouviu gritos.
- Foi só uma vez?
James ergueu as sobrancelhas, meio irônico.
- Ciúmes?
Cristina fez com que não com a cabeça, embora o ciúme borbulhasse dentro dela. Era incrível como, mesmo sem nunca ter sequer beijado o homem, ela já estava disposta a matar qualquer uma que encostasse nele.
Mas ele não era nada dela. Era solto, como dissera.
- Que bom – continuou ele – Se estivesse, poria sua sanidade mental em dúvida. Ou não. Você é mulher. Mulheres são dessas coisas românticas. E sim, foi só uma noite.
Cristina ficou aliviada.
- Mas se não estava transando com ninguém – desviou ela – o que você estava fazendo esta manhã?
- Está me controlando, Cristina?
- Como posso? Não sou nada sua. Mais importante, não quero ser nada sua. Tenho um ótimo namorado.
Ele apertou os olhos, ferido.
- Então posso considerar nossa aposta ter...
- Isso não significa – prosseguiu ela como se não tivesse sido interrompido – que quero encerrar as atividades que mal comecei com você.
Ele não respondeu, mas, pela primeira vez, não pareceu reticente diante da perspectiva. Talvez até um pouco interessado.
Cristina finalmente o tinha atingido.
Foi quando percebeu que os tiros haviam acabado.
Ela, que já percebera que James era meio covarde, tomou a iniciativa. Levantou um pouquinho para observar a situação.
Muitas viaturas. Muitos carros comuns cheios de balas e, atrás deles, uns seis indivíduos caídos no chão, evidentemente mortos ou perto disso. Alguns homens e uma mulher, alguns policiais, outros civis, eram levados para ambulâncias. Mais tarde, Cristina saberia que tudo fora um assalto no banco próximo que dera errado. Barbaramente errado.
Ela se levantou sacudindo a roupa. Ele se pôs de pé logo atrás.
- Vai dizer ou não? – perguntou ela, firme.
Ele a avaliou, encarando-a bem, antes de responder.
- Anne passou mal de manhã. Vomitou em todo lugar. Tive que tomar alguma providência.
Anne? Quem diabos era Anne? Uma filha?
- Anne é minha gata – esclareceu ele, respondendo a pergunta não feita.
Gata. Cristina fez uma careta. Odiava gatos desde Mille, a gata do demônio de sua mãe.
Mas tudo bem, dava para lidar. Mesmo que só gays tivessem gatos.
- Preciso ir – despediu-se ele, indo em direção às escadas.
- Espera – disse ela, acelerando na direção dele – Minha última prova é amanhã – declarou ela assim que ele se virou.
- E?
- Só para lembrar que, no primeiro dia que você vier aqui depois das férias, à noite você é meu.
E, se Deus quisesse, muitas noites depois também.
Ele a olhou de cima a baixo.
- Tudo bem – falou, neutro – Desde que você vença a aposta.
Cristina quis sorrir. Desde que você vença a aposta. Provavelmente ele nem estava mais acreditando naquela merda de aposta.
Agora, era apenas uma questão de qual ego cedia primeiro.