Capítulo 120
2527palavras
2023-02-07 09:36
Enquanto a avó dela trocou a fralda da bebê, obriguei Bárbara a comer um pouco. Mandei que trouxessem comida de verdade. Depois que ela viu que a menina estava bem, achei que não fosse mais parar de comer.
Enquanto a observava, alegre e falante, tentava não lembrar do que havia acontecido horas antes. Sinto que eu envelheci um ano naquela noite. Estava esgotado física e psicologicamente.
Quando percebi que finalmente ela estava satisfeita, e sinceramente nunca vi alguém comer tanto em tão pouco tempo, me dirigi para perto do meu pai, que parecia querer conversar com Mandy por mais tempo.
Sentei no sofá, que não era nada confortável, e perguntei a ele:
- Bebês nunca acordam? E quando acordam só choram?
- Não – ele sorriu – Mas vou deixar você ver como funciona isso bem de perto.
- Não, eu não quero ver isso.
- Acho que agora é tarde. Não a convidou para ir com você? A criança vai junto. Ela não vai deixá-la por nada.
- Eu sei.
- O que o fez voltar atrás? Sequer pensei que fosse deixá-la partir daquela forma...
- Eu... Não consigo mais viver sem ela. – Confessei, enquanto a via sorrir distraidamente, conversando com os seguranças, como se fossem velhos conhecidos.
Bárbara tinha este dom: era íntima de todos. Me parecia que se ela gostava de alguém, faria qualquer coisa por aquela pessoa. Mas se não gostasse, não importava o que fizesse, nada mudaria sua opinião. Caí nas graças de mudar de lado. Ou na desgraça... Porque depois que a toquei, meu mundo virou de ponta cabeça e nunca mais foi o mesmo.
E agora ela iria para minha casa, com uma criança, que eu nem sabia quem era o pai... E mal conhecia a mãe. E acho que ela nos via como uma família. Mas eu não sei se conseguiria me afeiçoar a uma coisinha tão pequenina, que chorava de forma estridente e exigia a atenção dela o tempo todo.
Nunca desejei ser pai. Minha vida era muito boa para isso. E se fosse para ser alguém como meu próprio pai, que não tinha tempo para o filho, eu preferia não tê-los.
Eu era um homem que trabalhava dia e noite. Na verdade, eu era da noite. Amava estar na Babilônia e tudo que ela me proporcionava: status, mulheres, bebidas e um mundo sem limites, onde tudo era possível.
Daí a desclassificada apareceu e eu já nem tinha mais tempo para Babilônia. Tomei meu rumo como CEO da North B., definitivamente. E sequer sabia que o B da maior empresa do país era em homenagem à mãe dela. Ok, meu pai fundou e escolhesse o nome que quisesse.
- No fim, tinha que ser B mesmo... – Me ouvi falando sozinho.
- Como assim? – Allan perguntou.
- Eu... Estava pensando no B na North B.
- De Beatriz... Me desculpe, mas foi antes de eu conhecer sua mãe.
- Para mim é B de Bárbara.
- Lembra o que eu lhe falei sobre encontrar a pessoa certa e saber que era ela?
- Sim. E quer dizer que minha mãe não era a pessoa certa?
- Sim, ela era a pessoa certa. E eu a amei. Mas o que senti por Beatriz ultrapassou isso.
- Imagino... Ela o colocou numa cadeira de rodas.
- Não. Você sabe que não foi ela. Fui eu... Ela jamais desejaria que eu fosse atrás de Francesco. Por isso mesmo ela desapareceu.
- Fico imaginando se ela era como Bárbara.
- Igual... Em todos os sentidos. – Ele sorriu, olhando para minha mulher, me fazendo sentir um certo ciúme, temendo que as comparasse e pudesse ver nela a mulher que perdeu no passado.
- Ela é minha. – Me ouvi dizendo, o sentimento de posse me traindo.
