Capítulo 121
2701palavras
2023-02-07 09:37
Ela me olhou firmemente. Os olhos eram verdes e a pele extremamente clara. O nariz era pequeno e os poucos cabelos refletiam com a luz artificial da lâmpada em louros acobreados.
- Será que acharam que somos parentes só porque temos olhos da mesma cor? É engraçado, porque tirando isso, não temos nada parecido. Acho que projetam em você muitas expectativas. E nem sempre a gente consegue fazer o que o outro espera...
De repente ela parou de sorrir e os lábios contorceram-se num leve beicinho. Caralho, eu falei algo errado? Tinha culpa de não ser o pai dela? Não, claro que não.
- Ok, desculpe. Eu nem sabia que você era capaz de entender. Mas se entende, por que não fala?
Ela seguia fazendo menção de chorar e fiquei completamente confuso e preocupado com o que eu poderia ter dito que a ofendeu.
- Quem sabe falamos sobre outra coisa? Tipo... Bem... Por que você não tem um urso de pelúcia no seu quarto? Crianças ainda gostam de urso de pelúcia? Eu tinha um... Chorei quando Nic o jogou fora.
Ela começou a chorar.
- Ok, não fique assim. Eu posso lhe comprar vários ursos... E pode escolher a decoração do seu quarto... Gosta de bonecas? Por Deus, o que você quer para parar de chorar?
- Ela quer se alimentar. – Bárbara falou, saindo de onde estava, recostada na porta, e vindo até o berço, pegando a criança no colo.
- Está me espionando agora? – Perguntei enquanto as seguia até a cozinha.
- Talvez um pouquinho...
Ela abriu a porta aérea do armário e pegou uma lata de leite, colocando algumas colheradas dentro de uma mamadeira. Depois aqueceu um copo de vidro com água por 30 segundos no micro-ondas e misturou tudo até o pó dissolver, formando um leite.
Enquanto ela fazia aquilo habilidosamente e parecendo durar segundos, a menina seguia chorando. Ela acabou batendo o braço na lata, que caiu no chão, espalhando o pó branco por todo lado.
- Segura ela pra mim. – Falou, me entregando a criança.
- Não... Eu não sei como fazer isso.
- Pega ela, Heitor. Preciso limpar esta porra que fiz.
Fiquei olhando a criança, que começava a parar de chorar gradativamente, me encarando.
Peguei-a por debaixo dos braços, deixando bem longe de mim. Ela não pesava praticamente nada. Em 31 anos era a primeira vez que eu pegava um bebê no colo. E Deus, eu fugi disto a vida inteira. Agora estava ali, ao lado de uma mulher que jamais imaginei me apaixonar e que ainda trazia de brinde um bebê que certamente faria eu perder boa parte da minha fortuna. Por que será que ela valia tanto?
Bárbara abaixou-se e começou a juntar o pó com a vassoura. Tive a impressão que a menina ia cair e aproximei-a um pouco de mim.
- Dê o leite para ele. – Bárbara ordenou enquanto organizava tudo, sem olhar na minha cara.
- Acha que eu sei fazer isso?
- Bota na boca dela a mamadeira, porra.
Será que ela sempre seria estressada assim quando a menina chorasse? Eu contrataria duas ou três babás. E ela não teria chance de dizer não. Afinal, eu e Maria Lua certamente disputaríamos a atenção dela diariamente.
Arrumei a menina nos meus braços, junto do meu corpo e peguei a mamadeira. “Pelo menos você não chupa os peitos dela”, pensei. Então, poderia ser até pior, pensando por este lado.
Botei o bico na boca que era quase menor que a borracha transparente e ela começou a sugar o leite, deixando parte dele escorrer pela bochecha.
