Capítulo 135
2638palavras
2023-02-07 09:45
Comecei a rir e deixei os dois ali, trocando elogios e palavras de carinho. No fundo, eu tinha certeza de que se gostavam, só não queriam admitir.
Parei, cruzando os braços e observando a alegria que contagiava nosso lar. Sim, finalmente agora tínhamos um lar, rodeado de amor, carinho e tudo que nossa filha precisava. Não queria dizer que antes de conhecer Heitor eu não considerasse um lar onde vivia com Ben e Salma. A questão é que eu não entendia o motivo, mas agora tudo era diferente. O carinho que eu tinha por Maria Lua era simplesmente inexplicável, assim como a necessidade de estarmos nós três juntos, o tempo todo.
- Pensando em como vai tirar mais proveito do meu enteado?
Olhei para o lado e vi Celine, com um sorriso macabro, parada ao meu lado, também cruzando os braços.
- Eu não sou você, “sograsta”.
- Detesto a forma como me chama. Não acho engraçada. Aliás, não acho graça de nada das coisas que você fala.
- E eu detesto você. Então o fato de não gostar da forma como a chamo é o que menos me interessa.
- Acha mesmo que ele vai amar esta menina como se realmente fosse filha dele? Isso jamais vai acontecer. E ao final, nem deixará a herança para ela, alegando que não é filha de sangue. Não seja ingênua. – Falou baixinho, para que ninguém nos escutasse.
- Se tem uma coisa que acho que não sou nesta vida é ingênua. E quer saber? Eu tenho certeza de que ele ama a nossa filha, assim como a mim. E sobre a herança, eu pouco me importo. O dinheiro é de Heitor e quando ele morrer deixará para quem desejar. Aliás, não tenho tempo para pensar nisso. Estamos muito preocupados vivendo uma vida para nos preocuparmos com a morte. Você é ambiciosa e tem uma mente doente por causa do dinheiro.
- Conheço muito bem pessoas do seu tipo. – Ela continuou.
Olhei seriamente na direção dela:
- Por que não vai falar com a sua filha e pedir perdão por ter estragado o passado dela? A vida é tão curta, “sograsta”. Não perca seu tempo com rancor e se preocupando com dinheiro. Quando a gente morre, tudo fica aqui, acumulado, para os outros.
- Os seus joguinhos são só para os outros, Babi. Eu não acredito na sua bondade. Sei de todo seu interesse.
- Não preciso lhe provar nada. E não me importo com a sua opinião.
- Deveria. Imagina quando todo o mundo souber que a menina não é filha de Heitor de fato.
- Ele não se importaria, se isso é uma ameaça. Aliás, já tem gente demais nos chantageando para você querer ir pelo mesmo caminho.
- Heitor tem uma reputação a zelar. Ele é um Casanova.
- Um Casanova cheio de virtudes e valores. Ele é um nobre homem, assim como o pai. Por mais que Allan tenha errado no passado, é um homem bom. E quando o olho na cadeira de rodas sinto um pouco de culpa... Afinal, tudo que ele fez foi pela minha mãe. Eu sinto muito por ele não a amar, Celine, e ainda nutrir o mesmo sentimento pela mulher que o fez conhecer o amor. Mesmo casado com você, ele desafiou tudo e foi em busca de vingança em nome de Beatriz Novaes. Pouco se importou com suas ações frente a isso. Então, de alguma forma, entendo sua amargura.
- A menina é uma bastarda, sem pai, nem mãe. Uma órfã.
Descruzei os braços e desfiz o sorriso irônico e o plano de fazê-la sentir a dor nas minhas palavras:
- Nunca mais diga isto novamente.
- Ou... – Ela desafiou, ironicamente.
- Eu sou capaz de qualquer coisa e você sabe disto. Num estalar de dedos eu retiro você definitivamente da mansão Casanova e vou morar com minha bastarda lá.
