Capítulo 133
2447palavras
2023-02-07 09:44
Se era o correto a fazer pagar pela menina, claro que não! Mas no momento, não tínhamos solução e não conseguíamos pensar direito.
- Eu creio que dez milhões de norians estariam de bom tamanho – Breno falou – Daria para comprarmos uma casinha num bairro melhor... Talvez um carro ou uma moto potente. Anya sempre quis colocar peitos – olhou para a mulher, sorridente – E acho que realmente ela precisa. Além de serem pequenos, um é maior que o outro.
- Nossa, coisas extremamente necessárias! – não me contive – E depois, vão alegar o que? A casa precisa de manutenção, o carro tem que ser trocado por um mais novo, a bunda caiu também... Porque não fazem uma cirurgia e não trocam os cérebros doentes de vocês? – Explodi.
- Bárbara... – Heitor tocou meu braço, alisando suavemente, enquanto me encarava – Deixa-me resolver, por favor.
- Isso nunca vai ter fim, não é mesmo? – Perguntei, olhando na direção deles.
Os olhos de Anya entraram dentro dos meus. Ela não precisava responder. Acho que todos ali sabíamos que seríamos chantageados para sempre.
- Como vocês passaram pelos meus seguranças? – Heitor perguntou.
- Não é só você que é importante, senhor Casanova – Breno respondeu – Também tenho os meus contatos... E eles não são tão ruins. Aliás, quando quiser matar uma pessoa novamente, mate bem matado. Até eu teria feito melhor que o seu guarda-costas.
- Daniel está vivo? – Perguntei, sentindo um frio na espinha.
- Não deveria? – Anya foi sarcástica.
- Vocês tiveram algo a ver com o atentado contra Bárbara? – Heitor perguntou, seriamente.
Os dois não responderam. Depois de um breve silêncio, Heitor mudou a tática:
- Dois milhões de norians por uma resposta concreta para a minha pergunta.
Breno e Anya se entreolharam e ela disse:
- Foi Daniel.
- Daniel? – Perguntei novamente, mesmo tendo ouvido de forma clara e límpida o nome dele saindo da boca dela, enquanto apertava instintivamente Maria Lua contra mim.
- Daniel é um homem com muitos contatos, senhor Casanova – Breno disse – Até mais do que eu, acredite. Ele sim é um problema para vocês. Nós... Bem, nós só queremos o melhor para a menina...
- E o melhor é que ela fique com vocês. – Anya completou.
- Sim, desde que os sustentemos eternamente. – Debochei, chocada com a forma como eles eram hipócritas.
- Como souberam que foi Daniel? – Heitor perguntou.
- Ele disse... Que daria um susto em Bárbara.
Heitor apertou minha mão, aposto que tão assustado quanto eu naquele momento.
Anya e Breno levantaram. Ele falou:
- Queremos dinheiro vivo, por favor. Trocar cheque é incômodo e complicado para nós. Levamos tempo para fazer uso do dinheiro que o outro pai da criança nos deu. – Referiram-se a Sebastian.
- É a terceira vez que estão recebendo dinheiro em troca da menina – falei – Sequer cuidaram de Salma... Nunca a procuraram. Você... – olhei para Breno, demonstrando o nojo que sentia dele – Abusou dela, enquanto ainda era uma menina. Acham mesmo que isso vai durar para sempre? Podemos tranquilamente acabar com isso, entrando na justiça e pedindo a guarda de uma vez, não aceitando mais chantagens deste tipo.
- Faça isso, Babi – Anya me encarou – Se acha que é melhor para vocês, entre na justiça e peça a guarda. O pai certamente aparecerá e se fará presente na audiência, exigindo um teste de DNA, explicando que sabia da existência da criança, mas que não quis assumir, no entanto estando arrependido, a tempo de recuperar o tempo perdido longe da filha. Vocês jamais ganhariam de um pai biológico, sem antecedentes, com um bom emprego e várias testemunhas a seu favor.
- Quem é ele? – Minha voz saiu fraca, quase implorando pela resposta.
- Dinheiro nunca será problema pra ele – ela olhou para Heitor – Mas para nós sempre foi... Vocês que decidem o que é melhor. Estaremos a favor do pai caso isso vá adiante. E inclusive direi que Salma o amava.
- Ninguém se importa com a opinião de vocês e a quem são favoráveis – Heitor foi enfático – Vou lhes dar o dinheiro não porque tenho medo, mas para que sumam da minha frente por um bom tempo. Porque eu tenho nojo de pessoas como vocês. E não pensem que isso ficará assim. Já fiz muito pior com pessoas que me fizeram menos mal do que vocês.
- Mandou dar uma surra e jogar no meio do mato? – Breno riu, balançando a cabeça – Não sei se você é amador ou seu guarda-costas não está jogando do seu lado, CEO. Eu mesmo não teria deixado Daniel se safar. E se o carro não fosse blindado, certamente seria um banho de sangue e você sabe disso. Vou repetir: você tem os seus contatos e eu os meus.
- Como vamos receber o dinheiro? – Anya perguntou, olhando no relógio, com pressa.
