Capítulo 5
2307palavras
2023-01-02 23:01
Cristina resolveu esperar um pouco para voltar a investir agressivamente em James, visto que ele estava fingindo que não a conhecia. Perto do fim do período, ela decidiu que não podia mais esperar. Entrou na aula dele clandestinamente e ficou esperando jogando no celular. Quando a aula acabou, foi atrás dele.
- Se lembrou de mim agora?
Ele, que andara tentando enfiar meio quilo de trabalhos na bolsa, se virou. E decidiu que não dava mais para continuar se fazendo de alheio.
- Ah, sim. Cristina Medeiros, 1301. Colégio das Irmãs.
Estavam avançando.
- Por que estava fingindo que não me conhecia?
Ele deu uma longa avaliada nela.
- Porque, na prática, você está me assediando sexualmente – respondeu – Tirando a parte que você exerce algum poder sobre mim, claro.
Cristina sorriu.
- Acho que só um completo retardado não sacaria isso.
- Mas eu não quero.
Cristina ficou boquiaberta. Quando, como e onde um homem que ela já desejara falara aquilo?
Ah, sim. Nunca.
- Como é que não? – perguntou, ainda em choque.
- Vê-se que você não tem nenhum problema de autoestima.
- Não tenho é falsa modéstia – sibilou ela - Por que você é diferente?
Ele hesitou por um segundo.
- Você não tem algo que eu aprecio.
Cristina processou a frase, e imediatamente teve pensamentos revoltados.
- Você é gay? Não acredi...
- Não é isso.
Cristina ficou confusa, mas aliviada.
- Então o que eu não tenho? – questionou.
James bateu duas vezes com o indicador direito na têmpora. Só um idiota não entenderia a mensagem.
- Cérebro? – disse ela, ofendida.
- Todos os humanos têm cérebro. O seu só não está na direção que eu gosto.
- E qual é a direção que você gosta?
Ele respirou fundo e pôs os trabalhos que ainda carregava na mesa.
- No tempo em que dei aula a você, pude perceber que, apesar de ser muito atraente, você usa todos os seus neurônios para atividades duvidosas e fúteis.
- Como...?
- Trancar alunas no armário.
Cristina perdeu o ar. James sorriu.
- Claro que todos sabem. Mas Tânia nunca apresentou queixa formal. É o único motivo pelo qual você jamais foi suspensa.
Ela e Bárbara. Mas ela sempre disfarçava bem suas sujeiras. Provavelmente ninguém sabia da participação dela naquilo.
- Não uso meus neurônios só para isso. Posso tirar boas notas como qualquer um.
James deu um risinho de deboche absolutamente enfurecedor.
- Prove.
- Isso é um desafio?
Ele deu outra longa avaliada nela. Dessa vez, demorou mais nos peitos.
- Se você vê assim, sim, é um desafio.
- Quais as condições?
Ele pensou por alguns instantes.
- Média de período 9 – disse por fim, parecendo avaliar cada palavra - Então eu penso em sair com você.
Cristina quis dar pulinhos por antecipação.
- Como eu quiser?
- Como você quiser – prometeu ele – Mas apenas com 9 ou acima. E eu ainda teria que concordar.
Cristina sequer ouviu a última parte broxante da frase. Sua imaginação já fora incendiada pela primeira.
- Ótimo – fez ela, estendendo a mão para selar o acordo. Ele estendeu a sua, e Cristina a segurou por talvez um segundo a mais do que o necessário.
Antes do prêmio, porém, ela teria que trabalhar duro.
Ainda era novembro. Um período nunca demorara tanto a passar. Mesmo com as matérias iniciais de História sendo um pé no saco, Cristina estava se saindo bem. Do jeito que as coisas iam, ganharia de lavada sua aposta com o professor James.
Aliás, era isso o que ela falaria com ele quando acabasse a prova.
- Espero que você seja um bom perdedor – disse ela em voz baixa, entregando sua prova. A última avaliação. A última nota que a separava de seu objetivo.
Ele levantou os olhos das provas que já estava corrigindo por alto.
- Eu nunca perco – respondeu ele arrastando as sílabas.
Isso preocupou Cristina.
- Você vai ser baixo a ponto disso?
- Disso...?
- Abaixar minha nota só para não perder a aposta.
- Não vou fazer nada. Se alguém vai prejudicar sua prova é você mesma.
- O que você está falando?
- Que não acho que você vai ter um desempenho tão brilhante nessa prova.
- Está me subestimando.
- Não, subestimando não. Só vejo os fatos. Você fica praticamente me alisando com o olhar ao invés de ouvir o que digo nas aulas. O que é esperado. Você é uma pessoa superficial, Cristina.