- Um dia vai entender que ninguém é de ninguém.
- Não... Ela é minha – repeti – Eu mataria e morreria por ela.
- Eu fiquei numa cadeira de rodas em nome da honra da mãe dela... E o pior é que Beatriz nunca me pediu nada... E sequer soube o que houve. Ainda assim, eu comemorei a morte de Francesco. E você já me criticou pelo que fiz com a mulher dele... Mas não tem noção da felicidade que senti quando ele me viu comendo-a em cima da mesa dele.
- Onde entra Celine nesta história toda, pai?
- Uma puta de uma gostosa, que só quer viver bem e fazer bom uso do sobrenome que lhe dei.
- Achei... Que gostasse dela. Mas ela teve atitudes com Bárbara que sinceramente, não aprovei.
- Celine está em desespero. Sabe que meu fim está próximo e teme ficar sem nada.
- E... Ficará?
- Vou deixar a mansão para ela. Ou você quer?
- Claro que não. Detesto aquela casa.
- Minha empresa não pertence a ela e nunca pertencerá. É sua... E de seus filhos.
Eu gargalhei, chamando a atenção de todos. Contive-me, tentando não me sobressair. Logo voltaram a conversar e falei baixo com meu pai:
- Só pode estar brincando. Eu não posso ter filhos. Bárbara não pode ter filhos.
- Sinceramente, acho que vocês já têm.
- Aquela criança não é minha filha.
Ele riu e tocou minha mão, de forma carinhosa, como não lembro de ter feito algum dia:
- Mudará de ideia. Então voltaremos a conversar sobre isso.
- Não... – fiquei confuso – Eu... Gostaria que você fosse embora. E levasse a “vovó” junto. Bárbara precisa descansar.
- Só de pensar em descer quatro andares de novo eu tenho vontade de ficar aqui para sempre.
- É surreal. Mas é o prédio de Bárbara, então não me surpreendo. Porque nada nela é normal, por assim dizer.
- Sim... Também acho.
- Celine sabe que você está aqui?
- Eu não devo satisfações para Celine. Ela finge que me ama e eu finjo que acredito. Não se preocupe, Heitor. Sou um velho esperto. Já tentaram me passar a perna muitas vezes, então eu jogo do mesmo jogo. Homens como nós devem desconfiar até da sombra, pois poucas pessoas se aproximam sem querer um benefício ou algo em troca.
- Talvez o pai de Beatriz tenha pensado isso no passado.
- Talvez... Mas ainda assim, ele só tinha ela. E nunca voltou atrás na sua palavra. Beatriz não precisava de ajuda, mas a menina sim. – Ele olhou para Bárbara.
- Assim como Bárbara... Ela precisa de proteção para a menina.
- E ninguém pode fazer isso melhor do que você. Tem dinheiro, tem influência e pode fazer tudo por elas. Eu fiquei decepcionado com você horas atrás, quando a deixou partir... Mas agora, o vendo aqui, sentado, tendo voltado atrás na sua decisão, sinto orgulho de você, Heitor. Eu queria ter tido esta sua coragem no passado. Infelizmente não tive. Os Casanova são possessivos, as Novaes são teimosas. A junção é como uma bomba atômica. Só não pode tirar o pino e deixar explodir.
- Já que tem orgulho de mim, poderia, por favor, levar a “vovó” e ir embora?
- Quer que eu leve a bebê junto? – Me indagou debochadamente.
- Não... Bárbara me mataria.
Allan gargalhou e se dirigiu com facilidade entre o cômodo pequeno até à mesa, onde os demais seguiam concentrados nas histórias de Bárbara, de como ela havia sido sufocada, quase chegado à morte.