“Já vou avisando, você não vai dormir na minha cama. E aquela ideia de um escorrega ao lado da escada de vidro está terminantemente fora de cogitação. Talvez... Eu retire a escada. Quando é que você começa a caminhar? Caralho, a piscina, o ofurô... Terei que fechar a lateral que desce para o primeiro andar. Subir as garrafas de vidro, que já não tem muitas porque sua mãe louca quebrou quase tudo. Por sorte os vidros das janelas e paredes são todos inquebráveis. Mas e as quinas dos móveis? Quando você começa a ir para a escola? Do que você vai me chamar: Heitor ou “tio”? Vai chamar Bárbara de mãe? Daí vai ser estranho andar por aí com a mãe e o tio. Vão pensar na escola que eu possa ser um namorado não assumido de Bárbara. Ou pior, acharem que sou bem mais velho do que ela.
E quando ficar adolescente, você acha que terá passagem livre na Babilônia? Não mesmo! Só depois dos 18 anos, como qualquer outro. Não vou dar-lhe regalias. Nem pense em dançar numa caixa de vidro ou no pole dance. Aliás, se você sequer pensar em dançar no poste, acho que Bárbara mata você. Acha que Ben vai morar com a gente a vida toda? Porque sinceramente, seria demais para mim. E se ele casar... E tiver um filho também? Olha só, eu odeio um monte de gente andando pela minha casa, tanto que faço festas só na mansão do meu pai, porque sou um pouco ciumento com relação ao meu espaço e lá é o único lugar no mundo que tenho privacidade.”
Ela começou a empurrar o bico com a língua, não querendo o restante do leite. Bárbara falava e eu não a ouvia, imerso em meus pensamentos... Ou seria um papo cabeça com a criança que entendia tudo que eu falava e não conseguia balbuciar uma palavra sequer?
- Heitor, está me ouvindo?
Olhei para Bárbara, com os braços estendidos, querendo a menina. Entreguei-a e ela colocou-a de frente para si, levantada, enquanto segurava suas costas.
- Ela precisa arrotar. – Explicou-me.
- Nossa, tem que explicar para ela que isso não é correto.
- Mas... Ela sempre faz. E às vezes vomita um pouco se não a deixo de pé.
- Que nojo!
- Também acho estranho, mas minha avó sempre disse que tinha que levantar ela depois da mamada e esperar arrotar.
- Então não se sabe o motivo de fazer isso?
- Eu não sei se não é só uma superstição. – Ela deu de ombros.
- Talvez devamos perguntar ao médico.
- Então... Estou pensando em como vou resolver a questão da certidão.
- Eu vou falar com meu advogado amanhã, ou melhor, hoje.
- Vamos fazer um Boletim de Ocorrência contra Daniel?
- Não... Sequer sei se ele está vivo. E há grande probabilidade de nunca mais vê-lo. Então não é bom fazermos isso. Ele pode ser encontrado sem vida em poucas horas. E como sabe, não temos nada a ver com isso.
A menina arrotou, conforme Bárbara havia dito que faria.
- Precisamos ensiná-la que isso não se faz – arqueei a sobrancelha, um pouco bravo – Porque eu sei que ela entende tudo que a gente fala.
- Sabe? – Bárbara começou a rir – Ela vai fazer cinco meses. Ela não entende nada.
- Falei com ela e ficou séria me escutando. Eu posso apostar que entendeu cada palavra. E quando se sentiu ofendida, chorou.
- Você ofendeu ela, Heitor?
- Não... Quer dizer, não de propósito. Mas sabe como é, talvez eu tenha falado algo que ela não gostou.
- Ela chorou porque estava com fome. Só isso.
- Do que ela vai chamá-la quando crescer? – Perguntei, curioso.
- Mamãe.
- E Ben vai ser o papai?
- Claro que não. “Você” vai ser o papai.
- Eu? – Quase gritei.
- Ou você não quer a mamãe dela?
- Eu quero a mamãe – olhei no fundo dos olhos azuis dela – E tudo que vem junto... Absolutamente tudo.
Ela sorriu e disse:
- Obrigada por tudo, Heitor. Eu não pediria sua ajuda ou sequer abusaria da sua boa vontade. Mas não é por mim, juro. É por ela. Não quero fugir... Porque posso ter feito coisas erradas, mas não agi de má fé, nunca. Tudo que fiz por Maria Lua foi por amor. E se Breno e Anya ficarem com a guarda desta criança, eu jamais voltarei a acreditar na justiça... Divina ou dos homens.