Ela ficou calada. Não queria nem pensar em perder aquela chance estando tão perto de consegui-la. Respirou fundo enquanto ajeitava sua mochila nos ombros.
- Até ano que vem, professor – disse ela, esforçando-se dar à sua voz um tom despreocupado, e virou-se para sair, tentando não pensar no que ele dissera.
Porque bem podia ser verdade. E ela odiava perder na última volta da corrida.
Olga estava grávida de novo, num momento super conveniente de crise de namoro. E agora o casamento ia de qualquer forma.
Quando Maurício contara aquilo, Cristina mal acreditara em:
1) Como um ser humano, no caso Miguel, podia ser tão idiota e sortudo (ou azarado, dependia da perspectiva) de engravidar a mesma garota pela segunda vez, quando ele já deveria ter aprendido com o erro;
2) Supondo que Olga não fosse como Cristina, como ela conseguia ser tão burra a ponto de ficar grávida duas vezes em menos de dois anos. Nunca tinha ouvido falar de camisinha? Pílula? Abstenção de sexo?
Mas o mais assustador era:
3) Eles iam casar. Eles iam realmente casar.
O negócio estava tão certo que Maurício a aconselhara a ir arrumando uma roupa. A ideia de Teresa era um casamento imediato na igreja, de véu e grinalda e tudo, mas Olga batera o pé: não, ela era boa demais para casar no verão carioca e passar calor como o resto das mortais. Ela só ia casar quando aquele inferno acabasse, em maio. Quando tivesse quase sete meses.
A perspectiva fez Teresa ter um mini infarto.
- Cristina?
Ela estremeceu. Na última vez que ouvira aquela voz, mais ou menos naquele tom, ela acabara levando uma surra. Virou a cabeça lentamente e deu de cara com Olga parada no meio do quarto de Maurício, olhando para ela com a expressão absolutamente neutra.
- Precisamos conversar – continuou ela.
Mau pressentimento. Era o mesmo diálogo.
O problema era que, daquela vez, Cristina não tinha feito nada de errado.
- Certo – respondeu ela.
Olga sentou na cama onde ela estava esticada e a encarou. A barriguinha dela já estava visível naquele estágio. Dessa vez, estava ou realmente grávida ou engordara direitinho.
Houve uma pausa solene.
- Estou disposta a encerrar nossas hostilidades – declarou Olga muito séria.
Cristina olhou para ela por uns cinco segundos. Depois explodiu na gargalhada.
- Encerrar nossas hostilidades – repetiu Cristina, ainda rindo – Escuta, Olga. Você já quase quebrou o meu nariz. Não posso fazer as pazes com alguém assim.
- Como se você fosse uma santa – prosseguiu Olga imperturbável – Você já tentou me chantagear.
- Eu nunca disse que era boazinha. Você fica aí se fingindo de mestre budista amante dos animalzinhos e de uma sociedade igualitária.
A última parte se referia à campanha de Olga pelos partidos de esquerda na época eleitoral do ano anterior.
- Nunca disse que era boazinha uma ova! – exclamou Olga em voz alta.
Cristina rolou os olhos e perguntou-se se ela fazia algum tipo de tratamento de controle de raiva.
- Uma ova que você não paga de boazinha – repetiu ela em voz baixa, respirando fundo – Na frente da Teresa...
- Estão tão íntimas assim?
-... você se finge de a santinha virgem, e sabe disso.
Como aquilo era bem verdade, Cristina resolveu conservar o silêncio.
- Mas isso não importa – decidiu Olga, tentando voltar à calma – Eu e Miguel resolvemos convidar Maurício e você para serem padrinhos do nosso casamento.
Cristina continuou calada enquanto pensava.
- Então foi isso que ela exigiu para você casar barriguda, é? – disse ela finalmente - Eu devia ter imaginado, é a situação perfeita para promover a paz.
- Cristina, cala essa boca. Você concorda ou não?
Ela pensou. De verdade. Pesou os prós e os contras.
- Tudo bem – decidiu.
Olga se levantou e foi saindo.
- Estou curiosa sobre uma coisa – comentou Cristina.
Olga se virou.
- Você nunca ouviu falar em camisinha não? Porque duas vezes em dois anos só pode ser duas coisas, e uma delas é burrice.
Olga nem olhou para ela antes sair e fechar a porta com força.
Quando soube que estava reprovada na matéria do professor James, Cristina ficou arrasada, embora já esperasse que tal coisa acontecesse.
E não era porque ela alisava o cara mentalmente durante a aula toda e não ouvia o que ele falava. Não. Isso até podia ser verdade, mas o motivo pelo qual ela já sabia era que James parecia (e era, pelo visto) um mau perdedor.