Sinceramente, quando ela disse, sorrindo e olhando para o meu guarda-costas, que o que lhe veio à mente quando pensou em morrer foi de que o ex a estaria esperando na porta da eternidade e pensou em voltar, eu achei que ela estava fazendo graça. Afinal, quem, antes de morrer, pensaria na porra do ex-namorado. Mas dela, Bárbara, então não se podia duvidar de nada. Nada, literalmente... Nem de que ela realmente me daria um tiro se tivesse uma arma. Não que eu tivesse medo dela. Ok, um pouquinho, confesso.
A menina era o ponto fraco dela. Mas se depois de tudo que houve, com um enorme hematoma no pescoço, estando prestes a morrer horas atrás, ela sentava numa mesa e comia como se o mundo fosse acabar, contando divertidamente o que houve, me peguei pensando se algo abalaria realmente aquela mulher.
Sempre me passou pela cabeça a ideia de defendê-la. Mas sinceramente, eu não sei Bárbara precisava de proteção. Mas a menina precisava de mim. Eu conseguia fazer o mundo rodar a meu favor com uma palavra. E quando a palavra não resolvia, umas notinhas de dinheiro sempre mudavam o rumo do pensamento das pessoas, bem como suas ações.
Se o problema de Bárbara e Maria Lua (era esse mesmo o nome da menina?) era dinheiro, estava resolvido.
Enfim, todos se foram. Exceto Anon, que ficou de vigília no carro, junto de outro segurança que chamamos de emergência. Anon era meu guarda-costas, mas contávamos com uma enorme equipe, que participava em eventos e sempre na saída da Babilônia, principalmente. Meu pai me fez sempre temer por minha vida, 24 horas por dia.
- É agora que a gente dorme um pouco? – Bárbara me perguntou, ainda à mesa.
- Quem sabe antes você tira um tempinho para me atualizar sobre minha quase paternidade?
- Juro que quase esqueci deste pequeno detalhe. – Ela sorriu.
Ela passou no quarto da menina antes e colocou o dedo nas narinas da criança adormecida, enrugando levemente a testa.
- Por que faz isso? – Perguntei curioso.
- Para ver se ela está respirando.
- Corre o risco de não estar? Isso é normal?
- Nada é normal num bebê – ela sorriu novamente, de forma terna – E eu tenho uma pequena fobia de acontecer qualquer coisa enquanto ela dorme.
- Porra, isso deve ser horrível. Como você dorme?
Ela alargou os lábios num enorme sorriso perfeito:
- Nunca mais dormi uma noite inteira depois que ela nasceu.
Ok, mais um motivo para eu agradecer a mim mesmo pela vasectomia. Se bem que eu nunca dormi uma noite inteira. Eu trabalhava à noite... E de dia. E quando sobrava um tempinho eu dormia. Claro que geralmente deixava para chegar na North B. depois do almoço, ou certamente já estaria morto.
Mas sim, eu era um homem que poderia dormir em torno de 3 horas e passar bem até o próximo sono. Sem contar que já passei noite a fio sem dormir, bebendo e fazendo sexo. Ou talvez posso ter dormido e nem me dado conta, até mesmo durante o ato em si.
- O que acontece se estivermos dormindo e ela chorar?
- A gente acorda e dá mamadeira. Leite em pó, fórmula prescrita pela Pediatra e 75 ml de água fervida, 30 segundos no micro-ondas. Se ela seguir chorando depois da mamada, é preciso verificar a fralda. Mas ela não faz muito xixi à noite.
- Hum... Não seria melhor contratar uma babá para o dia e outra para noite?
- E visitar a minha filha nas horas vagas? – Me questionou, sem nenhum vestígio de graça, séria.
- Ok, não está mais aqui quem falou.
- Somos nós dois. Daremos conta. – Ela disse, saindo e desligando a luz, deixando um abajur ligado.
“Nós dois”? Você quer que “eu” cuide da menina? Eu não sei fazer isso. Eu tenho fobia de crianças. Eu fiz uma vasectomia para não ter filhos.
Olhei para ela e disse:
- Sim, acho que damos conta.