- Isso não vai acontecer – garanti – Estarão sob minha proteção. Nada nem ninguém vai tirar sua criança...
- Eu... Agradeço. E... Seria errado confessar que amo você neste momento?
Não foram muitas as vezes que ela disse que me amava. Mas cada vez que eu ouvia aquilo vindo dos lábios dela era como se algo dentro de mim parasse de funcionar e eu viajasse para outro lugar, mesmo com meu corpo estando ali. E eu não entendia a porra que aquela mulher conseguia causar em mim.
- Não seria errado. – Eu disse, alisando o rosto dela, que embalava a menina.
- Podemos... Começar do zero? Me diz que sim. – Ela falou num tom de voz baixo e não sei se era porque a bebê quase dormia em seus braços ou porque ela estava temendo minha resposta.
Porra, será que não estava escrito na minha cara que eu era completamente louco por ela, a ponto de abdicar de tudo em nome do amor que ela me fazia sentir?
- Não... Não podemos começar do zero – alisei seus lábios macios e observar o pescoço arroxado me fazia sentir um ódio tão grande ao mesmo tempo uma dor sem explicação dentro de mim – Vamos começar de onde paramos... Exatamente de onde paramos.
- E onde paramos?
- Na sua cama. – Sorri, já me sentindo mais forte, mesmo depois de não ter pregado o olho, completamente inebriado e ansioso pela presença dela nos meus braços.
Ela sorriu travessamente, beijando meu dedo.
- Como começar do zero se já sou dono de seis calcinhas?
- Mas não esperou mais quatro para me oferecer o anel. – Ironizou, me quebrando ao meio.
- Mas agora vou esperar. Não temos pressa, afinal, estaremos sob o mesmo teto.
- Hum, isso quer dizer que eu receberia o anel só para ficar no seu apartamento? O casamento é mais que isso, desclassificado.
Arqueei a sobrancelha e disse:
- Exatamente. Por isso que preciso de mais quatro calcinhas. Precisamos de mais tempo.
- Para... Que você tenha certeza do que quer? – Ela perguntou, visivelmente decepcionada.
- Não... Claro que não. Eu já sabia que colocaria um anel no seu dedo quando não devolvi um deles na caixa de joias da sua mãe. Então você deve saber que eu já estava decido há bastante tempo.
- Por isso mesmo não entendo... Por que agora não?
- Pensei menos, viva mais. Pare de se preocupar um pouco.
- Eu acho que não consigo. – Ela sorriu lindamente, fazendo meu coração disparar com aquele leve mexer de lábios.
- Está na hora de eu lhe mostrar o meu mundo, Bárbara. E... Ele não é perfeito. Mas eu o farei ser perfeito para você.
Eu não precisava dizer que mataria e morreria por ela. Mas sim, ela era a razão da minha existência. E acho que eu até começava a gostar um pouquinho da criança que partilharia comigo a mulher que era o amor de minha vida, para sempre.
Porra, jamais teríamos filhos. Pelo menos, eu não.
Eu nunca quis ser pai. Mas conheci Bárbara. E justo neste momento, olhando-a com a bebê nos braços, por um momento vendo-a tão frágil, como há tempos atrás, naquela mesma noite, eu quis sim ver um filho nosso no futuro. Mas era tarde.
Creio que eu não pudesse gostar daquela menina. Muito menos como se ela realmente fosse minha filha, sangue do meu sangue.
Neste momento, o destino riu debochadamente para mim e decidiu provar que há laços que não são planejados, nem sanguíneos, mas que são fortes, resistentes e eternos.
POV BÁRBARA
Maria Lua adormeceu e coloquei-a de volta no berço. Peguei a mão de Heitor e levei-o para o quarto novamente. O dia já amanhecia lá fora. E eu me sentia segura... Como há muito tempo não me sentia.
Deitamos na cama e nos cobrimos. Estava um pouco frio e eu seguia com a mesma roupa de depois do banho: moletom e calça confortáveis. Sequer usei um pijama, um pouco envergonhada de dormir assim com ele. Ou dormia de roupa ou com algo mais sexy.
