Capítulo 126
2182palavras
2023-02-07 09:39
- Ah, eu não acredito nisto! Você me derrubou e ainda encontrou o primeiro dente. Isso não é justo! – Reclamei, vendo-o sorrir, completamente maravilhado.
- Eu nem estava procurando. Ela que pegou o meu dedo e colocou na boca, para mostrar que estava nascendo o dentinho. Dentre todos, ela me escolheu. Isso é tão... Fofo! Eu não acredito que disse esta palavra: “fofo”.
- Fofo é você, se derretendo por ela.

- Não... Não estou derretendo por ela – contestou, um pouco constrangido – Pedi colherinhas, por acaso?
Olhei-o, tentando me certificar se era aquilo mesmo que ele havia dito. Depois caí na gargalhada.
- Porra, você pegou tudo bem direitinho, desclassificado – sentei novamente no braço da poltrona e toquei o nariz de Maria Lua, que sorriu – Hoje vai vir a fada do dente, raio de sol.
- Fada do dente? Isso não é quando perde o dentinho? – Ele perguntou, arqueando a sobrancelha.
- Eu... Nunca recebi fada do dente na minha casa. Tínhamos a tradição de jogar o dente que caía em cima da casa, no telhado, em dia de chuva. Minha mãe dizia que era sorte. E os dentes novos viriam bonitos e branquinhos, por causa da água da chuva.
- Minha lembrança é de receber uma moeda quando perdia o dente, deixando-o ao lado do travesseiro.

- Então deixe de ser pão duro e dê a moeda pra ela, Heitor.
- Ela ganhou um dente, e não perdeu, Bárbara! Mas isso é mil vezes melhor. Merece muito mais. O que ela vai fazer com uma moeda? Aceita dólar, Maria Lua? – ele olhou para a bebê – Que tal iniciarmos uma conta bancária para rendimentos futuros?
- Heitor, ela tem seis meses. O que vai fazer com uma conta bancária? – olhei para ela – Avise seu “tio”, “amigo” ou simplesmente “Heitor”, que você não quer uma conta bancária... Só a visita da fada mesmo.
- Eu não sou “tio”... – Reclamou.

- De quer que ela o chame, desclassificado?
- Não diga isso na frente dela. A menina vai aprender a falar e me chamar de desclassificado.
- Pode ter certeza que esta palavra é muito difícil para ela. Então não vai chamá-lo assim.
- Ela vai chamá-la de mamãe? – Ele me olhou.
- Sim... Exijo isso.
- Babi... Você quereria ter um filho... Nosso?
Fiquei encarando-o por um tempo, incerta do que dizer. Não tinha certeza do que eu realmente pensava sobre aquilo. Inicialmente quando eu soube da endometriose, fiquei dilacerada com a possibilidade de não poder ser mãe. Mas então Maria Lua apareceu na minha vida... E eu não questionei mais isso. Acho que Deus sabia o que fazer.
- Por que tanta demora para responder? – Ele perguntou.
- Porque... Você tem uma vasectomia? Está me testando? E... Nós já temos uma filha. – Olhei para a pequena de cabelos ruivos e olhos verdes na nossa frente, mirando na nossa direção, virando a cabeça para um e outro, conforme falávamos, reconhecendo nossas vozes.
- Eu falei com meu médico. E é possível reverter a vasectomia, caso eu queira.
Eu não consegui acreditar que ele foi conversar com o médico sobre ser pai. Será que realmente não se sentia assim com relação à Maria Lua? Mas... Eu o percebia cada vez mais apegado à menina.
- Está tudo bem? – ele perguntou, receoso, os olhos verdes firmes nos meus e ao mesmo tempo preocupados – Eu não quis assustá-la.
- Eu só estou me perguntando sobre o que você sente por esta bebê.
Ele olhou Maria Lua por um tempo e disse:
- Tentei tanto fugir dela e de sua doçura. Diversas vezes me flagrei pensando em apertá-la até machucar e isso me perturbava. Pensei que eu tinha algum problema. Mas também tenho vontade de apertar você até machucar. E eu a amo. Então... Talvez eu não seja tão perverso. Eu não seria capaz de machucar nenhuma de vocês duas. E se alguém tentar machucar ou maltratar alguma de vocês... Eu mato. Ou melhor, mando matar.
- Uma vez eu matei um pintinho.
Ele me olhou, enrugando a testa, confuso:
- Você o que?