- Passe o número da conta – Heitor pegou o celular – Não posso retirar esta quantidade toda em espécie. É praticamente impossível.
- Ok – concordou Breno – E não tente dar uma de engraçadinho e ligar para o Polícia, pois estarão ainda mais fodidos.
Heitor fez a transferência e eles foram embora, do mesmo jeito que chegaram, como fantasmas chantagistas, aproveitadores e canalhas.
- Seriam eles o sentido literal da palavra desclassificado? – Heitor perguntou, não olhando na minha direção.
- Não... Eles são muito piores. Não há palavras para definir o ódio que sinto deles e tudo que são.
Maria Lua começou a reclamar, retirando minhas mãos que a apertavam. Heitor pegou cuidadosamente meus braços e me fez relaxar, soltando a menina.
- Bárbara, não podemos deixar que ela perceba tudo que está acontecendo ao redor dela. Não deveríamos ter vindo. O correto teria sido o Pediatra ter ido até o apartamento.
- E vamos viver prisioneiras para o resto da vida, Heitor? Maria precisa passear, ver pessoas, interagir. Não vamos conseguir deixá-la para sempre trancada. Isso não é protegê-la. É privá-la enquanto criança de uma parte da vida dela que nunca mais vai voltar, entende?
- Eu não sei com que tipo de pessoas estou lidando – ele arqueou a sobrancelha e pegou o celular – Oi, sou eu. Quero que investigue sobre Daniel, um ex funcionário. Era barman. Pediu demissão há menos de um ano.
Heitor ficou em silêncio, escutando o que a pessoa do outro lado lhe dizia. Finalizou com a seguinte frase:
- Eu quero saber tudo, desde que ele nasceu até o buraco onde se esconde hoje. Você tem 24 horas.
Ele desligou o celular e o encarei, amedrontada:
- Eu tinha quase certeza que o ataque era para mim e não para você.
- Não importa para quem foi, Bárbara. Eu já não acho que ele esteja fazendo isso por despeito. É dinheiro... Só isso.
- Dinheiro... A palavra que move o mundo.
- Sempre foi assim, meu amor. – Ele passou o braço sobre meus ombros, puxando-me para perto dele.
O médico foi até a sala, com o resultado dos exames na mão. Assim que o viu, Heitor levantou, preocupado:
- E então, doutor?
- Os exames estão ok, senhor Casanova. Nenhuma anomalia. Creio que seja um resfriado. Percebo que ela está com um pouco de secreção no nariz. Não receitarei antibióticos. Usarão spray nasal para limpeza e fluidificação e vamos acompanhando se haverá piora. Relataram não haver tosse. A febre não é alta. Então não precisam se preocupar. A gengiva dela está bastante irritada e percebe-se que haverá erupção de mais dentes. Isso a fará ficar mais chorosa e inquieta também nos próximos dias.
- Podemos ficar com seu número, doutor? – Heitor pediu – Para caso ela piore ou tenhamos alguma dúvida.
Ele disse o número e Heitor anotou no celular.
- Fiquem à vontade para ligar a qualquer hora que precisarem. Mas tenho certeza de que esta garotinha ficará bem. – Ele alisou a cabeça dela, que reclamou.
Fomos liberados. Assim que chegamos no carro, Heitor falou a Anon sobre os avós de Maria Lua terem entrado no Hospital. E Anon jurou que não passaram pela porta principal.
Assim que chegamos em casa, fomos juntos para o quarto de Maria Lua, colocando-a no berço. A questão é que ela não queria ficar deitada ali, como se tivessem espinhos no colchão.
Tentei acalmá-la, ninando-a, mas não teve jeito. Seguia inquieta.
- Deixe-me tentar. – Heitor abriu os braços e ela se jogou na direção dele.
Fiquei encarando-a enquanto ela sorriu para mim:
- Ei, desclassificada, não estou gostando disso – levantei o dedo na direção dela – O colo da mamãe é melhor... Sempre foi.
Ela balançou as pernas e deu um gritinho, escondendo-se no peito dele, como se quisesse que eu a procurasse. E assim começou nossa primeira brincadeira de “escondeu-achou”. Até que ela se cansou e finalmente entregou-se ao sono.
Colocamos ela no berço e alisei seus cabelos macios e sedosos.
- Canta comigo You are my Sunshine para ela, Heitor? – Pedi.
- Eu? Não sei cantar.
- Eu sou um pouco boa nisso, mas quero ajuda.
- Você é boa? – ele riu – Vai dizer que o Karaokê que falou isso?
- Claro que sim. E você precisa ir até o Hazard para saber se também é bom de voz.
- Eu sei que sou péssimo. Uma das poucas coisas na qual não me saio bem.
- Convencido. – Bati no braço dele, de leve.
- Louca de pedra... Minha desclassificada favorita. – Ele me puxou na sua direção, deitando-me levemente, enquanto me encarava.
- Eu amo você.
- Amo você e a nossa família. E não se preocupe com dinheiro. Enquanto eu tiver, darei cada vintém para que não nos incomodemos. Ninguém tirará Maria Lua de nós... Eu garanto.
- Promete?
- Eu prometo.