Ela deu uma risada. Eu disse, altivamente:
- Allan, acredita que Heitor está pensando em sair do apartamento? Ele acha que Malu precisa do espaço que uma casa oferece. O que acha disto? – Fui até ele, sentando ao seu lado, chamando a atenção de todos.
Celine seguiu bebendo seu Champagne, me encarando, os olhos verdes profundamente irritados.
- Uma casa? Mas temos a mansão Casanova – imediatamente ele alegou – Não precisam de uma casa nova.
- Tarde demais, pai. Já comprei. – Heitor explicou.
- Quer dizer que... Vamos nos mudar de novo? – Sebastian voltou ao assunto.
- Vamos? – Milena olhou-o.
- Pensei em comprar um cachorro. – Sebastian justificou.
Milena riu:
- Confesse que não quer ficar longe da sua irmã, Sebastian. Parece que quer recuperar os mais de trinta anos de tempo perdido.
- Quero... Mas infelizmente é um tempo que não dá para recuperar. De todas as coisas que meu pai fez de ruim, me separar de Bárbara por toda uma vida foi a pior.
Todos olhamos na direção dele, que realmente parecia sentir muito a nossa separação. Eu amava Sebastian e cada vez mais percebia o quanto era importante para ele mantermos nossa convivência diária.
Levantei e fui até meu irmão, sentando no meio dele e Milena, abraçando-o:
- Sou a irmã chata, Milena! Vou fazer as pentelhices de irmã mais nova que não pude... – Brinquei.
- Tem uma casa duas depois da que comprei vaga – ouviu Heitor dizendo – É maravilhosa... Grande, espaçosa, com um belo jardim.
- Por que não a comprou, então? – Sebastian olhou na direção dele.
- Porque eu queria que fosse térrea e esta tem três andares.
- Três andares? Por que moraríamos numa casa com três andares? – Milena perguntou ao meu irmão.
- Vai que ele queira ter “muitos” cachorros. – Heitor debochou, bebendo o restante da água da taça e me puxando na sua direção, tirando-me dos braços do meu irmão.
- Obrigado, cunhado. Mas era uma brincadeira – Sebastian confessou – Não esperava que fosse realmente aceitar minha presença tão próxima da minha irmã.
- Não me importo de você ficar perto dela... Sei que ela ficaria muito feliz. Além do mais, poderemos criar nossos filhos próximos, já que vocês dois não puderam ter este contato.
- Nossos filhos? – Allan indagou – Vocês pretendem adotar mais crianças?
- Fico muito feliz com sua preocupação com Babi, Heitor. – Sebastian disse seriamente.
- Não pretendo adotar, por enquanto. Mas... Eu reverti minha vasectomia.
Reverteu? Como assim? Falamos sobre isso? Até onde eu sabia ele não tinha tanta vontade assim de ter filhos biológicos. Afinal, ele amava Maria Lua enlouquecidamente. Por que outros filhos? Aliás, qual meu medo de termos filhos de sangue? Talvez o que me amedrontava era ele poder gostar deles mais do que de Malu, por não ser biológica.
- Desculpe não ter falado que já fiz. – Ele olhou na minha direção.
- Isso é uma decisão sua, não dela – Ben falou – E uma puta decisão. Tanto de querer fazer a vasectomia, quanto em reverter. Parabéns, Thor.
- Decisão? Desde quanto brincar com o próprio pau é ser decidido? – Allan enrugou a testa – Vai lá e pede para o médico amarrar e depois desamarra? É isso? E depois se o bebê nascer e você “decidir” que não é isso que queria? Manda de volta?
Ah, Allan, não me deixe ainda mais confusa!
- A decisão é minha e de Bárbara, pai. Se eu reverti, é porque me sinto preparado e capaz de ser pai.
Os garçons trouxeram outros aperitivos.
- O jantar está quase pronto. – Nicolete avisou.
- Obrigada, Nicolete – servi-me de uma taça de Champagne, ignorando os comes, pois não estava com fome.
Fui até Allan e sentei ao lado dele novamente. Ben foi falar com Heitor, maravilhado pela decisão dele de ser pai novamente.