Jogar com um péssimo perdedor não irritava Cristina. Quer dizer, irritava. Mas só um pouco. O que irritava mesmo era jogar com um péssimo perdedor que não tinha razão nenhuma para ser assim. Mesmo se ele perdesse, não se daria nem um pouco mal. James era alguém que colocava o próprio orgulho na frente de qualquer coisa. Ele decidira que Cristina era burra e, ponto, assim seria. E a reprovara.
No período seguinte, ela chegou à faculdade decidida a acertar as contas.
- Você me reprovou – acusou ela assim que o encontrou.
James olhou de um lado para outro do pátio para ver se alguém ouvia a conversa.
- Sim – admitiu ele simplesmente.
- Pensei em várias hipóteses para isso.
Ele levantou as sobrancelhas.
- Você pensou – repetiu ele meio ironicamente.
Cristina não deu ouvidos.
- A primeira coisa que pensei é que você me reprovou para me afastar.
Ele balançou a cabeça negativamente.
- Você está obviamente determinada. Não funcionaria.
- A segunda – prosseguiu ela – é que você tem uma namorada ou qualquer coisa do gênero e é um daqueles caras que não traem.
Ele balançou a cabeça negativamente de novo.
- Sou um desses caras, mas não estou com ninguém.
Cristina por algum motivo sabia disso. Não imaginava James amarrado com ninguém até ser velho. E de qualquer forma, existem homens que devem ser obrigados a ficar disponíveis por lei.
- Então sobra a terceira.
Ele ficou esperando.
Foi quando Cristina suspirou com pesar.
- Não é mesmo só o cérebro que falta em mim. Se é que você entende.
James a olhou com incredulidade.
- Você está falando que eu sou gay?
- Olha, você bem tem um jeitinho – comentou Cristina, e teve que conter o riso quando ele avermelhou de leve.
- Não é isso.
- Então me explique.
- Certo. Vou explicar em uma metáfora. Se você entender uma metáfora, claro.
Cristina só olhou atravessado para ele.
- É complicado ficar de olho em dois passarinhos ao mesmo tempo.
Ela boiou.
- O que quer dizer – começou ele ao ver a cara dela – que, às vezes, é complicado conciliar dois interesses.
- Que no seu caso são...
- Você. E o meu emprego na faculdade. Não estou disposto a ser demitido por culpa de uma aluna, por mais bonita que seja. Por isso que não me preocupei em ser tão bondoso com você quanto fui com o resto.
Cristina deu-se o tempo para ficar lisonjeada.
- Certo. Então você não agiu comigo como fez com os outros para que eu perdesse a aposta?
- Sim – confirmou ele laconicamente.
- Então você mentiu! Você me reprovou para me afastar.
- Não. Para começar, eu não fiz de propósito. Se quiser sua prova, eu mostro. Não prejudiquei nada. Só não fui tão bondoso. Falando a verdade, se quisesse agir em meu benefício, teria te passado com o mínimo. Reprovar é pior para mim, porque você em algum momento vai fazer a matéria novamente.
- Esse período.
- Como eu disse. E acho que você pode ser muito persistente.
Cristina ficou em silêncio por um tempo.
- Minha média é 7,7. Se eu a subir até uns 9, ganho a aposta?
- Cristina, eu já disse que...
- Esqueci de falar – interrompeu ela – Andei pesquisando. Uma vez que o aluno é maior de idade, um professor sair com ele até pode ser antiético, mas ilegal não é.
- Aposto que a diretora não pensa assim.
- Discrição é uma virtude.
- Isso não é só uma questão de saber onde as câmeras estão, Cristina.
Na verdade também era, mas isso não vinha ao caso naquele momento.
- Eu não tenho a menor intenção de ser reconhecida em público como seu casinho, James.
Ele olhou estranho para ela. Foi quando Cristina percebeu que era a primeira vez que o chamava pelo nome.
- Temos um acordo ou não? – prosseguiu ela - Isso se você realmente não se importar que eu não tenha algo fundamental para você. Que não é o cérebro. Ainda temos um acordo ou não?
- Temos – concordou ele, contrafeito. A manobra e as desculpas para preservar seu orgulho haviam falhado.
Ela sorriu.
- Sabia que no fundo você queria brincar também.
E deu as costas para ir embora.
- Talvez tenha sido melhor você reprovar.
Cristina parou e se virou de volta.
- É?
- Claro – disse ele sorrindo – Manter as notas altas no primeiro período é fácil. Quero ver você conseguir em dois.
Subestimar. Cristina detestava o verbo, e ainda mais o ato. Principalmente quando se referia a ela. Bufando, ela se virou para ir embora de vez justamente quando o pátio começava a encher.