- Eu acredito em você. Agora cante comigo para ela se sentir segura.
Ele suspirou:
- Você não desiste, não é mesmo?
- Não. Foram horas horríveis. Precisamos relaxar... Cantando para ela.
- Ok, você venceu. Vou cantar You are my Sunshine.
Daniel simplesmente sumiu. Foi como se realmente tivesse morrido. Ninguém sabia do paradeiro dele. Eis uma coisa que o dinheiro não conseguiu comprar: a localização dele. Eu imaginei que ele havia ido para Noriah Sul. Mas não achava que aquilo tivesse acabado. Sabia que mais cedo ou mais tarde ele voltaria em busca de mais dinheiro. Porque eu tinha quase certeza de que ele e os pais de Salma estavam juntos naquelas chantagens, dividindo o dinheiro. Essa era a única explicação para ele sumir sem deixar vestígios, sendo que nem trabalhando estava mais.
Com dez meses Maria Lua pronunciou a primeira palavra. E não foi mamãe. Foi “papai”, para desespero de todos. Eu e Ben dizíamos 24 horas por dia a palavra “mamãe” para ela repetir. E tudo que conseguíamos era uma bunda coberta de fralda, virada para cima, enquanto ela engatinhava correndo de nós, achando engraçado a forma como a cobrávamos, como se dissesse: “ei, desclassificados, eu falo o que eu quero na hora que desejar”.
Seguíamos a rotina de forma segura. Nada mais aconteceu depois do episódio do encontro com Anya e Breno no hospital. E creio que enquanto tivessem dinheiro, estaríamos em paz. Mas sabíamos que a paz não duraria muito tempo.
Decidimos fazer uma festa íntima para comemorar o primeiro aninho de Maria Lua. Só para os familiares, no nosso apartamento.
Ben e Nicolete que organizaram tudo: um jantar simples, com comida italiana, que era a minha favorita, alguns docinhos tradicionais e o bolo decorado com a velinha, que não podia faltar. Tinha também champagnes caríssimos e vinho, da North B., infelizmente. Não que fossem ruins, mas em nada se pareciam com os maravilhosos Perrone.
Embora eu não fizesse muita questão de uma festa, não abri mão de vestir minha filha como se fosse uma princesa, com vestido vermelho e um laço enorme, quase maior que a sua cabeça. Eu amava os laços. E ela também amava: tirá-los e jogá-los no chão. Então eu parecia mesmo a louca, correndo atrás dela o dia inteiro com um laço na mão, que segundos depois era retirado.
Se ela disse “mamãe”? Ah, sim, disse. Um mês depois de “papai”. Do que ela chamou Ben? De “Be”, para a tristeza dele.
- Poderia ser pior – falei enquanto ele reclamava.
- O que poderia ser pior do que ser chamado de “Be”? – Ele me encarou, enquanto estávamos sentados confortavelmente no sofá, esperando os convidados.
- Tio. Ela poderia chamá-lo de tio. – Debochei.
- Nojenta, desclassificada. – Ele deu um tapa no meu braço.
- Você tem estado pouco tempo em casa. Acho que por isso ela não o chamou de “mãe”. – Olhei-o seriamente.
- Babi, me desculpe, mas... – Ele não concluiu a frase.
- Mas... – Incentivei, amedrontada com o que viria.
- Eu... Acho... Ou melhor, tenho certeza... Vou me mudar.
Senti meu coração acelerar e a voz falhou. Encarei-o, aturdida, confusa e sentindo uma tristeza imensa:
- Achei que ficaríamos juntos para sempre.
- Ficaremos juntos para sempre, amor da minha vida. Mas não na mesma casa. – Ele arrumou uma mecha do meu cabelo que saiu do lugar, carinhosamente.
- Aconteceu algo que você não gostou? Não se sente bem aqui?
Ele suspirou:
- Nunca fui tão bem aceito num lugar quanto aqui. Thorzinho é simplesmente incrível. E confesso que sempre gostei dele, desde a primeira vez e você é prova disso. Deus disse: “vou mandar a porra do Jardel para Babi dar valor a tudo e todos depois disso”. Então ele mandou Thor... E Maria Lua. – Me deu um beijo e apertou-me entre seus braços.
- Para onde vai? Não me diga... Que vai voltar para o nosso antigo prédio.
Ele sorriu:
- Sim.
- Mas Ben...
- Anon vai junto. Nós vamos... Tentar dividir o mesmo teto.
- Tentar dividir o mesmo teto? – arqueei a sobrancelha – Casar?
- Não, dividir o mesmo teto. – Ele discordou.
- Eu... – senti as lágrimas escorrerem imediatamente – Estou tão, mas tão feliz por você. Até aceito que parta e volte para nossa antiga casa.
- Eu sabia que você iria aprovar. Afinal, quem não ficaria feliz em subir quadro andares de escada? – Debochou.
Revirei meus olhos:
- Vou mandar botar um elevador decente naquela porra.
- Claro que sim... Afinal, você e Thorzinho não fodem num elevador a quanto tempo mesmo?
- Menos de 24 horas. – Confessei, fechando os olhos e colocando as mãos na frente do rosto.