- Eu não sou uma serial killer de pintinhos. Mas... Eu achei tão fofo, mas tão fofo, que apertei. E o coitadinho era muito sensível. Fechou os olhinhos e amoleceu nas minhas mãos. Chorei por uma semana. Minha mãe tentava me consolar, dizendo que eu não fiz por querer. Não é que a gente queira machucar... Mas às vezes o amor é sentimento tão forte, tão intenso, que temos a impressão que pode causar isso. O “apertar” é de tanto carinho.
- Bárbara, você é uma matadora de pintos indefesos!
Revirei os olhos:
- Eu sabia que você não ia deixar barato. Maria Lua, dê um jeito neste seu pai... Ops, desculpe... Saiu. – Falei, dando-me conta que chamei de “pai” e ele ainda resistia um pouco àquilo.
Ele tocou meu rosto carinhosamente e desceu o dedo até meus lábios, acariciando-os:
- Pode dizer esta palavra. Não é proibida. Quando ela crescer, me chamará do que preferir. Se achar que pai é adequado, eu vou aceitar. Eu... Comecei falando de filhos e você me impressionou dizendo que assassinou um pintinho a sangue frio. Então esquece sobre a reversão da vasectomia. – Brincou.
- Porra, acho que a gente nunca consegue ter uma conversa séria, desclassificado.
- Já pensou em mudar o sentido desta palavra? Porque eu sou um sujeito bom, querido, simpático, bonito... Vejamos o que mais...
- Gostoso, cheiroso, corajoso, bate como ninguém na cara de um otário... Um ótimo pai, companheiro...
- Acho que já pode dormir comigo então.
- Não. – Fui firme.
- Quando vai ficar até amanhecer?
- Quando casarmos.
Ele suspirou:
- Porra! Você não era assim!
- Você não me conhecia. E não fale palavrões na frente da menina, porra!
Ele arqueou a sobrancelha e começou a rir. Depois levantou Maria Lua, firmando-a em suas pernas. Os dois se encararam e ela abriu um sorriso lindo para ele.
- Ok, você já tem dentes. E a fada do dente não vai aparecer, ok? Sua mãe assassina de pintinhos e que jogava os dentes em cima da casa não sabe nada sobre crianças.
- Ah, falou o sabe tudo!
- Nunca matei um pinto.
- Heitor, eu nunca contei isso para ninguém. Se falar, eu mato você.
- Como matou o pinto?
- Não! Claro que não!
- De outro jeito?
Ele riu e levantou, me entregando Maria Lua. Deu um beijo na testa dela e disse:
- Preciso ir.
- Onde?
- Babilônia.
- Mas... Achei que você não iria hoje.
- Preciso, pelo menos uma vez na semana. Não posso deixar tudo assim. Sabe que aquele lugar é importante para mim. E ainda não encontrei alguém de confiança para deixar na gerência.
Eu achava que ele já tinha encontrado a pessoa certa. E era Ben. Mas tinha receio de indicar meu amigo e ele ver qualquer tipo de interesse da minha parte ou mesmo da do meu amigo. Mas sim, achava Ben perfeito para o cargo. Só que o próprio Heitor precisava descobrir isso.
- Hoje que eu tinha decidido dormir com você. – chantageei – Até o dia raiar.
- Eu venho mais cedo. – Ele riu, enquanto saía.
- E a loira do pau do meio?
- Eu vou falar com ela, juro.
- Eu ouço isso desde que o conheci, seu idiota.
- Vou falar... Confia em mim.
Não, eu não confiava. Não quando se tratava de demitir a Barbie das Trevas.
- Amo você. – Falei.
- Amo você, desclassificada e matadora de pintinhos. – Ele fechou a porta rapidamente, quando joguei um urso de pelúcia na direção dele.
- Ah, você não perde por esperar, desclassificado! Estou com uma ideia em mente que você vai ver bem de perto o que é destruir um pinto.
Levantei e pus Maria Lua no berço, ligando o móbile musical que estava preso acima dela. Assim que a música começou a tocar e os animais balançarem, ela começou a dar gritinhos de alegria, empolgada, se remexendo sem parar.
- Se comporte, pequeno raio de sol. Mamãe vai sair hoje... E botar papai no seu devido lugar. Ele vai ter que escolher: eu ou a loira do pau do meio. Só para constar: você nunca vai ganhar uma Barbie. Tenho trauma, juro – ela deu um grito e suspirei – Ok, vamos conversar a respeito. Eu achei que você só falava comigo e agora descobri que conversa com Heitor também. Você é muito sem-vergonha!