Assim que chegamos no quarto, ela retirou o tênis e jogou-se na cama, cobrindo-se. Fiquei observando-a e lembrando quanto tempo imaginei como seria aquele momento, de conhecer o lugar onde ela dormia, seus hábitos, seu mundinho do lado avesso.
Retirei o sapato, depois desafivelei a cinta e retirei a calça. Ela me observava atentamente, sem dizer nada, mas eu podia sentir a respiração dela levemente acelerada.
Desabotoei a camisa botão por botão, sem pressa. Porque sim, eu estava exausto. Olhei no meu relógio de pulso e já era quase cinco horas da manhã. Eu estava acostumado a ir dormir naquele horário, quando dormia. Mas excepcionalmente naquela noite (ou manhã) eu estava realmente cansado.
Deitei ao lado dela, que imediatamente cobriu-me. Senti seu corpo enroscar-se ao meu, os cabelos levemente úmidos, o cheiro que só ela tinha, que me fazia senti-lo em forma de lembrança a qualquer hora do dia, e imaginá-la.
Alisei seu rosto, descendo pelo pescoço machucado, fazendo com que meu coração partisse por não estar ali para evitar aquilo, por tê-la deixado partir a ponto de aquilo acontecer.
- Heitor, tudo começou quando Salma, minha amiga, planejou que iria ter um filho seu e viver de pensão para o resto da vida...
Meus braços a acolhiam junto ao corpo enquanto ela contava a história que parecia não ter fim, completamente absurda, estranha, ridícula e ao mesmo tempo engraçada, porque ela sempre punha um pouco de humor a tudo.
Eu não dizia nada. Até porque, acho que nem tinha o que dizer. Acontece que aos poucos, a voz dela foi ficando mais fraca e ela parou. Vi seus olhos fechados, e a respiração ficar mais leve.
Meu coração batia tão forte que eu conseguia ver meu peito se mexendo de forma acelerada. E eu não sabia se era por tudo que tinha ouvido ou pelo simples fato de ela estar ali, adormecida e eu não ter sequer tentado fazer amor com ela. Porque eu queria ouvi-la, queria ajudá-la, queria poder tirar toda a dor que ela sentiu ao longo daqueles meses, por uma mentira que a amiga contou.
Eu não sabia quem era Salma... Nem Daniel. Ao menos não dentro da Babilônia, embora agora fossem velhos conhecidos: a quase mãe do meu filho imaginário e o barman que tentou matar minha mulher.
Acho que eu devia observar mais de perto a contratação dos meus funcionários. Que tipo de pessoas trabalhavam para mim?
E afinal, quem era o pai da pequena que dormia no quarto ao lado? Por um breve momento senti pena dela, pois sequer sabia o que acontecia ao seu redor. Faria o DNA assim que Bárbara acordasse, para certificá-la de que eu realmente não era o pai na menina.
Fiquei ali, cansado, mas o corpo relaxado. A cama parecia pequena demais para nós dois, mas isso me agradava, pois não ficava sequer um centímetro longe do corpo dela.
Caralho, ela mentiu muito. Tentou esconder tudo e virou uma bola de neve na qual ela foi engolida. Ainda acho que o maior problema agora seriam os avós. Mas pelo visto queriam dinheiro e isso eu tinha para lhes dar.
Ouvi um chorinho e pensei estar delirando. Mas não, era real. Me remexi para ver se Bárbara acordava, mas não. O sono dela estava pesado demais. Novamente o som abafado no quarto ao lado. Quando cessou, lembrei que ela havia falado que a criança podia ficar sem respirar. Levantei imediatamente e praticamente corri até o berço.
Liguei a luz e Maria Lua estava destampada, com as pernas para cima, chutando o ar. Encarei-a e ela abriu um sorriso, sem nenhum dente na boca. Nunca mencionaram que bebês podiam sorrir assim, do nada.
Acenei e disse baixinho:
- Oi... Eu sou Heitor. Você deve ser Maria Lua.