- Não acho que deveriam comprar outra casa. A mansão é perfeita para vocês.
- Eu não quereria morar com Celine. – Fui sincera.
- Eu poderia me mudar com ela, Babi, sem problema. Aquele lugar é gigantesco e só nós dois e os empregados estamos por lá. Há dias que nem vejo minha mulher, pois não saio da cama. Mas confesso que gosto dos jardins.
- Você é tão amável e gentil, Allan. Eu jamais o faria se mudar da sua própria casa. Mas sabe que sempre será bem-vindo ao meu lar, onde quer que eu esteja.
- Se você imaginasse o quanto é parecida com ela... – Ele tocou meu rosto carinhosamente.
- Me pergunto o quanto ela o amou.
- Bia me amou tanto quanto a amei... Intensamente. Mas eu fui um fraco, um idiota, um burro. Se hoje você me perguntasse qual meu desejo, eu diria que seria vê-la novamente... Pelo menos mais uma vez. Eu não pediria pela minha vida, pois tudo que fiz depois que ela se foi é contar os dias para chegar ao fim. Nada mais teve cores ou sabores. Bia era vívida, alegre, contagiava tudo e todos, assim como você.
- Não conheci esta parte da minha mãe. Para mim ela sempre foi muito centrada e séria.
- Ela era perfeita.
- Nisso eu concordo. – Sorri.
- Eu... Poderia ter sido o seu pai. E quando olho para você eu... Eu... Sinto arrependimento. Mas ao mesmo tempo o fato de você ter se envolvido com meu filho, anos depois, em um lugar completamente diferente de onde eu e Bia começamos tudo e também terminamos... É como se fosse um sinal, entende? Vocês são o que sobrou de nós... E se encontraram.
- Allan, são tantas perguntas sem respostas, não é mesmo? Fico a pensar o que teria acontecido se você tivesse deixado a mãe de Heitor. Isso passou pela sua cabeça?
- Certas vezes sim. Mas ele era o meu filho. E naquela época era complicado separar-se e continuar a ver a criança. Muita coisa mudou judicialmente de lá para cá. Eu gostava da mãe dele, minha esposa... Mas o que senti por Bia era sem explicação.
- Me pergunto como ela aceitou viver um tempo sendo a outra, sabendo que você tinha outra família.
- Como eu disse, ela era intensa... – ele sorriu – Sabe quando um relacionamento começa errado e termina errado? Fomos nós.
- Mas havia tanto amor, pelo que minha avó conta, pelo que você mesmo me confessa da sua boca. Por que deixaram isso tudo acontecer?
- Não há explicações concretas. Pensa que nunca me perguntei por qual motivo ela deixou a família e todo dinheiro que tinha por mim e não foi capaz de ir embora comigo quando consegui uma faculdade gratuita? Éramos muito jovens... Fico a imaginar que foi isso.
Peguei as mãos quentes dele entre as minhas e disse, olhando em seus olhos:
- Eu amo seu filho, Allan. E creio que a nossa história tenha acontecido justo para mostrar o quanto vencemos os desafios e dificuldades que a vida nos impôs. Talvez o nosso amor seja verdadeiro, muito mais do que um dia eu imaginei....
Olhei para Heitor, conversando com Sebastian, bebendo água em taça de cristal, simplesmente porque eu havia pedido que não fizesse mais uso de bebida alcóolica, por todas as porras que fazia bêbado.
Ele poderia contestar, mas não. Desde o dia que disse que pararia, assim o fez. Ou seja, não era um vício, era simplesmente uma fuga... Ele buscava algo que não tinha. E acho que agora encontrou o que nem sabia que procurava.
Os olhos dele encontraram os meus e sorriu, com o canto dos lábios, sensualmente. Aquele sorriso que me tirava do ar. Ele piscou um olho e eu sorri, já sentindo meu corpo ficar mole, como se começasse a derreter, mesmo sabendo que não havia colheres por perto.