Dei um beijo nela e procurei Nicolete. A encontrei com um rapaz uniformizado na porta da adega.
- O que está fazendo? – Perguntei, curiosa.
- Pedi para colocarem digital para abrir esta porta também. Fiquei com receio de Malu conseguir abrir com a chave.
Dei um beijo no rosto dela, com força:
- Por isso eu amo você. Me achava tão ansiosa... Até conhecê-la. Recém saiu o primeiro dentinho e já estamos preocupadas com ela abrir uma fechadura.
- Dentinho? Como assim?
- Heitor encontrou.
- Não acredito. Que menina safada! Eu tentando todos os dias encontrar um dente. Certamente o estado febril daquele dia foi isso.
- Pois é... Mandy tinha razão. Acha que devo ligar para a pediatra e dizer que dentinho nasceu?
- Não precisa, Babi. Você vai avisar na próxima consulta mensal. Eu vou subir e... – ela pegou uma colherinha na gaveta – Verificar como está.
- Por que a colher? – Arqueei a sobrancelha.
- Para tocar o dentinho e ouvir o som.
- Jura que colherinhas servem até para isso? Ah, é fofo demais. Vou testar também depois. Mas antes... Será que... Bem, poderia cuidar dela para mim esta noite?
- Claro, sem problemas. Vai sair?
- Vou. Faz um tempo que não saio para a balada. – Pisquei.
- Como assim?
- Vou surpreender meu quase marido, na boate dele.
- Ele vai ficar radiante.
- Ou não! – Sorri, saindo misteriosamente.
Tomei um banho demorado e assim que saí liguei para Ben:
- Onde está?
- Eu... Eu... Estou quase chegando em casa.
- Sei... Mas nunca chega, não é mesmo? Maria Lua já me elegeu a mãe preferida.
- Não mesmo.
- Eu preciso de você.
- De mim? Você tem um homem rico, lindo, perfeito, carinhoso, amoroso, bom pai, que lambe o chão que pisa e precisa de mim? Juro que estou me sentindo importante.
- Ciúme, Ben?
- Um pouquinho. Você mal tem tempo para mim.
- Eu não tenho tempo para você? Quem fica fora dia e noite é o senhor...
- Eu trabalho, querida. Sabe o que é isso?
- Eu? Claro que sei. Só que, infelizmente, a vida decidiu que eu seria uma azarada nesta área. Deus disse: “serás inteligente e criativa, dará um rim para se formar na faculdade.” E então a fada má, que não foi convidada, revidou: “Mas não será contratada por ninguém”.
- Deus e a fada má na mesma história? Querida, você juntou religião com conto de fadas. A fada má não foi convidada para o batizado da Bela adormecida. E Deus lhe deu todas as oportunidades, mas você simplesmente botou tudo a perder.
- Julgador.
- Boa vida!
- Quero ir na Babilônia.
- Por que não pede pra Thor?
- Porque quem vai lá o tempo todo é você.
- Não precisa de mim para entrar lá. Você é mais do que VIP, querida. É a mulher do dono da porra toda.
- Quero surpreender o meu CEO.
A porta do meu quarto se abriu e Ben entrou, com o telefone na mão.
- Você... Estava aqui?
- Não, quase chegando. – Ele disse, fechando a porta e desligando o telefone.
- Quer um vestido vermelho pequeno que rasgue quando você se mexer? – Ele começou a rir.
- Quero algo perfeito. Preciso ficar melhor que a Barbie das Trevas.
- O que pretende fazer, Babizinha?
- Arrancar o pau do meio e deixar só os das laterais.
- Ok, vamos lá. Amigos são para estas coisas.
- E também para dizerem a verdade – falei enquanto procurava um vestido – E você está me escondendo algo, não é mesmo?
- Eu? Não... Claro que não.
Peguei um vestido vermelho não muito curto, comportado na parte de cima e com uma fenda que fazia aparecer quase toda a perna:
- O que acha deste? – Mostrei.
- Muito comportado em cima.
- Quero surpreender embaixo. – Sorri.
- Então é perfeito. Use sem calcinha. – Sugeriu.
- Nem pensar... Meu quase marido ama calcinhas.
- Tirá-las, no caso, não é mesmo? – Ele riu, se jogando na minha cama.
- Sim. – pisquei um olho – Eu sei que você está de namoro com alguém. E só espero que não seja Tony.
Ele não disse nada. Parei e o encarei, seriamente, temendo a resposta:
- Você não voltou para o Tony, não é mesmo? Me diga que não aceitou ele de volta.