Ele seguia com a calça colocado apressadamente, descalço, com o zíper até a metade, fechado às pressas para atender nossa bebê.
Quando deitamos, antes de ele acordar e eu pegá-lo conversando com Maria Lua de forma tão fofa, não passou pela minha cabeça fazer amor com ele.
Mas Deus, como resistir àquele homem? Eu seria uma depravada por ter sido quase morta por um demônio há horas atrás e agora querer transar como se não houvesse amanhã?
Porra, eu já fui tão retraída quanto à sexo. E com ele, era como se eu tivesse liberta, à vontade, sem medo, sem amarras.
- Acho que minha cama é metade do tamanho da sua – tentei justificar o pouco espaço entre nós – Mas entenda que a minha é normal, como a de todos nós, meros mortais.
- A minha não? – Ele perguntou, confuso.
- Não, desclassificado. Na sua cama podemos nem nos encostar se assim preferirmos.
- Hum, acho que, neste caso, prefiro a sua então.
Ele enroscou o corpo no meu, imobilizando-me:
- Você... Pode engravidar? – Perguntou, me surpreendendo.
- Eu fiz a cirurgia para haver uma chance. Mas as probabilidades não são as mesmas de uma mulher normal na minha idade.
- Isso a deixou incomodada?
- Sim... Até que peguei Maria Lua nos braços.
- Acha que... O que sente por ela pode ser amor de mãe verdadeira?
- Acha que Nic sente por você amor de mãe verdadeira, mesmo não sendo sangue do seu sangue?
- Eu... Creio que sim.
- Quando você se acostumar com esta menina, jamais questionará o amor que sente por ela. Eu a amei assim que pus os olhos nela, ainda ensanguentada e com cordão umbilical grudado à minha amiga... Salma me deixou ela, entende? Minha amiga fez tantas porras... Mas tantas, tantas... E ainda assim ela foi como uma irmã para mim a vida inteira. E consegue entender que ela se foi, mas ao mesmo tempo sempre estará comigo?
- Eu... Acho que sim. Caralho, eu dormi com esta mulher e nem sei quem ela é.
- Bem, dormir você não dormiu – fui sarcástica – Mas por isso não deve beber, desclassificado.
- Tem noção de quantas mulheres tentaram me dar o golpe da barriga, Bárbara?
Levantei a cabeça e olhei-o seriamente:
- Não é primeira vez?
- Por que acha que fiquei tão puto com você?
- Mas... E a camisinha? E a vasectomia?
- Posso estar caindo de bêbado, sempre usei camisinha. Eu nunca quis ter filhos, depois do que houve com Milena.
- Mesmo com vasectomia não abria mão da camisinha?
- Mulheres desconhecidas... Como saber com quantos homens dormiram antes de mim, possivelmente com alguma doença sexualmente transmissível?
- E elas alegavam o que? Camisinha estourada?
- Camisinha estourada, bêbado que não quis usar camisinha... – ele balançou a cabeça, rindo de forma tranquila – Já fiz alguns testes de DNA por aí... Todos negativos. E desnecessários, pois eu sempre dizia que não era o pai. E por dois motivos: vasectomia e camisinha. Mas a única que mencionei sobre a vasectomia foi você. Até porque, o procedimento foi algo que fiz sozinho e não contei a ninguém. Sempre temi a reação do meu pai quando soubesse. No fim... Não foi tão horrível. O fato de você aparecer já com uma criança o deixou um pouco mais tranquilo.
- Não usou camisinha comigo, desclassificado.
- Usei na primeira vez... Mas sabia que sempre comeria você até não suportar mais. Então, de uma forma ou de outra, eu perderia a camisinha em um momento ou outro... Como aconteceu no elevador... Não consegui sair de você... Até meu pau ficar completamente mole.
- Não lembro disso... Será... Que você poderia me mostrar como foi? Tipo... Me comer até o seu pau ficar mole dentro de mim e eu não aguentar mais...
- Ok, Bárbara, saiu na chuva, vai se molhar.
- Detesto guarda-chuva.