- Eu casei com Celine com separação de bens. – Allan me disse, atraindo completamente minha atenção a ele novamente.
- Você... Fez isso?
- Sim.
- Então é por este motivo que ela é amarga deste jeito? Ela nunca tentou mudar isso?
- Por que tentaria? Ela sabe que não teria chances de conseguir. Não costumo mudar de ideia tão fácil com relação às coisas, principalmente nos negócios.
- Mas casamento não é negócio, Allan. É amor.
- No caso dela, foi um negócio.
- E se você sempre soube, por que aceitou?
- Achei que Heitor precisava de uma mãe. No fim, Celine mais fodeu tudo do que consertou. Acabou que meu menino foi embora em função dela.
- Não entendo sua força em alguns momentos e fraqueza em outras, Allan.
- Quando eu me for, o que sabemos que será em breve, ela não terá nada além da mansão.
- Vai ficar puta.
- Ela já é puta. – Ele começou a rir, bebendo todo o uísque do copo de uma vez.
- Ei, você pode beber deste jeito? – Perguntei, pegando o copo da mão dele.
- Claro que não, querida. Mas a vida é muito curta para não saborear um uísque caro antes de dar o adeus eterno.
Coloquei o copo sobre a mesinha de vidro que estava no centro e ele continuou:
- Deixei alguns bens para Milena.
- Por que está me contando isso? – Arqueei a sobrancelha.
- Porque confio em você, filha de Bia Novaes. – Riu.
- Milena é completamente diferente da mãe.
- Uma boa menina, desde sempre. Assim como ele... – Apontou para Sebastian.
Senti meu coração se encher de amor e falei:
- Ele não é culpado de você estar assim, Allan. Se soubesse o quanto o coração dele é grande...
- Agiu em nome da família. Eu teria feito o mesmo que Sebastian. Mas ele também vai ser recompensado.
- Recompensado?
- Comprei as terras próximas da propriedade dele na Itália. E vou deixar para ele, em nome de tudo que houve no passado entre mim e seu pai.
- Isso é... De muita bondade. Mas não sei se ele aceitaria. É um pouco orgulhoso.
- Eu sei... Se ele não quiser, que venda ou faça outra coisa. É o mínimo que posso fazer depois de tudo que houve. Eu fui um canalha com a mãe dele.
- Ela também não teve culpa, não é mesmo?
- Não do que houve entre mim e Francesco. Mas em me seduzir, sim. Soraia nunca foi uma santa nesta história. Não fui o primeiro amante dela e nem o último. Só não tenho certeza se Sebastian sabe disso.
- Enfim, você... Deixou alguma coisa para o seu filho? – Comecei a rir.
Ele também riu e depois respondeu:
- Heitor herda um império, com valor financeiro sem precedentes na história de Noriah Norte. A North Beatriz é uma das empresas mais importantes do mundo.
- North Bárbara. – Corrigiu Heitor, sentando ao meu lado.
Balancei a cabeça, ainda sorrindo:
- Não sou uma pessoa acostumada com muito... Aliás, acho que sempre gostei e viver os meus perrengues financeiros. E justo isso nos aproximou, não é mesmo, Heitor?
- Sim, alguém que queria me dar um rim em troca do conserto do carro.
- Era sério.
- E eu não sei?
- Tudo preparado para o jantar, senhora. – A empregada avisou.
- Obrigada. Vou chamar todos.
Enquanto eu avisava que o jantar estava servido, procurei por Maria Lua. Tinham poucas pessoas ali, mas minha filha não estava entre elas.
Levantei, confusa e preocupada:
- Alguém viu Maria Lua? – Gritei, chamando a atenção de todos.
- Não... Aliás, faz um tempinho que não a vejo por aqui.
Corri até a sala de jantar e vi Nicolete arrumando um vaso de flores próximo da mesa, já posta.
- Viu Maria?
- Maria? Não... Achei que ela estivesse com vocês.
Corri até a sala principal e gritei, sentindo meu coração quase parando de bater:
- Maria Lua sumiu!